O avanço da pauta ambiental no Judiciário brasileiro trouxe consigo uma nova modalidade de responsabilização: ações civis públicas com foco em danos climáticos. Cada vez mais, empresas, produtores rurais e entes públicos estão sendo acionados judicialmente sob a alegação de contribuição para as mudanças climáticas ou omissão na mitigação de seus efeitos.
Essa nova realidade exige atenção redobrada dos agentes econômicos. Ações com base em “danos difusos e intergeracionais” passaram a ser manejadas por Ministério Público, ONGs ambientais e até organizações internacionais, com pedidos que envolvem compensações ambientais, medidas de mitigação e indenizações bilionárias.
Neste artigo, abordamos como essas ações estão sendo construídas, quais os argumentos mais comuns utilizados pelos autores, como contestar tecnicamente essas demandas e quais estratégias jurídicas têm sido bem-sucedidas em casos concretos.
O que são ações civis públicas climáticas?
As ACPs - ações civis públicas são instrumentos processuais previstos na lei 7.347/1985, utilizados para proteger direitos difusos e coletivos, como meio ambiente, patrimônio público e direitos do consumidor.
No contexto climático, elas têm sido usadas para:
- Responsabilizar empresas por emissões de GEE - gases de efeito estufa;
- Exigir compensações ambientais por impactos não mitigados;
- Cobrar do poder público ações efetivas de enfrentamento às mudanças climáticas;
- Impor medidas corretivas a atividades produtivas com alegada contribuição ao aquecimento global.
A base jurídica dessas ações está nos princípios da prevenção, precaução, poluidor-pagador, além do art. 225 da Constituição Federal, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Quais tipos de pedidos são comuns nesses processos?
As ACPs climáticas trazem pedidos variados, muitas vezes abstratos ou amplos, o que exige ainda mais atenção da defesa. Entre os principais, estão:
- Elaboração e cumprimento de planos de redução de emissões de GEE;
- Reversão de licenças ambientais consideradas omissas quanto ao impacto climático;
- Indenizações por danos climáticos difusos (como aumento de temperatura local, escassez hídrica, impactos em comunidades);
- Compensações com base na lógica da “responsabilidade solidária climática”;
- Medidas de recomposição ambiental ou reflorestamento em larga escala;
- Proibição de continuidade de determinadas atividades ou obras.
Essas ações costumam ter um forte apelo público, e não raro são acompanhadas de campanhas de pressão política e social contra o réu.
Quais os riscos reais para empresas e produtores?
Os riscos vão além das multas. Uma ação civil pública climática pode implicar em:
- Interrupção de atividades produtivas por decisão liminar;
- Danos à reputação da empresa em nível nacional e internacional;
- Prejuízo em certificações ambientais e ESG;
- Bloqueio de ativos para garantia de indenizações;
- Exclusão de acessos a mercados regulados, financiamentos e licitações;
- Obrigação de arcar com custos de compensações ambientais elevadas.
A judicialização da agenda climática vem crescendo e tende a ser mais frequente em setores como: agronegócio, energia, infraestrutura, mineração, logística e setor florestal.
Como contestar uma ação civil pública climática?
A defesa precisa ser técnica, fundamentada e construída com apoio jurídico e ambiental. Algumas estratégias incluem:
a) Questionamento da legitimidade e da narrativa
- Verificar se o autor da ação (ONG, MP, entidade) tem legitimidade ativa;
- Contestar generalizações sem base técnica (ex: responsabilização sem nexo causal direto);
- Apontar ausência de prova de dano específico causado pela atividade do réu.
b) Análise do nexo causal
- Demonstrar, com auxílio técnico, que a atividade não contribui de forma significativa para as emissões de GEE;
- Apresentar inventários de emissões e ações de mitigação já adotadas;
- Contrapor alegações de dano climático com dados objetivos e estudos científicos.
c) Comprovação de regularidade ambiental
- Mostrar que todas as licenças ambientais foram obtidas e estão vigentes;
- Anexar relatórios de cumprimento de condicionantes ambientais;
- Provar que os estudos ambientais analisaram as emissões e efeitos potenciais sobre o clima.
d) Oferecimento de medidas alternativas (em caso de tese defensiva desqualificada)
- Propor soluções viáveis e técnicas para mitigação proporcional do impacto;
- Negociar TAC - Termo de Ajustamento de Conduta que evite sanções mais severas.
Defesa técnica: o papel da prova pericial
O juiz não julga com base em opinião pública, mas sim em provas. Em ACPs climáticas, a prova pericial é fundamental. Por isso, é essencial:
- Produzir laudos técnicos próprios com especialistas em mudanças climáticas;
- Reforçar a ausência de dano ambiental direto ou mensurável causado pela atividade;
- Apontar ações de sustentabilidade já implementadas;
- Utilizar inventários de emissões, relatórios ESG, certificações e registros junto ao RENOVA-BIO, se aplicável.
A defesa deve ir além do jurídico. É preciso tecnicidade, método e dados auditáveis.
Jurisprudência recente e tendência dos tribunais
Nos últimos anos, surgiram diversas ACPs climáticas em trâmite no Brasil. Algumas decisões já sinalizaram que:
- A responsabilidade climática não pode ser presumida, exige prova direta;
- É necessário observar o devido processo legal ambiental na emissão de licenças;
- A compensação deve ser proporcional à contribuição do réu ao suposto dano;
- Excesso nos pedidos (como multas milionárias desproporcionais) podem ser indeferidos.
Contudo, há também julgados com entendimento mais rígido, especialmente quando o réu não apresenta prova técnica robusta.
Conclusão
As ações civis públicas por danos climáticos vieram para ficar. Representam um novo desafio para o setor produtivo e exigem mudança na forma de se preparar juridicamente. Não basta estar licenciado: é preciso provar que a atividade é sustentável e que cumpre com os compromissos ambientais e climáticos esperados.
A boa notícia é que, com estratégia e técnica, é possível neutralizar os efeitos negativos dessas ações, evitar condenações injustas e construir uma imagem de responsabilidade ambiental perante o mercado e o Judiciário.