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Federalismo cooperativo: A EC 136/25 liberta os RPPS do Pasep

A readequação da base de cálculo do Pasep fomenta a manutenção dos investimentos previdenciários no mercado, garantindo ainda mais o equilíbrio atuarial dos RPPS.

7/10/2025

Contextualização

A EC 103/19 estabeleceu um novo panorama no arranjo federativo do Brasil. Esse pacto elevou a autonomia dos entes federativos, especialmente no que diz respeito aos requisitos de elegibilidade para a concessão de benefícios previdenciários.

Antes, o que eram requisitos universais a todos os servidores públicos do país (idade e tempo de contribuição) passou, a partir de 2019, a ser uma medida a ser definida por cada ente. Isso se deu, naturalmente, levando em consideração a capacidade econômico-financeira de cada Estado e município.

Era inconcebível, portanto, que a União estabelecesse, em regra constitucional, os mesmos requisitos, desconsiderando a realidade financeira dos entes subnacionais. Essa (re)adequação da distribuição de poder político evidencia a preocupação do constituinte derivado reformador com o equilíbrio econômico e atuarial dos RPPS.

Passados cinco anos da reforma da previdência, o aspecto tributário se apresenta como mais um ciclo dessa repactuação federativa, considerando que os Estados eram fortemente onerados com o Pasep incidente sobre os rendimentos dos seus fundos previdenciários.

O art. 6º da EC 136/25 estabeleceu que “excluem-se da base de cálculo da contribuição para o PIS - Programa de Integração Social e para o Pasep - Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público os valores referentes às receitas dos regimes próprios de previdência social, oriundos de contribuições previdenciárias, transferências para cobertura da insuficiência financeira, aportes para cobertura do déficit atuarial, compensação financeira entre regimes previdenciários, rendimentos das aplicações financeiras e outras destinadas ao financiamento de benefícios previdenciários”.

Esse avanço constitucional é extremamente oportuno em um cenário complexo do sistema previdenciário brasileiro, que, em muitos casos, vive em verdadeira exaustão orçamentária. Logo, a readequação da base de cálculo do Pasep fomenta a manutenção dos investimentos previdenciários no mercado, garantindo ainda mais o equilíbrio atuarial dos RPPS.

O impacto da medida é substancial. Em análise dos balancetes do RPPS do Estado de Roraima, publicizados no Portal da Transparência, verifica-se que, no balancete mensal de outubro de 2024, o ente foi tributado em R$ 1.717.086,44 (um milhão, setecentos e dezessete mil, oitenta e seis reais e quarenta e quatro centavos) e, no Balancete Mensal de julho de 2025, em R$ 1.310.122,54 (um milhão, trezentos e dez mil, cento e vinte e dois reais e cinquenta e quatro centavos).

Uma nova perspectiva

A EC 136/25 não foi um instrumento de mero debate econômico, mas decorreu de um imperativo jurídico. Isso porque o equilíbrio atuarial é uma obrigação de resultado, e não apenas de meio. O art. 40 da CF impõe uma gestão que assegure a manutenção do regime no longo prazo, de modo a evitar que as gerações futuras sejam oneradas com déficits pretéritos.

Do ponto de vista constitucional, pode-se dizer que esse equilíbrio é uma cláusula pétrea implícita, pois decorre da proteção aos direitos sociais (art. 6º) e ao núcleo essencial do direito à previdência (art. 40). Desse modo, permitir que tributos federais esvaziem os fundos que asseguram o futuro dos servidores públicos seria, indubitavelmente, uma ameaça a essa cláusula.

Além disso, ao editar a EC 103/19, sedimentou-se um marco de elevada responsividade, ficando cada ente responsável por seu sistema previdenciário. Daí que se impôs, constitucionalmente, que os RPPS pudessem, quando houvesse déficit atuarial, instituir contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas sobre o valor dos proventos que superasse o salário-mínimo, bem como criar alíquotas extraordinárias e adotar outras medidas de equacionamento do déficit.

Uma maior centralização nos Estados para resolver suas questões previdenciárias impôs, ao mesmo tempo, que a União deixasse de sufocar o patrimônio dos RPPS com tributação expressiva.

Qual seria a coerência de se exigir dos Estados o saneamento de seus RPPS e, ao mesmo tempo, reter parcela considerável dos rendimentos que visam ao pagamento de benefícios previdenciários? É como se a União dissesse: “faça o dever de casa”, mas escondesse a borracha que permitiria apagar o déficit.

A medida reafirma o federalismo cooperativo, de modo que a União, ao retirar o Pasep, deixa de atuar como “credor oculto” dos RPPS. Assim, os entes passam a gerir seus fundos com maior previsibilidade, podendo direcionar a totalidade dos rendimentos ao custeio de benefícios.

Do ponto de vista atuarial, cada real preservado no fundo multiplica-se pelo efeito composto dos investimentos. Portanto, o impacto não é apenas imediato, mas também exponencial ao longo do tempo, reduzindo a necessidade futura de novas alíquotas extraordinárias.

Conclusão

A exclusão do Pasep da base de cálculo dos rendimentos dos fundos não foi um ato despropositado de renúncia fiscal, mas uma normativa de coerência constitucional e de fortalecimento do pacto federativo. É uma medida que coloca o princípio do equilíbrio atuarial no centro da agenda fiscal e reconhece que o futuro previdenciário dos servidores não pode ser tratado como fonte de arrecadação.

Os impactos serão imediatos. Do confronto dos balancetes de outubro de 2024 e julho de 2025 - menos de um exercício financeiro –, o RPPS de Roraima, se já vigorasse a EC 136/25, teria R$ 3.027.208,98 a mais em seu patrimônio para manter a saúde financeira e atuarial do regime próprio de previdência.

Se queremos falar de responsabilidade geracional, é preciso começar pela blindagem dos recursos previdenciários. E, para gestores e servidores públicos, isso significa poder trabalhar com horizonte de longo prazo, sem ver parte da rentabilidade sendo drenada para uma conta federal que não retorna ao fundo.

Mais do que uma medida econômica, a Constituição consagra um gesto de Justiça tributária e de maturidade federativa.

Herick Feijó Mendes
Advogado, mestre em Cidadania/Direitos Humanos, especialista em Direito Público, Professor de Direito na Unama/RR

Carlos Alexandre Praia R. de Carvalho
Advogado, pós-graduado em Direito Civil e Especialista em Regime Próprio de Previdência Social, Auditor-Previdenciário.

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