Migalhas de Peso

Crimes tributários: Proposta legislativa pode evitar processos desnecessários

Projeto de lei pretende evitar o desperdício de tempo e recursos com ações penais que nada acrescentam.

12/11/2025
Publicidade
Expandir publicidade

A excepcionalidade dos crimes tributários

Para que qualquer pessoa possa ser criminalmente condenada, é necessário (dentre outros requisitos) que ao final do processo o juiz constate a existência de provas de materialidade e de autoria delitiva. Justamente em razão disto, na grande maioria das investigações e processos criminais, a defesa investe boa parte de suas energias discutindo se o fato narrado efetivamente se enquadra em uma figura típica e se a pessoa apontada como autora, realmente pode assim ser considerada.

Materialidade pré-constituída e seus efeitos no processo penal

Entretanto, em matéria de crimes tributários, este cenário é um pouco diferente, pois ao contrário do que ocorre na grande maioria das infrações penais, neles a materialidade (entenda-se: a ocorrência do delito) é verificada muito antes da deflagração de qualquer investigação ou processo criminal1. Ela é apurada no decorrer de um processo administrativo fiscal, ao final do qual a decisão a respeito da constituição do tributo é quem dita se o crime se consumou ou não (súmula vinculante 24)2.

Dito de uma outra forma: é ao final do processo administrativo fiscal (que busca apurar a existência de tributo suprimido, sob as diretrizes de um regramento próprio da seara tributária), que se formará a prova a respeito da ocorrência do crime; prova esta que, por força de entendimento jurisprudencial, não é repetível3 e não poderá ser rediscutida no âmbito do processo criminal4 (vale dizer: ao ser processado pela prática de crime tributário, se almejar discutir a ocorrência do crime, o réu deverá buscar a desconstituição de sua dívida em seara distinta - perante uma Vara da Fazenda Pública, por exemplo).

O dilema do contribuinte diante da persecução penal

O problema, é que se no processo administrativo fiscal surge a suspeita de fraude, após a constituição da dívida tributária, não tarda para que a investigação criminal seja deflagrada. E neste momento, o contribuinte que discorda da autuação e almeja discutir a exigibilidade da dívida, se depara com um dilema, porquanto que ao optar pelo questionamento judicial das apurações do fisco, ele estará abrindo mão: da possibilidade de suspender a pretensão punitiva do Estado (que poderia ser alcançar através de parcelamentos ou transações - a depender do momento em que fossem realizados5) e até mesmo da rápida extinção de sua punibilidade (que poderia ser alcançada pelo pagamento da dívida - em que pese isso possa ser realizado a qualquer momento6).

Neste ponto, certamente existirão aqueles que argumentarão que: se não houve fraude, não há razões para recear o resultado das investigações e/ou processo criminal; o trâmite da investigação e/ou do processo não gera prejuízos ao investigado, pois, se este alcançar a desconstituição da dívida tributária, poderá demandar a extinção de sua punibilidade a qualquer momento (seja no curso das investigações, do processo ou até da execução penal).

Entretanto, similar linha de raciocínio (desumanizada e avessa à um número elevado de princípios constitucionais) ignora completamente não só a sanção social e o fardo psicológico que é inerente às investigações e/ou processos criminais e que recaem sobre qualquer pessoa (inocente ou culpada) que eventualmente venha à figurar em seu polo passivo, como também descura do desperdício de recursos públicos que se verifica nas hipóteses em que um processo criminal é deflagrado e posteriormente encerrado pela desconstituição judicial da dívida tributária.

Questão prejudicial e seus limites práticos

Sob um outro viés, poderia ser argumentado, ainda, que a discussão a respeito da exigibilidade da dívida tributária pode ser considerada uma questão prejudicial externa de natureza facultativa que, se verificada, pode conduzir o magistrado a suspender o curso do processo criminal7. Entretanto, mesmo esta providência só resolve uma pequena parte do problema, porquanto a referida hipótese de suspensão: é discricionária; não abrange a fase de investigação; e não paralisa o fluxo do prazo prescricional.

O PL 168/25 e a proposta de racionalização da persecução

Neste cenário, se destaca a pertinência do PL 168/25.

Isto porque, atenta às tendências jurisprudências8, esta proposta legislativa busca tolher a justa causa “para instauração ou prosseguimento da ação penal de crime contra a ordem tributária quando o adimplemento do crédito tributário esteja integralmente assegurado por meio de garantia idônea”.

E a lógica aqui utilizada, não poderia ter sido melhor. Afinal: se o débito tributário é garantido no âmbito de embargos à execução fiscal ou de ação anulatória que buscam, por exemplo, a desconstituição da dívida e tais demandas são julgadas procedentes, a conduta do réu será considera atípica (até mesmo porque, sem débito constituído, não há sonegação - súmula vinculante 24); ao revés, se a execução fiscal ou ação anulatória forem julgadas improcedentes (implicando na manutenção da dívida), a garantia oferecida será levantada e, com isso, ocorrerá a quitação do débito (o que, como já dito, é uma causa de extinção de punibilidade dos crimes tributários).

Avanços, lacunas e perspectivas

É bem verdade, que o projeto em questão possui suas deficiências, que podem ser verificadas, por exemplo, pelo fato de nele: não haver menção à fase de investigação; não ter sido elucidado o que deve ser considerada uma garantia idônea; não ter sido esclarecido se a justa causa se reestabelece na hipótese de perecimento da garantia.

A toda sorte, se aprovado for, ele certamente trará um avanço relevante na racionalização da persecução penal tributária, pois impedirá que contribuintes com débitos integralmente assegurados sejam submetidos a processos criminais desnecessários, reduzindo o desperdício de recursos públicos, a sobrecarga do sistema de justiça e, sobretudo, o sofrimento humano decorrente de investigações e ações penais que, ao final, revelar-se-iam inúteis diante da solução já alcançada no âmbito fiscal.

__________

1 PRADO. Luiz Regis. Direito Penal Econômico [livro eletrônico]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

2 SOUZA. Luciano Anderson de (coord.); e ARAÚJO. Marina Pinhão Coelho (coord.). Direito penal econômico, vol. 2 [livro eletrônico]. 1ª. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

3 STJ, AgRg no AREsp n. 2.678.200/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 17/6/2025, DJEN de 25/6/2025

4 STJ, AgRg no RHC n. 179.201/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023

STJ, HC n. 368.766/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 18/10/2016, DJe de 25/10/2016.

5 Art. 83, § 2º, da Lei n. 9.430/96 com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.382/2011. [...] É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

6 Art. 83, § 4º, da Lei n. 9.430/96 com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.382/2011. [...] Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

7 STJ, AgRg no REsp n. 2.001.501/SP, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 19/8/2025, DJEN de 25/8/2025.

8 STJ, AgRg no HC n. 801.617/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 27/9/2023

Autor

Marcos V. D. Carrasco Advogado e contabilista. Esp. em Direito Penal Econômico. Mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento, com ênfase em Direito Penal Econômico. Sócio no escritório Frizzo & Carrasco Advocacia Penal.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos