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Reforma tributária: ITCMD ameaça herança global?

A reforma tributária virou o jogo. O ITCMD agora pega seu patrimônio e herdeiros no exterior. Trusts e offshores sob novo escrutínio. Entenda o risco e a janela de oportunidade.

19/11/2025

Por muito tempo, o planejamento sucessório de grandes fortunas no Brasil se dividiu em duas estratégias principais: as soluções domésticas (como as holdings familiares) e as internacionais (como trusts e fundações em jurisdições mais amigáveis). Acreditava-se que, ao tirar o patrimônio do solo brasileiro e colocá-lo em estruturas offshore, ele estaria, em grande parte, blindado das intempéries fiscais e sucessórias nacionais, especialmente do ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.

Essa crença, confortável para muitos, acaba de receber um golpe da reforma tributária.

A EC 132/23, embora focada principalmente na tributação do consumo, trouxe em sua esteira uma alteração fundamental no Art. 155, § 1º, inciso III da Constituição Federal. Essa mudança, que pode parecer uma nota de rodapé para os desatentos, é na verdade uma alteração importante no mundo de planejamento sucessório internacional. Ela não apenas tornou obrigatória a progressividade do ITCMD, como estabeleceu, de forma inequívoca, a competência do Estado para instituir o imposto sobre bens móveis, títulos e créditos situados no exterior.

O recado é claro: seu patrimônio global está agora sob o poder do fisco estadual brasileiro. O que antes era uma "área cinzenta" da legislação, onde a jurisprudência oscilava, agora é uma certeza imposta pela reforma tributária.

A nova realidade do ITCMD pós-reforma.

Vamos verificar a essência da mudança trazida pela reforma tributária no âmbito do ITCMD:

  1. ITCMD sobre bens no exterior: Se o doador tiver domicílio no Brasil e o bem for no exterior, o imposto será devido ao Estado do domicílio do doador. Se o de cujus (falecido) tinha domicílio no Brasil e deixou bens no exterior, o ITCMD será devido ao Estado do domicílio do falecido. Isso encerra o debate jurídico sobre a constitucionalidade da cobrança do imposto sobre heranças e doações de bens localizados fora do país. É uma pá de cal em teses defensivas que vigoravam há décadas.
  2. Progressividade: Todos os Estados agora são obrigados a adotar uma tabela progressiva para o ITCMD, ou seja, quanto maior o valor da herança ou doação, maior a alíquota. Embora a alíquota máxima ainda seja limitada a 8% por Resolução do Senado, a tendência, alimentada pela nova sede arrecadatória dos Estados, é que essa alíquota máxima seja aplicada com mais rigor e, futuramente, haja pressão para que o próprio limite de 8% seja revisto para cima, seguindo padrões internacionais que chegam a 20%, 30% ou mais.

Para famílias com patrimônio significativo e, principalmente, com parte desses ativos (ou os próprios herdeiros) residindo no exterior, a reforma tributária abriu uma nova frente de risco. A estratégia de "internacionalizar" o patrimônio para escapar do ITCMD brasileiro perdeu grande parte de sua eficácia.

O redesenho das estruturas internacionais: Trusts, PICs e fundações.

As estruturas internacionais, como TrustsPICs - Private Investment Companies fundações de interesse privado, sempre foram ferramentas poderosas para gestão, proteção e sucessão de patrimônio. Elas ofereciam discrição, flexibilidade e, muitas vezes, uma considerável otimização fiscal.

reforma tributária não as torna ilegais ou inúteis, mas muda a forma como elas devem ser concebidas e geridas:

Alternativas inteligentes em um ambiente hostil: Criatividade.

O aumento da carga tributária sobre a sucessão é um convite à engenharia legal. Se o Estado fecha uma porta, o mercado tenta abrir outras.

Advertência: É bom reiterar que a reforma tributária e as leis que a complementam visam aumentar a transparência e a arrecadação. Qualquer tentativa de evasão ou simulação fiscal, especialmente no contexto internacional, é um caminho que pode trazer consequências ruins. Esteja amparado por bons profissionais.

Conclusão: uma janela fechada, outras se abrindo para quem agir rápido...

reforma tributária encerrou a era da "escapatória" do ITCMD para o patrimônio internacional. A partir de agora, a sucessão de bens no exterior será, invariavelmente, um ponto de atenção fiscal no Brasil.

Para o C-Level e famílias com patrimônio global, sugerimos:

  1. Revisão imediata de estruturas internacionais: Se você tem um trust, PIC ou fundação, sua estrutura precisa ser auditada. Ela está alinhada com as novas regras da reforma tributária e da lei 14.754/23? Sua constituição resiste a um questionamento do Fisco?
  2. Modelagem e cenarização: Simule o impacto do ITCMD (considerando a progressividade e o potencial aumento futuro) sobre seu patrimônio global. Qual o custo real dessa transmissão?
  3. Explore soluções legais otimizadas: A busca por instrumentos como seguros de vida e previdência privada ganha força. A consultoria especializada será crucial para redesenhar seu plano sucessório, maximizando a proteção e a eficiência fiscal dentro dos limites da lei.

reforma tributária redefiniu as regras do jogo. A ignorância ou a inação podem significar um complicador no seu legado programado. O tempo de agir é agora, com a clareza e a expertise de quem entende o novo cenário global.

Lucas Pereira Santos Parreira
Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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