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Falecimento e conta conjunta: O banco pode reter todo o saldo?

A matéria discute como o bloqueio de conta conjunta após falecimento é ilegal, defendendo o direito de movimentação do sobrevivente e a liberação de sua meação.

2/12/2025

Quando um dos cotitulares falece, é comum que a instituição financeira bloqueie imediatamente o acesso ao saldo, alegando a necessidade de preservar o patrimônio para o inventário. Contudo, essa prática levanta uma séria questão legal: o banco pode reter integralmente o dinheiro que pertence, em parte, ao titular sobrevivente?

Neste artigo, exploraremos a natureza da conta conjunta solidária e a posição dos tribunais, defendendo que o bloqueio total é uma medida irregular, que viola o consenso dado em vida e o direito de movimentação do cotitular sobrevivente.

1. A natureza da conta conjunta solidária (conta "e/ou")

Para entender a irregularidade do bloqueio, é crucial definir o que é uma conta conjunta solidária, frequentemente chamada de conta "e/ou".

Solidariedade ativa em relação ao banco:

A conta conjunta solidária é uma modalidade onde a titularidade é compartilhada por duas ou mais pessoas. A principal característica reside na solidariedade ativa em relação à instituição financeira. Isso significa que qualquer um dos correntistas está autorizado a movimentar livremente a totalidade dos fundos disponíveis, sem a necessidade de assinatura ou consentimento dos demais.

O consenso dado em vida: Ao optar por essa modalidade, os titulares manifestaram expressamente o consentimento de que o saldo depositado ficaria à disposição de qualquer um deles, a qualquer momento.

2. Bloqueio integral: Uma violação do Direito Contratual do sobrevivente

Quando um dos cotitulares falece, muitas instituições financeiras procedem ao bloqueio integral da conta. Argumentamos que essa atitude é, em regra, abusiva e irregular, por diversas razões contratuais e legais:

A. O contrato não se extingue para o sobrevivente

O falecimento de um dos titulares não extingue automaticamente a relação jurídica para o sobrevivente. A solidariedade contratada com o banco permite que o cotitular remanescente continue a movimentar a conta. A jurisprudência, inclusive, aponta que não existe nenhuma lei, regra ou portaria que imponha ou faculte ao banco o bloqueio total da conta conjunta solidária após o óbito.

B. O direito à meação: O bloqueio de 100% é indevido

Mesmo que o saldo do falecido deva ser objeto de inventário e partilha, o titular sobrevivente tem direito à sua quota-parte, que geralmente é presumida como a metade (50%) do numerário.

O STJ e diversos tribunais estaduais têm uma posição firme neste sentido: na ausência de provas sobre a origem dos depósitos, presume-se que o saldo pertencia a ambos em igualdade de condições.

Portanto, ao bloquear 100% dos valores, o banco impede o acesso do titular sobrevivente à sua meação (ou quota-parte), mesmo que esta seja incontroversa em muitos casos. Decisões judiciais reiteram que o falecimento de um dos titulares enseja a liberação de ao menos 50% do numerário depositado ao cotitular sobrevivente.

C. A possibilidade de movimentação integral em relação ao banco

Na esfera da relação banco-cliente, a solidariedade ativa permite que o correntista sobrevivente movimente o saldo total.

A preocupação do banco em proteger os direitos sucessórios dos herdeiros é legítima, mas a solução não pode recair sobre o bloqueio integral, prejudicando o cotitular vivo.

Em casos de bloqueio judicial (penhora) em conta conjunta, a regra é clara: a solidariedade só se aplica em relação ao banco, não perante terceiros. Por isso, o bloqueio deve ser limitado à quota-parte da pessoa devedora ou do falecido, sendo necessário o desbloqueio da quota-parte do terceiro ou do sobrevivente.

3. O entendimento jurisprudencial e o desbloqueio parcial

Embora o tema não seja totalmente pacificado, a tendência majoritária dos tribunais é considerar o bloqueio total como uma falha na prestação do serviço bancário, passível de gerar indenização por danos morais.

A. Proteção ao sobrevivente e o dano moral

A retenção indevida dos valores, especialmente quando o titular sobrevivente depende desses recursos para despesas essenciais (como medicamentos e subsistência, conforme exemplificado em casos concretos), configura abalo moral e constrangimento. Muitos julgados confirmam a condenação do banco por falha no serviço e bloqueio injustificável.

B. O mecanismo de compensação no inventário

A solução jurídica mais equilibrada, conforme entendimento de diversos julgados, é a liberação imediata do saldo ao cotitular sobrevivente. Se, futuramente, for comprovado que o valor sacado pertence integralmente ou em maior parte ao de cujus, o valor poderá ser objeto de compensação no respectivo quinhão do cotitular quando da elaboração da partilha.

Dessa forma, garante-se o resultado útil da partilha sem causar prejuízo irreversível ao cotitular sobrevivente, que muitas vezes é forçado a recorrer a terceiros ou entrar em um limbo de incertezas para garantir o mínimo existencial.

É importante notar que alguns tribunais, agindo com prudência, determinam o desbloqueio parcial de 50% ou até de 25% do valor (presunção relativa que admite prova em contrário), até que a titularidade seja totalmente esclarecida.

4. Conclusão: O bloqueio total como medida abusiva

Diante da natureza da conta conjunta solidária e da necessidade de resguardar o direito do titular sobrevivente, a defesa da irregularidade do bloqueio integral se sustenta fortemente em três pilares:

  1. Consenso e contrato: A solidariedade ativa firmada em vida autoriza a movimentação do total, sendo indevida a ingerência unilateral do banco após o óbito.
  2. Direito inconteste de meação: O sobrevivente é presumidamente dono de 50% do saldo, e o bloqueio total impede o acesso a essa quantia, ferindo o seu patrimônio.
  3. Compensação sucessória: Qualquer disputa sobre a titularidade ou a totalidade dos valores deve ser resolvida nas vias do inventário, onde o eventual crédito do de cujus será compensado, não justificando a retenção bancária que causa prejuízos ao titular vivo.

Se você ou sua família estão enfrentando o bloqueio de uma conta conjunta após o falecimento de um titular, a busca por uma tutela antecipada na justiça para a liberação dos valores, ou pelo menos da meação, é um caminho legal e necessário. Lembre-se, a Justiça tem se mostrado sensível aos casos em que a retenção bancária afeta a subsistência do sobrevivente.

Caio Vinicius Pereira da Silva
Caio Vinicius Pereira Pacheco - Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - Formado em Analista Fiscal e Gestão Tributária pelo SENAC - Pesquisador Jurídico - CEA/AMBIMA

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