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Responsabilidade de administradores e sócios: Limites e blindagens

A consolidação da business judgment rule no Brasil e os contornos da responsabilidade subjetiva do gestor nas sociedades empresárias.

30/10/2025

1. Introdução

A responsabilidade dos administradores nas sociedades empresárias ocupa posição central no debate contemporâneo sobre governança e segurança jurídica.

Com a ampliação das estruturas corporativas e a crescente intervenção judicial nas relações empresariais, tornou-se essencial distinguir o erro de gestão, inerente ao risco empresarial, do ato ilícito de administração, caracterizado por culpa, dolo ou violação de deveres fiduciários.

A autonomia patrimonial da pessoa jurídica - princípio estruturante do direito societário - não pode servir de escudo para abusos, mas tampouco deve ser dissolvida diante do insucesso legítimo da atividade econômica. O equilíbrio entre esses polos é o que hoje define a fronteira entre a liberdade empresarial e a responsabilidade civil.

2. A natureza da responsabilidade: obrigação de meio, não de resultado

O ordenamento jurídico brasileiro adota a responsabilidade subjetiva do administrador, baseada na violação dos deveres de diligência e lealdade.

Tanto o art. 1.011, §1º, do CC quanto o art. 153 da lei das sociedades por ações (lei 6.404/1976) determinam que o administrador deve empregar o cuidado e a diligência que “todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.

A partir dessa diretriz, o STJ consolidou o entendimento de que o administrador assume obrigação de meio, e não de resultado, respondendo apenas pelos prejuízos decorrentes de culpa ou dolo.

No REsp 1.349.233/SP, rel. min. Luis Felipe Salomão, a Corte reconheceu expressamente que “por atos praticados nos limites dos poderes estatutários, o administrador assume uma responsabilidade de meio e não de resultado”.

O voto acrescenta que o juiz pode excluir a responsabilidade do administrador quando convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia, conforme o art. 159, §6º, da LSA.

Trata-se de importante marco interpretativo: o STJ reafirmou que o administrador não responde pelo insucesso da decisão empresarial, mas pela violação de seus deveres de diligência e lealdade.

Essa orientação aproxima o direito brasileiro do paradigma da business judgment rule, consagrado no direito societário norte-americano, segundo o qual o Poder Judiciário não deve reavaliar o mérito de decisões de negócio quando demonstrado que foram tomadas de boa-fé, com base em informações razoáveis e sem conflito de interesses.

3. A business judgment rule e a proteção ao gestor diligente

A business judgment rule opera como uma presunção de legitimidade da conduta do administrador.

Ela não impede a responsabilização em caso de fraude, má-fé ou negligência grave, mas protege o gestor que, munido de informações adequadas e agindo em conformidade com o interesse social, toma decisões de risco que posteriormente se mostram desfavoráveis.

O REsp 1.101.728/RS, rel. min. Nancy Andrighi, reforça essa compreensão ao afirmar que a responsabilização do administrador exige prova de ato irregular ou ilícito praticado no exercício da gestão, afastando a ideia de culpa presumida.

Dessa forma, o STJ estabelece um padrão racional de controle judicial da atividade empresarial, preservando o espaço legítimo da iniciativa e da autonomia negocial.

4. Responsabilidade dos sócios e abuso da personalidade jurídica

Em relação aos sócios, o art. 1.052 do CC assegura a limitação da responsabilidade ao valor das quotas subscritas.

Todavia, essa limitação cede diante do abuso da personalidade jurídica, quando comprovados desvio de finalidade ou confusão patrimonial, conforme o art. 50 do mesmo diploma.

A jurisprudência do STJ tem reiterado o caráter excepcional e probatório da desconsideração.

No AgInt no AREsp 1.263.240/SP, rel. min. Luis Felipe Salomão, a Corte reafirmou que “a mera inexistência de bens em nome da pessoa jurídica não autoriza, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica”, sendo indispensável demonstrar o abuso de forma concreta.

Essa decisão consolidou a orientação de que a insolvência não se confunde com fraude, e que a desconsideração não pode ser utilizada como atalho para alcançar o patrimônio de sócios ou administradores sem base fática comprovada.

No campo tributário, o art. 135, III, do CTN e a súmula 435/STJ fixam que o redirecionamento da execução fiscal só é admissível diante de atos ilícitos - como a dissolução irregular da empresa -, e não pela mera inadimplência do tributo.

5. Governança e blindagem legítima

A fronteira entre responsabilidade e autonomia é definida pelo comportamento do gestor.

A adoção de práticas de governança corporativa e compliance societário representa não apenas uma estratégia de gestão, mas um elemento probatório de boa-fé e diligência.

Entre as medidas de maior relevância estão:

Essas práticas não afastam a responsabilidade civil, mas comprovam a diligência exigida por lei, funcionando como verdadeiro escudo jurídico e reputacional.

6. Conclusão

O direito societário contemporâneo exige uma visão equilibrada da responsabilidade dos administradores e sócios.

A jurisprudência do STJ vem consolidando um modelo que protege o gestor diligente, sem permitir que a personalidade jurídica se converta em instrumento de fraude.

A responsabilidade é subjetiva, não automática: o administrador responde por culpa, dolo ou violação dos deveres fiduciários - não pelo simples insucesso da atividade empresarial.

A verdadeira blindagem não está em estruturas artificiais, mas em gestão técnica, ética e documentada.

Em última análise, o administrador não responde por não acertar; responde, sim, por não agir corretamente.

E é nesse ponto - entre o dever e a confiança - que o Direito encontra a gestão.

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