Quando um dos cotitulares falece, é comum que a instituição financeira bloqueie imediatamente o acesso ao saldo, alegando a necessidade de preservar o patrimônio para o inventário. Contudo, essa prática levanta uma séria questão legal: o banco pode reter integralmente o dinheiro que pertence, em parte, ao titular sobrevivente?
Neste artigo, exploraremos a natureza da conta conjunta solidária e a posição dos tribunais, defendendo que o bloqueio total é uma medida irregular, que viola o consenso dado em vida e o direito de movimentação do cotitular sobrevivente.
1. A natureza da conta conjunta solidária (conta "e/ou")
Para entender a irregularidade do bloqueio, é crucial definir o que é uma conta conjunta solidária, frequentemente chamada de conta "e/ou".
Solidariedade ativa em relação ao banco:
A conta conjunta solidária é uma modalidade onde a titularidade é compartilhada por duas ou mais pessoas. A principal característica reside na solidariedade ativa em relação à instituição financeira. Isso significa que qualquer um dos correntistas está autorizado a movimentar livremente a totalidade dos fundos disponíveis, sem a necessidade de assinatura ou consentimento dos demais.
O consenso dado em vida: Ao optar por essa modalidade, os titulares manifestaram expressamente o consentimento de que o saldo depositado ficaria à disposição de qualquer um deles, a qualquer momento.
2. Bloqueio integral: Uma violação do Direito Contratual do sobrevivente
Quando um dos cotitulares falece, muitas instituições financeiras procedem ao bloqueio integral da conta. Argumentamos que essa atitude é, em regra, abusiva e irregular, por diversas razões contratuais e legais:
A. O contrato não se extingue para o sobrevivente
O falecimento de um dos titulares não extingue automaticamente a relação jurídica para o sobrevivente. A solidariedade contratada com o banco permite que o cotitular remanescente continue a movimentar a conta. A jurisprudência, inclusive, aponta que não existe nenhuma lei, regra ou portaria que imponha ou faculte ao banco o bloqueio total da conta conjunta solidária após o óbito.
B. O direito à meação: O bloqueio de 100% é indevido
Mesmo que o saldo do falecido deva ser objeto de inventário e partilha, o titular sobrevivente tem direito à sua quota-parte, que geralmente é presumida como a metade (50%) do numerário.
O STJ e diversos tribunais estaduais têm uma posição firme neste sentido: na ausência de provas sobre a origem dos depósitos, presume-se que o saldo pertencia a ambos em igualdade de condições.
Portanto, ao bloquear 100% dos valores, o banco impede o acesso do titular sobrevivente à sua meação (ou quota-parte), mesmo que esta seja incontroversa em muitos casos. Decisões judiciais reiteram que o falecimento de um dos titulares enseja a liberação de ao menos 50% do numerário depositado ao cotitular sobrevivente.
C. A possibilidade de movimentação integral em relação ao banco
Na esfera da relação banco-cliente, a solidariedade ativa permite que o correntista sobrevivente movimente o saldo total.
A preocupação do banco em proteger os direitos sucessórios dos herdeiros é legítima, mas a solução não pode recair sobre o bloqueio integral, prejudicando o cotitular vivo.
Em casos de bloqueio judicial (penhora) em conta conjunta, a regra é clara: a solidariedade só se aplica em relação ao banco, não perante terceiros. Por isso, o bloqueio deve ser limitado à quota-parte da pessoa devedora ou do falecido, sendo necessário o desbloqueio da quota-parte do terceiro ou do sobrevivente.
3. O entendimento jurisprudencial e o desbloqueio parcial
Embora o tema não seja totalmente pacificado, a tendência majoritária dos tribunais é considerar o bloqueio total como uma falha na prestação do serviço bancário, passível de gerar indenização por danos morais.
A. Proteção ao sobrevivente e o dano moral
A retenção indevida dos valores, especialmente quando o titular sobrevivente depende desses recursos para despesas essenciais (como medicamentos e subsistência, conforme exemplificado em casos concretos), configura abalo moral e constrangimento. Muitos julgados confirmam a condenação do banco por falha no serviço e bloqueio injustificável.
B. O mecanismo de compensação no inventário
A solução jurídica mais equilibrada, conforme entendimento de diversos julgados, é a liberação imediata do saldo ao cotitular sobrevivente. Se, futuramente, for comprovado que o valor sacado pertence integralmente ou em maior parte ao de cujus, o valor poderá ser objeto de compensação no respectivo quinhão do cotitular quando da elaboração da partilha.
Dessa forma, garante-se o resultado útil da partilha sem causar prejuízo irreversível ao cotitular sobrevivente, que muitas vezes é forçado a recorrer a terceiros ou entrar em um limbo de incertezas para garantir o mínimo existencial.
É importante notar que alguns tribunais, agindo com prudência, determinam o desbloqueio parcial de 50% ou até de 25% do valor (presunção relativa que admite prova em contrário), até que a titularidade seja totalmente esclarecida.
4. Conclusão: O bloqueio total como medida abusiva
Diante da natureza da conta conjunta solidária e da necessidade de resguardar o direito do titular sobrevivente, a defesa da irregularidade do bloqueio integral se sustenta fortemente em três pilares:
- Consenso e contrato: A solidariedade ativa firmada em vida autoriza a movimentação do total, sendo indevida a ingerência unilateral do banco após o óbito.
- Direito inconteste de meação: O sobrevivente é presumidamente dono de 50% do saldo, e o bloqueio total impede o acesso a essa quantia, ferindo o seu patrimônio.
- Compensação sucessória: Qualquer disputa sobre a titularidade ou a totalidade dos valores deve ser resolvida nas vias do inventário, onde o eventual crédito do de cujus será compensado, não justificando a retenção bancária que causa prejuízos ao titular vivo.
Se você ou sua família estão enfrentando o bloqueio de uma conta conjunta após o falecimento de um titular, a busca por uma tutela antecipada na justiça para a liberação dos valores, ou pelo menos da meação, é um caminho legal e necessário. Lembre-se, a Justiça tem se mostrado sensível aos casos em que a retenção bancária afeta a subsistência do sobrevivente.