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Da mão invisível à intervenção: A crise do crédito consignado

O artigo discute a maior fraude do mundo no crédito consignado e propõe equilíbrio entre livre iniciativa, regulação eficiente e ética financeira.

4/11/2025

A Constituição Federal, em seu art. 170, elege a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica, delimitando a atuação estatal diante do mercado. Ao mesmo tempo em que protege a livre concorrência e a defesa do consumidor, exige do Estado uma postura ativa na redução das desigualdades sociais e regionais.

Em outras palavras: o texto constitucional não autoriza um Estado espectador, refém da “mão invisível” de Adam Smith. Pelo contrário, impõe uma hermenêutica econômica conforme a Constituição, capaz de permitir correções de rumo quando o mercado falha, seja por monopólios, cartéis ou assimetrias de informação.

E falhou - ruidosamente - no caso do crédito consignado.

Nos últimos meses, o Brasil foi tomado por denúncias de contratos fraudulentos firmados sem consentimento de beneficiários do INSS, num escândalo que ganhou projeção internacional. A Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal e pela CGU, revelou descontos ilegais em milhões de benefícios previdenciários. O prejuízo estimado chega a R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, segundo relatório da CPMI do INSS.

O caso não apenas expôs a fragilidade do sistema de consignações, mas também evidenciou um problema estrutural, resultado direto de assimetria informacional e falhas de integridade.

Diante da crise, o INSS suspendeu a averbação de novos contratos de algumas instituições financeiras e intensificou as exigências de compliance e integridade. A CGU assumiu os processos administrativos, reforçando a necessidade de responsabilização efetiva.

A reação institucional foi ampla. A Febraban reiterou seu compromisso com a autorregulação e anunciou medidas contra práticas ilícitas, inclusive a criação de mecanismos para cancelamento de “contas laranja” e contas ligadas a apostas ilegais. A ABBC, por sua vez, destacou o avanço do sistema “Não me Perturbe”, que já registrou mais de 5,5 milhões de pedidos de bloqueio de ligações de oferta de crédito, além de aprimorar suas normas contra o assédio comercial.

Essas iniciativas representam um institucionalismo plúrimo e preventivo digno de registro, demonstrando que a autorregulação setorial pode ser um poderoso instrumento de governança quando acompanhada de vigilância estatal inteligente.

Não é verdade que bancos apenas buscam lucro. Em perspectiva econômica, social e até humanitária, o sistema bancário foi essencial em momentos críticos, como durante a pandemia da covid-19. O crédito consignado é, em essência, uma política de inclusão financeira, que democratiza o acesso ao crédito e sustenta parte importante da economia popular.

O Banco Central, por sua vez, mantém postura exemplar ao reforçar o paradigma ESG (Ambiental, Social e Governança), publicando relatórios de economia bancária e indicadores de reclamações que aprimoram a transparência e a concorrência. A portabilidade de crédito, por exemplo, reduziu taxas de juros e aumentou a competição entre bancos, segundo estudo do próprio BC.

Tudo isso revela um Estado que, sem sufocar o mercado, deve atuar de forma cirúrgica e eficiente para corrigir falhas. Essa é a essência da intervenção mínima e necessária, compatível com o princípio da eficiência administrativa (art. 37 da Constituição). Portanto, deve melhorar a segurança e reduzir fraudes no consignado, exigindo:

O caso do consignado é uma advertência: com um Estado eficiente, a liberdade econômica se transforma em prosperidade compartilhada.

Marcos Délli Ribeiro Rodrigues
Advogado; Conselheiro Federal da OAB; Presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB Nacional; Doutorando em Direito; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil.

Rodrigo Cavalcanti
Doutor em Direito pela UNIMAR, Mestre em Direito pela UFRN, Vice-Diretor da ESA OAB/RN, Professor de Direito Penal da UFRN e da UNIFACEX, Professor de Pós graduação, sócio da MDR ADVOCACIA.

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