Nos artigos anteriores dessa série, apresentamos a base conceitual sobre os monitores corporativos independentes, sua forma de trabalho, suas vantagens e desvantagens1, bem como a experiência dos EUA2 e do MPF3 e do CADE4 no Brasil nesse tema.
Na CGU, não foram identificados casos em que monitores independentes externos foram utilizados para monitorar os acordos de leniência celebrados nos mesmos moldes adotados pelo MPF e CADE. A CGU, por sua vez, realiza monitoramento interno, mas a legislação já prevê a possibilidade de monitoria externa.
A esse respeito, um dos diretores de promoção de integridade do órgão argumentou que não se vislumbrava a necessidade de monitores externos. Segundo apresentado, a CGU defende que a atividade de monitoramento dos programas de integridade de empresas que estabeleceram acordos com o órgão representa uma atividade de Estado, que deve ser desempenhada pela própria Administração Pública.5
Apesar desse entendimento, vale destacar as observações do estudo conduzido pelo Grupo de Estudos em Compliance da FGV Direito São Paulo6: no contexto dos acordos de leniência celebrados pela CGU, haverá cláusula específica sobre implementação ou aperfeiçoamento do Programa de Integridade da leniente, conforme art. 45, IV, do decreto 11.129/22. O monitoramento dessas medidas pode ser realizado direta ou indiretamente pela CGU, conforme o art. 51 do decreto. Nessa mesma linha, o art. 367 afirma que a CGU poderá aceitar delegação para monitorar acordos de leniência relativos a atos lesivos contra outros Poderes e entes federativos.
Isso indica, em nosso entendimento, que o monitoramento pode ser delegado a terceiros; e (ii) abre possibilidade para o uso de monitores externos.
Essa previsão normativa, portanto, representa oportunidade para futuros desenvolvimentos no instituto de monitores independentes por parte da CGU. Nesse sentido, a pesquisa conduzida pelo Grupo de Estudos da FGV São Paulo elenca quatro fatores que podem direcionar eventuais trabalhos da CGU8: (i) estabelecer diferentes modalidades de monitores independentes; (ii) incluir cláusulas específicas para monitores independentes nos acordos de leniência; (iii) regulamentar o processo de seleção de monitores; e (iv) definir o papel da CGU no monitoramento da leniente.
Entende-se que esses fatores visam endereçar preocupações existentes no processo de monitoramento externo, já abordadas, principalmente, nos memorandos do DOJ. Por exemplo, preocupações referentes a conflitos de interesse podem ser saneadas por um processo de seleção de monitores devidamente regulamentado. Por outro lado, o risco de eventuais disputas e divergências sobre o escopo e relatórios da monitoria pode ser mitigado com cláusulas de monitoramento bem redigidas; modalidades de monitoria bem definidas; além da delimitação clara da atuação da CGU em tais procedimentos.
Como vimos, os monitores independentes são instrumentos relevantes para garantir a efetividade de acordos de leniência, permitindo acompanhar de forma externa e especializada o cumprimento das obrigações e o aprimoramento dos programas de compliance. Embora tragam benefícios, como maior credibilidade e prevenção de reincidência, também geram desafios, notadamente custos elevados, impacto operacional e a necessidade de preservar sua independência.
Nos Estados Unidos, o instituto é consolidado, amparado por memorandos sucessivos do DOJ que padronizam critérios de imposição, seleção e atuação, assegurando transparência e proporcionalidade. No Brasil, a aplicação é multifacetada: o MPF lidera casos concretos, o CADE utiliza figura similar (trustee) no campo antitruste e a CGU realiza o monitoramento das lenientes através do seu próprio quadro de servidores, embora exista previsão normativa que, a depender da interpretação, possibilita o desenvolvimento de monitorias independentes.
O cenário brasileiro carece de harmonização e marco regulatório específico sobre quando e como impor monitores, critérios de seleção e mecanismos de resolução de conflitos. Como visto, o MPF, apesar de não possuir uma norma específica sobre as diretrizes de monitores independentes, possui um Guia Prático sobre o tema9, tal como o CADE com seu Manual para uso de Trustee para regular a aplicação e atuação dos trustees.
A CGU, por sua vez, possui as previsões normativas da lei anticorrupção e seu decreto, que focam no monitoramento desempenhado pela própria Administração Pública, mas nada explícito sobre o uso de monitores externos.
Nesse sentido, a experiência norte-americana oferece boas práticas que podem ser adaptadas a futuras regulamentações no Brasil, que devem focar em endereçar os desafios inerentes ao monitoramento externo: custos elevados; escopo dos trabalhos a serem desempenhados; impacto e presença do monitor no cotidiano das empresas; mitigar divergências entre empresa, monitor e autoridade pública, dentre outros.
Por fim, entende-se também que eventuais regulamentações futuras sobre monitores independentes sejam influenciadas pela multiplicidade de autoridades públicas brasileiras competentes para a celebração de acordos de leniência. Isso revela outro desafio: entender como a atuação dos monitores independentes deve ser estruturada e conduzida em acordos celebrados por mais de uma autoridade e como o diálogo interinstitucional na Administração Pública pode tornar o monitoramento mais eficiente.
_______
1 Monitores corporativos independentes anticorrupção e antitruste: O que são? O que fazem? Onde vivem? Quais suas vantagens e desvantagens? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/440224/monitores-corporativos-independentes-anticorrupcao-e-antitruste
2 Monitores corporativos independentes nos Estados Unidos e seus possíveis reflexos no Brasil: Os memorandos do DOJ e as experiências concretas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/440791/monitores-corporativos-independentes-nos-eua-e-reflexos-no-brasil
3 Monitores corporativos independentes no Brasil: Qual a experiência do MPF? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/441386/monitores-corporativos-independentes-no-brasil-a-experiencia-do-mpf
4 Monitores corporativos independentes no Brasil: Há experiência no CADE? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/442224/monitores-corporativos-independentes-no-brasil-ha-experiencia-no-cade
5 LEC. Os desafios do compliance officer nas empresas de monitoramento independente. Disponível em: < https://lec.com.br/blog/os-desafios-do-compliance-officer-nas-empresas-de-monitoramento-independente/>. Acesso em 9 fev 2024.
6 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - FGV DIREITO SP. Utilização de Monitores Pós-Acordo no Contexto de Acordos de Leniência. São Paulo: FGV Direito, SP, 2025. p. 92 a 94.
7 Decreto n° 11.129/22, art. 36. A Controladoria-Geral da União poderá aceitar delegação para negociar, celebrar e monitorar o cumprimento de acordos de leniência relativos a atos lesivos contra outros Poderes e entes federativos.
8 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - FGV DIREITO SP. Utilização de Monitores Pós-Acordo no Contexto de Acordos de Leniência. São Paulo: FGV Direito, SP, 2025. p. 137 a 139.
9 Guia Prático sobre Acordos de Leniência, disponível em: https://midia.mpf.mp.br/5ccr/acordos-leniencia/. Acesso em 11 ago 2025.