O STF encerrou recentemente o julgamento da ADIn 7.265, proposta pela Unidas - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, e que discutia os limites do rol da ANS e a possibilidade de cobertura de tratamentos não listados. A decisão representa um marco regulatório e jurídico para o setor de saúde suplementar, ao impor critérios técnicos objetivos e reduzir o espaço para a judicialização indiscriminada.
Em 2022, mediante a promulgação da lei 14.454/22, que alterou alguns arts. da lei 9.656/1998 - sobretudo aqueles relativos ao rol de procedimentos1 -, tentou-se estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar da ANS de maneira mais previsível para o mercado.
A alteração, todavia, deixou regras muito fluídas ao colocar apenas dois requisitos opcionais para que tratamentos fora do rol fossem autorizados e deu início a uma discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o caráter taxativo ou exemplificativo do rol, o que acabou levando a jurisprudência, inclusive do STJ2, a reconhecer um caráter taxativo mitigado extremamente inseguro para as seguradoras.
A ideia era conferir segurança contratual e previsibilidade atuarial, mas a realidade vinha sendo de bastante insegurança jurídica, impondo às operadoras a cobertura de procedimentos de alto custo, muitas vezes sem comprovação científica consistente e de forma absolutamente imprevisível.
Diante desse cenário, a ADIn 7.265 foi ajuizada pela Unidas, entidade representativa das operadoras, com o objetivo de desafiar a constitucionalidade da lei 14.454/22, afastar o caráter exemplificativo e restaurar previsibilidade econômica do mercado de seguro saúde.
Importante ressaltar que a imprevisibilidade e as muitas liminares com tratamentos de elevadíssimos valores, em algumas ocasiões de maneira fraudulenta e criminosa, também impactam negativamente o bolso de todos nós consumidores, pois o sistema de saúde suplementar é regido pelo princípio da mutualidade. Em outras palavras, quando o sistema paga por algo não previsto, que não entrou na formação do seu preço, passa a cobrar mais de outros clientes.
Por ocasião desse recente julgamento, o STF não acolheu integralmente a tese da taxatividade, mas tampouco confirmou a ampliação que vinha sendo praticada até então. A Corte fixou um modelo intermediário: o rol da ANS permanece como referência básica de cobertura e tratamentos não listados só poderão ser autorizados se cumprirem cinco requisitos cumulativos:
- Prescrição médica fundamentada.
- Inexistência de alternativa eficaz no rol.
- Comprovação científica da eficácia.
- Recomendação por órgãos técnicos nacionais ou internacionais de autoridade reconhecida.
- Registro na Anvisa, quando aplicável.
A decisão do STF equilibra inovação e sustentabilidade. Ao disciplinar a cobertura extra-rol por critérios técnicos objetivos e cumulativos, a Corte fortalece a regulação da ANS, reduz incertezas e oferece às operadoras um ambiente mais racional e previsível.
O efeito imediato é a previsibilidade atuarial: planos de saúde poderão precificar contratos com maior precisão, minimizando riscos de surpresas financeiras decorrentes de ampliações judiciais de cobertura de procedimentos, o que ainda acontecerá, mas em menor medida. Esse cenário contribui para a sustentabilidade do setor e para a manutenção de planos acessíveis para os beneficiários, que naturalmente têm sofrido com reajustes anuais na exata medida dos custos imprevisíveis que têm sido imputados aos planos.
Outro impacto relevante é o fortalecimento da regulação. A decisão reafirma o protagonismo da ANS como núcleo técnico de governança, responsável por avaliar a incorporação de novos procedimentos. Isso reduz a fragmentação decisória e garante maior racionalidade ao sistema.
Naturalmente ainda há a possibilidade de tratamentos não previstos no rol serem autorizados pelo próprio plano ou por imposição judicial, mas isso será menos frequente, de modo que o resultado do julgamento pode ser visto como um avanço institucional que preserva a estabilidade do setor de saúde suplementar e reafirma a importância da segurança jurídica como fundamento para sua evolução.
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1 § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.”
2 EREsp 1.886.929/SP e EREsp 1.889.04/SP