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Reforma tributária e o Simples Nacional: Preservação no papel, risco na prática

Empresas do Simples podem perder espaço no mercado por não gerarem créditos, afetando sua competitividade no novo modelo tributário.

23/9/2025

A reforma tributária, aprovada pela EC 132/23, representa a mais profunda mudança no sistema tributário brasileiro em décadas. A substituição de PIS, Cofins, ICMS e ISS por dois novos tributos - a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços e o IBS - Imposto sobre Bens e Serviços - tem como promessa central a simplificação e a competitividade.

No entanto, em meio ao discurso da modernização, surge um ponto sensível: o futuro do Simples Nacional

Criado pela LC 123/06, o regime não é apenas um mecanismo de arrecadação diferenciada, mas um verdadeiro instrumento de política pública voltado a estimular o empreendedorismo, reduzir burocracia e fomentar a formalização. Hoje, mais de 90% das empresas brasileiras estão no Simples, responsáveis por milhões de empregos formais.

A Constituição assegura, no art. 42, §1º, da EC 132, que o Simples será preservado. Mas essa preservação corre o risco de ser formal e não efetiva. Isso porque, no novo modelo, as empresas que não estão no Simples poderão gerar créditos de IBS/CBS para seus clientes, reduzindo custos. Já as optantes pelo regime simplificado, em regra, não transferirão créditos.

O efeito é claro: um restaurante pode deixar de comprar pães de uma padaria do Simples para adquirir de um fornecedor maior, justamente porque conseguirá aproveitar créditos. Na prática, o microempreendedor perde competitividade, mesmo mantendo carga tributária aparentemente reduzida.

Durante a transição, que se estende até 2032, o problema tende a se agravar. Embora a forma de recolhimento do Simples não mude, essas empresas estarão inseridas em uma lógica fiscal mais complexa, altamente dependente da apropriação de créditos. Sem ajustes, o regime que nasceu para simplificar pode acabar incentivando migração para modelos mais onerosos - ou mesmo para a informalidade.

As discussões legislativas em 2024 e 2025 tentaram enfrentar esse dilema. Propostas de créditos presumidos, tratamento diferenciado setorial, transição digital e revisões periódicas das alíquotas ganharam espaço, mas ainda não há consenso entre União, Estados e municípios. Parte dos entes federativos teme a perda de arrecadação, enquanto entidades como o Sebrae defendem medidas para evitar o esvaziamento prático do regime.

Nesse cenário, será inevitável a atuação do STF, caso se alegue violação ao art. 170, IX, da Constituição, que consagra o tratamento favorecido às micro e pequenas empresas.

O ponto central é claro: a reforma não pode representar simplificação para os grandes e complexidade para os pequenos. Proteger o Simples é proteger a economia real do Brasil. Se não houver regulamentação atenta, o risco de enfraquecimento desse regime - que sustenta a maioria das empresas e empregos formais do país - é concreto e preocupante.

________________

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

2 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.

3 BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

4 SACHSIDA, Adolfo. Reforma Tributária: avaliação econômica e jurídica. Brasília: Ipea, 2024.

5 SILVA, José Eduardo Soares de Melo. Tributação sobre o Consumo no Brasil: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: RT, 2023.

6 SEBRAE. Impacto da Reforma Tributária nas MPEs. Relatório Técnico, 2024.

Beatriz Alves
Advogada do escritório Ratc & Gueogjian Advogados.

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