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Doação com usufruto: O "test drive" da herança que custa caro?

Doar com usufruto promete economia e simplicidade. Mas essa "simplicidade" pode engessar seu patrimônio, causar conflitos e te custar mais caro no futuro. Saiba os riscos dessa "herança fácil".

4/11/2025

Você acumulou patrimônio. Tem alguns imóveis, quem sabe um apartamento na praia, a casa onde mora, alguns terrenos. E, como qualquer pessoa sensata, não quer que seus herdeiros passem pelo inferno do inventário que já detalhamos. Alguém, em algum momento, vai te sussurrar a "solução mágica": "Faz uma doação com usufruto!"

A ideia é brilhante em sua simplicidade: você doa os bens para seus filhos (os "nu-proprietários"), mas mantém para si o direito de usar e gozar desses bens (o "usufruto") até o fim da vida. Ou seja, você continua morando na casa, recebendo os aluguéis, usando a fazenda. Ao falecer, o usufruto se extingue, e a propriedade plena se consolida nas mãos dos filhos automaticamente, sem inventário.

Parece perfeito, certo? Economiza ITCMD (porque a doação é em vida e pode ser feita pelo valor venal, teoricamente), evita inventário, e você mantém o controle. É como um "test drive" da herança, só que sem o risco de bater o carro.

Exceto que, na maioria das vezes, o "carro" já vem batido, o pneu está furado e você está preso no engarrafamento. A doação com usufruto, quando mal planejada e mal compreendida, é o caminho mais rápido para engessar seu patrimônio e semear discórdia familiar. É um remédio caseiro que, muitas vezes, piora a doença.

Por que a doação com usufruto atrai tanto?

Vamos ser justos. A doação com usufruto tem seu charme, especialmente para quem não quer lidar com a burocracia de uma holding ou a complexidade de um trust.

Até aqui, tudo lindo. O problema é que a vida, assim como o Direito Tributário e as relações familiares, é muito mais complexa do que uma única linha de raciocínio.

Quando a flexibilidade vira um problema?

Este é o maior calcanhar de Aquiles da doação com usufruto. Você acha que tem controle porque detém o uso. Mas perde a propriedade, e com ela, a flexibilidade.

Fábrica de conflitos

A rigidez da doação com usufruto também é um terreno fértil para as brigas familiares.

O "barato" que sai caro

A "economia" do ITCMD na doação com usufruto é muitas vezes ilusória, especialmente com as recentes mudanças legislativas e a postura mais agressiva do Fisco.

Alternativas Inteligentes

Criticar é fácil: O difícil é apresentar soluções que realmente funcionem. A doação com usufruto tem seu lugar em nichos muito específicos e com um patrimônio muito simplificado. Mas, para a maioria dos casos, há ferramentas mais eficazes e flexíveis.

Holding (bem estruturada): Ao contrário da doação com usufruto, a holding mantém a propriedade dos bens sob a Pessoa Jurídica. Isso dá flexibilidade na gestão, permite a venda de bens com maior agilidade (com o doador/patriarca mantendo o controle da PJ), e a sucessão se dá sobre as quotas da empresa, o que pode ser muito mais fluido se houver um acordo de sócios bem feito. O controle é mantido onde importa.

Seguro de vida resgatável: Em vez de "engessar" o bem, crie liquidez. Um seguro de vida resgatável permite ao patriarca ter acesso aos recursos em vida, se precisar. E, no falecimento, o capital (isento de ITCMD e IR) entra em poucos dias na mão dos herdeiros, permitindo que eles comprem o bem que você queria doar (seja da holding, ou de outros herdeiros) ou paguem os custos de inventário sem precisar vender o patrimônio.

Testamento: Se a simplicidade é crucial, um testamento, aliado a uma boa conversa com a família, é superior. Ele não evita o inventário, mas o organiza, definindo quem fica com o quê e evitando brigas. O grande diferencial: o doador mantém 100% da propriedade e controle sobre seus bens até o último dia de vida, podendo vendê-los, hipotecá-los ou modificá-los a qualquer momento, sem depender da anuência de ninguém.

Fundos exclusivos/específicos: Para patrimônios financeiros, esses fundos oferecem gerenciamento profissional, sucessão de cotas com menos burocracia e, dependendo da estrutura, vantagens tributárias que o usufruto não oferece.

Conclusão: Simplicidade que pode sair caro

A doação com usufruto não é uma ferramenta ruim. É uma ferramenta que exige um contexto muito específico e uma compreensão profunda de suas limitações. Fora desse contexto, ela se transforma em um "test drive" sem airbag, freio e direção, onde o "carro" é o seu patrimônio e os passageiros, sua família.

A "economia" imediata que ela promete muitas vezes se paga com juros altíssimos em forma de engessamento, conflitos familiares e custos tributários inesperados. O planejamento sucessório não é sobre encontrar a "solução mais barata", mas a "solução mais inteligente" para a sua realidade. E, para a maioria das realidades complexas de quem construiu um patrimônio, a simplicidade da doação com usufruto é, na verdade, sua maior maldição.

Pense bem antes de doar com usufruto. Porque o que parece um atalho para a tranquilidade pode virar um beco sem saída.

Lucas Pereira Santos Parreira
Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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