Migalhas de Peso

O TCE/PE e a singularidade para a contratação direta de advogados

Um mapeamento sobre o estado da arte do assunto a partir dos entendimentos de diversos conselheiros do TCE/PE.

19/11/2025

Em 2017, ao responder uma consulta formulada pela Câmara Municipal de Chã Grande, o TCE/PE analisou a contratação direta de serviços advocatícios por inexigibilidade de licitação e, mesmo antes das leis 14.039/20 e 14.133/21, não incluiu a singularidade do serviço como requisito de validade: “2 - A inexigibilidade de licitação para serviços advocatícios poderá ocorrer quando for inviável a prestação de atividade jurídica por advogados públicos concursados; 3 - O uso desta regra de exceção da inexigibilidade deve se pautar em critérios estritamente objetivos; 4 - A formalização da inexigibilidade para contratação de serviços de advocacia deverá atender, cumulativamente, aos seguintes requisitos: a) Existência de processo administrativo formal, facultado o acesso para qualquer interessado ou cidadão, nos termos da lei federal de acesso à informação; b) Notória especialização do profissional ou escritório; c) Demonstração da impossibilidade da prestação do serviço pelos integrantes do poder público (concursados ou comissionados); d) Cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado, demonstrado por pareceres da comissão de licitação, no processo administrativo da inexigibilidade; e) Ratificação pelo prefeito ou dirigente máximo do órgão. 5 - Na notória especialização, os prestadores de serviços devem ser, efetivamente, reconhecidos pelo mercado como referências nas suas respectivas áreas1”.

Em que pese o caráter normativo e a natureza de prejulgamento da tese conferidos às respostas às consultas (art. 2º, XIV da lei orgânica do TCE/PE) a questão seguiu controvertida no TCE, até porque houve o advento das leis 14.039/20 e 14.133/21.

Por exemplo, em acórdão prolatado pela 1ª Câmara e relatado pelo conselheiro-substituto Marcos Nóbrega restou decidido que a “alteração promovida pela lei federal 14.039/20, no sentido que os serviços dos profissionais de contabilidade são por sua natureza técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, não inviabiliza automaticamente a competição e, por consequência, a necessidade de realização de licitação para contratação desses serviços, devendo ser analisado no caso concreto o atendimento dos requisitos previstos na lei de licitações concernentes à inexigibilidade de licitação (art. 25), na esteira da atual e farta jurisprudência nacional2”, ao passo que, na mesma 1ª Câmara, o conselheiro Carlos Neves trouxe um voto divergente que sagrou-se vencedor no acórdão 913/24 onde se consignou que “os serviços jurídicos são técnicos e singulares, devendo ser demonstrada a ‘notória especialização’ da pessoa física ou jurídica para a prestação de serviços jurídicos, a fim de que se torne legítima a inexigibilidade do processo licitatório3”.

Neste particular, cabe destacar o seguinte trecho do ITD - Inteiro Teor de Deliberação do voto vencedor do conselheiro Carlos Neves no acórdão 913/24 proferido no processo TCE/PE 23100515-5: “(...) a nova redação dada ao Estatuto da OAB reconhece serem os serviços profissionais de advogado, por sua própria natureza, técnicos e singulares, afastando a necessidade de se verificar, caso a caso, a característica de singularidade ou ordinariedade dos serviços a serem prestados. Ademais, a nova lei de licitações, ao tratar da inexigibilidade, exclui a singularidade do rol de requisitos (bastando, para ser inexigível, a inviabilidade competição), mas foi além e disciplinou ser inviável a contratação de serviços técnicos especializados para o patrocínio ou defesa de causas judiciais. Dito isso, e considerando ultrapassada essa questão da singularidade, entendo que a única análise cabível para o caso é se há nos autos comprovação de especialização dos serviços técnicos contratados. Cabe a esta casa a rigidez na checagem dessa comprovação, com fins de verificar se o contratado possui as habilitações necessárias para atender o serviço contratado e não analisar se o profissional é o único capaz de executar o serviço.”

Todavia, se alinhando ao entendimento do conselheiro-substituto Marcos Nóbrega, a Corte de Contas pernambucana, em processo relatado pelo conselheiro Ranilson Ramos, elencou a singularidade como requisito para a contratação direta de advogados: “Na hipótese de existência de procuradoria própria municipal, a contratação de advogados particulares pela municipalidade, por inexigibilidade de licitação, deveria ocorrer apenas em situações excepcionais, em que seja constatada a necessidade de serviço singular de notória especialização profissional que não possa ser adequadamente prestado pelos integrantes do corpo próprio de procuradores4”.

Mas, novamente apreciando a questão em sede de consulta, o Pleno do TCE/PE, sob a relatoria do conselheiro Marcos Loreto (que já havia sido o relator do processo em que se respondeu a consulta formulada pela Câmara Municipal de Chã Grande), proferiu o enunciado de prejulgado 20 nos seguintes termos: “A contratação de serviços advocatícios mediante inexigibilidade de licitação é possível, desde que demonstrada a notória especialização do profissional da advocacia ou da empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato, sendo vedada a subcontratação, devendo haver a adequada justificativa de preços, conforme art. 23, caput e §4º, art. 72, inciso VII, art. 73 e art. 74, inciso III e §§3º e 4º, da lei federal 14.133/215”.

Ausente do texto final do enunciado de prejulgado 20, a questão da exigência de singularidade do objeto para permitir a contratação de advogados por inexigibilidade foi objeto de debates quando da resposta à consulta, registrando-se a posição do Ministério Público de Contas6 (que defendeu a presença da singularidade como requisito para a contratação direta de advogado) e a do conselheiro Carlos Neves (que reiterou seu entendimento acerca da desnecessidade da singularidade em tais tipos de contratação, vez que ela é intrínseca à própria natureza do serviço advocatício7) que, pela redação do enunciado, restou prevalente.

Após a fixação da tese no enunciado de prejulgado 20, registrem-se tanto os entendimentos do conselheiro-substituto Ricardo Rios8 e do conselheiro Rodrigo Novaes9 que a ele foram aderentes como o entendimento da conselheira-substituta Alda Magalhães10, que dele divergiu.

Assim, tendo em vista as próprias discussões havidas quando do enunciado de prejulgado 20 e os termos do acórdão T.C. 2273/25 relatado pela conselheira-substituta Alda Magalhães, resta evidente que há uma tendência de que o TCE/PE afaste a singularidade como requisito para a contratação direta de advogados, mas a questão ainda precisa ser mais sedimentada, vez que ainda existem divergências (naturais e compreensíveis) no âmbito do corpo de julgamento da Corte de Contas pernambucana.

__________

1 Acórdão nº 1446/2017 - Pleno, Processo TCE-PE nº 1208764-6, Relator: Marcos Loreto

2 Acórdão nº 436/2024 - Primeira Câmara, Processo TCE-PE n° 21100783-3

3 Acórdão nº 913/2024 - Primeira Câmara, Processo TCE-PE n° 23100515-5, Relator: Conselheiro-Substituto Luiz Arcoverde Filho, Voto Divergente/Vencedor: Conselheiro Carlos Neves

4 Acórdão nº 1236/2024 - Segunda Câmara, Processo TCE-PE n° 24100732-0, Relator: Conselheiro Ranilson Ramos

5 Acórdão T.C. nº 899/2025 - Pleno, Processo TCE-PE nº 24101271-5 (Consulta)

6 “No opinativo do MPC, com citação a diversas lições doutrinárias, defende-se a tese de que as mudanças legislativas supracitadas não podem levar à interpretação literal de que todo serviço prestado por um advogado especializado será singular e que, apesar da Lei Federal nº 14.133/2021 não mais exigir a comprovação de singularidade do objeto, a premissa geral que autoriza a contratação direta por inexigibilidade é, fundamentalmente, a inviabilidade de competição, sendo necessária a justificativa pelo órgão licitante de que a realização da licitação mostra-se inadequada para obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração”.

7 “eu tenho uma posição já dita e repetida várias vezes em situações como tais, que a contratação de escritórios de advocacia pela previsão constitucional, a mudança na legislação de contrato de licitações, retirou a questão da singularidade do contrato, da exigência, da inexigibilidade, tornando e dotando o que já era definido pela OAB há muito, de que a singularidade está na própria atividade da advocacia”.

8 “A contratação direta de serviços advocatícios dispensa o requisito da singularidade, exigindo apenas notória especialização, conforme Lei nº 14.039/2020” (TCE/PE, Acórdão T.C. nº 1519/2025 – Segunda Câmara, Processo TCE-PE nº 22100132-3)

9 “Os serviços advocatícios possuem natureza técnica e singular quando comprovada a notória especialização, justificando a contratação por inexigibilidade de licitação” (TCE/PE, Acórdão T.C. nº 2001/2025 – Pleno, Processo TCE-PE nº 22100639-4RO001)

10 “A contratação de serviços de advocacia por inexigibilidade de licitação exige comprovação da singularidade do objeto, da notória especialização do contratado e da inviabilidade de competição, bem como justificativa do preço contratado” (TCE/PE, Acórdão T.C. nº 2273/2025 – Segunda Câmara, Processo TCE-PE nº 24100787-2).

Aldem Johnston Barbosa Araújo
Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Especialista em Direito Público.

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