Migalhas de Peso

Quando a urgência torna excessivos os alimentos provisórios

Decisões liminares em alimentos podem impor valores além da real capacidade financeira, gerando risco de inadimplência e comprometendo o equilíbrio do trinômio alimentar.

19/11/2025

“Quando a urgência atropela a proporcionalidade: uma análise crítica sobre alimentos provisórios fixados em 17 salários mínimos".

Uma recente decisão liminar proferida pelo TJ/SP reacendeu o debate sobre os limites da tutela de urgência nas ações revisionais de alimentos e sobre a aplicação concreta do trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade previsto no art. 1.694, §1º, do CC.

No caso, a magistrada de primeiro grau, ao apreciar pedido de majoração de pensão formulado em ação revisional, entendeu haver indícios de melhoria na condição financeira do genitor, especialmente em razão do aumento expressivo nas mensalidades escolares das filhas. Diante disso, concedeu tutela antecipada para majorar os alimentos a um patamar equivalente a 17 salários mínimos mensais, acrescidos do custeio direto de outras despesas já acordadas entre as partes.

A decisão, embora amparada pela intenção legítima de assegurar o sustento digno das menores, produziu efeitos econômicos de alta intensidade e de difícil reversão, impondo ao alimentante uma obrigação que, segundo a defesa, superava inclusive seus rendimentos brutos mensais.

Contra essa decisão, foi interposto agravo de instrumento perante o TJ/SP, que, em sede liminar, reduziu provisoriamente o valor para 12 salários mínimos, mantendo o pagamento direto das demais despesas. No julgamento colegiado posterior, contudo, a Corte negou provimento ao recurso, restabelecendo o valor fixado na decisão de origem, sob o fundamento de que a capacidade econômica do genitor ainda seria objeto de prova.

O risco das tutelas antecipadas desproporcionais

A fixação (ou majoração) de alimentos provisórios deve observar o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade (art. 1.694, §1º, CC), de modo a atender ao melhor interesse do alimentando sem inviabilizar a exequibilidade da obrigação. A doutrina e a jurisprudência pátria tratam o tema de forma consistente: Tribunais destacam que o arbitramento deve equilibrar necessidades e recursos, preservando um patamar razoável para todas as partes envolvidas.

Quanto à técnica processual, a tutela de urgência (art. 300 do CPC) exige probabilidade do direito e perigo de dano, mas também recomenda prudência quando houver risco de irreversibilidade dos efeitos práticos da decisão - cenário comum quando se impõe obrigação alimentar elevada antes da instrução probatória.

No plano infraconstitucional, é pacífico que decisões sobre alimentos admitem revisão a qualquer tempo diante de alteração fática (ex.: modificação da capacidade econômica), justamente para evitar distorções entre a realidade financeira e o encargo fixado.

Inclusive, há registros públicos do STJ (comunicado institucional) em que, em hipóteses concretas, a Corte ajusta alimentos provisórios a patamar objetivo (ex.: dois salários mínimos), ressalvando a possibilidade de novas revisões pelas instâncias de origem - o que reforça a centralidade da proporcionalidade e da calibragem casuística.

Quando a tutela substitui o contraditório

Ao se antecipar uma obrigação alimentar em patamar desproporcional, transfere-se o contraditório para a fase de execução, e não para o campo do debate jurídico. A parte passa a discutir a impossibilidade de cumprimento, e não mais o mérito da revisão - uma inversão perigosa da lógica processual.

Além disso, a confusão entre sinais aparentes de prosperidade e efetiva capacidade financeira agrava a insegurança jurídica. O simples fato de o alimentante ter arcado, em determinado período, com aumento de despesas escolares, não autoriza presumir uma alteração estrutural e permanente de renda.

O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, atua como freio necessário à ansiedade judicial de corrigir desigualdades com base em aparências de riqueza ou capacidade.

Entre a proteção da infância e o respeito ao devido processo

É inquestionável que a proteção da criança e do adolescente - prevista no art. 227 da Constituição Federal - é prioridade absoluta. Todavia, essa prioridade não deve ser confundida com a autorização para decisões desprovidas de razoabilidade prática.

A verdadeira proteção da infância depende de decisões exequíveis, sustentáveis e equilibradas, que preservem tanto o direito do alimentando quanto a possibilidade real de cumprimento pelo alimentante.

Do contrário, a tutela liminar corre o risco de se tornar um símbolo ineficaz: protege no papel, mas cria dívidas impagáveis e prolonga o litígio.

Conclusão:

A fixação de alimentos, mesmo em caráter provisório, exige rigor técnico e prudência proporcional. A urgência não pode atropelar o devido processo. O equilíbrio entre necessidade, possibilidade e proporcionalidade é o que transforma uma decisão liminar em instrumento de justiça - e não em mais uma fonte de conflito.

Alessandro Junqueira de Souza Peixoto
Advogado Especialista em Direito Imobiliário, Família e Sucessões, com 7 anos de experiência jurídica! Graduado pela PUC-GO. Pós-Graduado em Direito Imobiliário, Empresarial e Tributário Empresarial.

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