Migalhas de Peso

Algumas considerações sobre terrorismo

Em razão da complexidade e dificuldade de se definir o que é terrorismo não é possível equipar a facção criminosa

13/11/2025

Muitos são os que atribuem à origem do termo terrorismo a fase do “terror” imposta pela Revolução Francesa após a queda de ROBESPIERRE. Em 1793 a Convenção Nacional instaura o “terror” como forma de governo, no qual medidas de exceção foram tomadas em nome da Revolução e do Estado.

Somente após a primeira guerra mundial é que se formou uma comissão de juristas para estudar as violações ao direito internacional em tema de guerra, até então não havia o conceito de terrorismo. Após o assassinato em Marselha do Rei ALEXANDRE DA IUGOSLÁVIA e do Ministro das Relações Exteriores da França, BARTHOU, em 1937 é que a comunidade internacional formou uma comissão de juristas para estudar as violações ao direito internacional em tema de guerra1 que culminou na Convenção de Genebra para prevenção e repressão do terrorismo de 1937 (que jamais entrou em vigor) e que, também, não definiu o que seja terrorismo, mas tão somente os chamados atos de terrorismo praticados contra Estados2.

No âmbito da Organização das Nações Unidas várias tentativas foram feitas para definir o terrorismo. A quarta Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativa à proteção de pessoas civis em tempos de guerra embora “condenando” toda medida de terrorismo não definiu o que seja.3 A Resolução 2625, de 24 de outubro de 1970 das Nações Unidas, estabelece que todo Estado tem a obrigação de abster-se de organizar, instigar, auxiliar ou participar de atos terroristas em outro Estado ou permitir, em seu território, atividades organizadas com o intuito de promover o cometimento desses atos. Como se percebe, também, não definiu o que é terrorismo. De igual modo a Resolução 2.734, de 16 de dezembro de 1970.

A ausência de um conceito, resultante da própria dificuldade em estabelecer um consenso acerca do que é terrorismo que seja universalmente aceito no campo do direito internacional induz a que alguns Estados considerem determinadas condutas como atos de terrorismo, quando cometidos pelos inimigos. Mas, quando as mesmas condutas são perpetradas pelos que estão ao seu lado, estas são tidas como normais ou até mesmo necessárias. Não é despiciendo lembrar que o crime político é o crime dos derrotados.

Pioneiro no Brasil ao tratar do tema, HELENO CLAUDIO FRAGOSO4 em sua obra “Terrorismo e Criminalidade Política”, publicada pela editora Forense em 1981, quatro anos antes de sua morte prematura, logo no início da obra reconhece a complexidade e inquietude do fenômeno. Lembrando, ainda, que a expressão terrorismo apresenta uma conotação pejorativa, frequentemente empregada “pelos que estão no poder contra grupos dissidentes, para suscitar temor e hostilidade5

No que se refere a uma definição global do terrorismo, o historiador, judeu polonês, WALTER LAQUEUR em seu livro Terrorismo (Ed. Espasa-Calpe, Madri, 1980) afirmou que uma definição geral de terrorismo não existe e não será encontrada em um futuro próximo. Informando que no suplemento de 1789 do dicionário da Academia Francesa, se definia o terrorismo como “regime de terror”. Muitos países, ainda segundo LAQUEUR, “conheceram suas Vésperas sicilianas e suas Noites de São Bartolomeu: os imperadores romanos, os sultões otomanos, os czares russos e muitos outros eliminaram seus inimigos, reais ou imaginários”.

Na perspectiva criminológica crítica MAURÍCIO STEGEMANN DIETER6 articula a insuficiência e a precariedade de um conceito apenas jurídico penal de terrorismo que define o mesmo apenas como uma espécie de crime político. Como bem afirma o professor de criminologia “o terrorismo não é um problema de Direito Penal, mas político”. De acordo com DIETER,

Além de insuficiente, reduzir um fenômeno complexo à dimensão jurídica pode ser perigoso, porque a estática definição legal não compreende a dinâmica de seus efeitos materiais, o que neste caso significa ignorar o uso político do termo terrorismo como mero pretexto para intervenções violentas e reiteradas violações aos direitos fundamentais em âmbito doméstico e mundial, o que coloca em risco a própria base do Estado Democrático de Direito.

Como se vê, a definição do que é terrorismo por si só é complexa, intricada e de difícil compreensão. Por mais que se tentem e muitos tentaram, não se consegue com precisão chegar a um consenso sobre a definição de terrorismo.

Para vários autores estudiosos do tema não existe uma figura específica de crime de terrorismo, o que há, segundo esses, são diversas espécies de crimes que se caracterizam, de acordo com FRAGOSO, a) por causar dano considerável a pessoas e coisas; b) pela criação real ou potencial de terror ou intimidação generalizada, e c) pela finalidade político-social. É importante salientar que o fim de agir é elementar para a caracterização do crime, ou seja, político-social. Como ressalta FRAGOSO, os agentes do crime em tela se “dirigem contra a vigente ordem política e social, para destruí-la, para mudá-la ou para mantê-la pela violência”. Não havendo, portanto, “terrorismo comum”7.

Como bem observou o jurista e Procurador de Justiça do Ministério Público do RJ (aposentado) AFRÂNIO SILVA JARDIM,

Terrorismo é uma atividade criminosa que se caracteriza por visar alvos aleatórios por motivos ideológicos (políticos ou religiosos). Associação de traficantes objetiva lucros patrimoniais, através da venda de entorpecentes. A norma jurídica não pode, por mera expressão semântica, tornar idênticas atividades diferentes, não pode o dizer que o branco é preto, por exemplo, o direito não poder contrariar a “natureza das coisas”.

Em razão da desastrosa megaoperação (morticínio) ocorrida no Complexo da Penha e do Alemão na Cidade do Rio de Janeiro no último dia 28 de outubro – operação mais letal do Brasil – que resultou na morte de mais de 120 pessoas, movido pelo populismo penal e pelo direito penal simbólico o Deputado Federal e Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo GUILHERME DERRITE apresentou o projeto substitutivo antifacção do governo sugerindo que as penas dos integrantes das chamadas facções criminosas sejam as mesmas dadas a terroristas. O deputado sugere uma pena de reclusão de 20 a 40 anos, podendo chegar, com as causas de aumento da penal a mais de 65 (sessenta e cinco) anos, verdadeiro eufemismo da inconstitucional pena de prisão perpétua.

Verifica-se que nas situações de ataques e atentados, o Estado Penal acaba saindo mais fortalecido em nome, como já dito, de uma ilusória segurança. O direito penal é vendido pelo Estado e comprado pela sociedade como se fosse à panaceia para todos os males, inclusive, para o “terrorismo”.

Lembrando sempre que leis casuísticas, movidas pelo sentimentalismo e por forte emoção, geralmente são catastróficas e acabam por afrontar os princípios fundamentais e norteadores do Estado democrático de direito.

Finalmente, necessário ter sempre em mente e presente que qualquer que seja a lei, principalmente se tratar de lei criminalizadora e que preveja penas privativas de liberdade, não pode o legislador afastar-se um milímetro sequer dos princípios fundamentais e constitucionais, caso contrário estará colocando em risco o próprio Estado democrático de direito.

_____________

1 REGHELIN, Elisangela Melo. Entre terroristas e inimigos... Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 66, p. 271-314. São Paulo: RT. (maio-junho de 2007).

2 A Convenção de Genebra de 16 de novembro de 1937 definiu terrorismo como “fatos criminosos dirigidos contra um Estado e cujos fins ou natureza consiste em provocar o terror em pessoas determinadas, grupos de pessoas ou no público de forma geral”.

3 BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional: a guerra preventiva e a desconstrução do direito internacional. Revista Brasileira de Estudos Políticos....

4 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e criminalidade política. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

5 FRAGOSO. Ob. cit. p. 2.

6 DIETER, Maurício Stegemann. Terrorismo: reflexões a partir da criminologia crítica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 75, p. 295-338. São Paulo: RT. (novembro-dezembro de 2008).

7 LAQUEUR, Walter.Terrorismo. Madri: Ed. Espasa-Calpe, 1980.

Leonardo Isaac Yarochewsky
Advogado Criminalista, Mestre e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. Professor de Direito Penal Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) Membro do IAB Membro do IDDD

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