Recém-aprovada, a EC 136/25 (antiga PEC 66) chegou com a promessa de aliviar a pressão sobre Estados e municípios em dificuldade para pagar precatórios. Na teoria, um alívio necessário. Na prática, a medida acaba se estendendo até para quem estava com as obrigações em dia - o que levanta dúvidas sobre a real necessidade dessa prorrogação universal.
O caso do Paraná
O Paraná é um dos poucos estados que vinha mantendo seus pagamentos em dia no regime especial, criado para equacionar dívidas acumuladas de precatórios. O Estado estava com o cronograma ajustado e as contas equilibradas, pagando inclusive exercícios mais antigos (como 2011) sem comprometer o fluxo atual.
Agora, com a nova emenda, todos os entes federativos - inclusive os que estavam com as contas em dia ou próximos de concluir seus pagamentos - ganham uma prorrogação por tempo indeterminado, independentemente de sua real situação fiscal.
Solvência premiada?
O Paraná ostenta uma das melhores situações fiscais do país. Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, tem uma dívida líquida negativa de R$ 7,7 bilhões - ou seja, se pagasse tudo o que deve hoje, ainda sobraria dinheiro em caixa. Soma-se a isso um superávit consistente e a nota máxima (A+) na Capag - Capacidade de Pagamento, pelo segundo ano consecutivo.
Diante desse cenário, surge a pergunta incômoda: por que um Estado com essa robustez financeira deve ter acesso ao mesmo regime especial criado para quem não consegue pagar?
Benefício sem necessidade: Justiça ou oportunismo?
O regime especial de precatórios foi desenhado para ajudar Estados em colapso fiscal, como Paraíba e Rio Grande do Norte. Mas, com a prorrogação irrestrita, até entes que já haviam quitado parte ou toda a dívida - e que poderiam seguir no regime geral - agora poderão:
- Pagar menos juros (sem correção pela SELIC ou IPCA + 2%);
- Alongar ainda mais os prazos por tempo indeterminado;
- Permanecer ou migrar para o regime especial, mesmo sem necessidade comprovada.
Isso é um prêmio por boa gestão - ou um bônus imerecido?
O risco da sinalização errada
A EC 136 pode até ser vista como uma tentativa de padronizar o modelo de gestão dos precatórios. Mas a mensagem política que ela transmite é perigosa: quem se planejou, reduziu gastos e quitou dívidas terá os mesmos “benefícios” de quem não se organizou.
Na prática, abre-se espaço para que Estados solventes deixem de utilizar seus recursos para pagar o que devem, optando por adiar obrigações a um custo menor. Tudo dentro da legalidade. Mas - e a ética na gestão pública?
A lição (confusa) para os bons pagadores
Enquanto isso, o Paraná continua colhendo os frutos da responsabilidade fiscal: crédito facilitado com aval da União, confiança do mercado, nota A+ na Capag, acordos milionários com organismos internacionais (como os US$ 100 milhões do BID para o Fundo Soberano) e o maior orçamento de sua história - R$ 81,6 bilhões para 2026.
Mas a lição que fica é ambígua: fazer o dever de casa ainda compensa, mas quem não fez também foi premiado. E isso mina os incentivos que sustentam a responsabilidade fiscal no Brasil.
A pergunta que não quer calar
Estamos construindo um modelo que valoriza a boa gestão - ou institucionalizando a lógica de que “quem não paga também ganha”?
Talvez seja hora de repensar até que ponto vale criar regras fiscais que tratam todos como iguais, mesmo quando alguns já pagaram a passagem - e chegaram ao destino - enquanto outros ainda nem compraram o bilhete.