A frustração silenciosa: Por que pedimos o arquivamento cedo demais?
Quantas vezes você, atuando em uma execução de título extrajudicial ou em um cumprimento de sentença, se deparou com a fatídica certidão de "buscas infrutíferas"? Após esgotar as tentativas tradicionais via Sisbajud (o antigo BacenJud) para bloquear ativos financeiros, Infojud para buscar dados da Receita Federal e Renajud para localizar veículos, a tendência natural é a exaustão e o arquivamento do processo.
No entanto, caro colega, essa é a hora de parar e questionar: será que realmente esgotamos todos os meios?
A verdade é que muitos advogados desconhecem ou hesitam em utilizar um poderoso instrumento de investigação patrimonial, muitas vezes relegado apenas à esfera criminal: o CCS-Bacen - Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional. E é exatamente essa ferramenta que pode ser a chave-mestra para desmantelar fraudes e garantir a satisfação do crédito do seu cliente em processos cíveis.
1. O tabu do CCS-Bacen no cível: Um entendimento superado
Por muito tempo, a jurisprudência, notadamente em tribunais como o TJ/SP, resistiu à utilização do CCS-Bacen em execuções cíveis. O argumento central era que este sistema tinha um uso específico na esfera penal, auxiliando investigações financeiras, especialmente em crimes de lavagem de dinheiro. Entendia-se que, por ser um sistema de natureza meramente cadastral, ele não conteria dados de valor, movimentação financeira ou saldos de contas/aplicações, não tendo, portanto, a finalidade de localizar valores passíveis de penhora.
No entanto, essa interpretação restritiva ignorava o objetivo maior do Estado na satisfação das obrigações reconhecidas judicialmente, em respeito à efetividade da atividade jurisdicional.
A virada de chave no STJ
Em um julgamento crucial (REsp 1.938.665/SP), a 3ª turma do STJ pacificou o entendimento a favor do credor cível. A ministra relatora Nancy Andrighi reconheceu que o CCS-Bacen deve ser considerado apenas mais um mecanismo à disposição do credor na busca para satisfazer seu crédito.
O propósito recursal analisado foi justamente a possibilidade de determinar a consulta ao CCS-Bacen em cumprimento de sentença de natureza cível, após as tentativas de identificação e constrição de ativos financeiros restarem infrutíferas.
A lógica do STJ é irrefutável:
- Natureza informativa, não constritiva: O CCS-Bacen é um sistema de informações de natureza cadastral que registra o relacionamento de clientes com instituições financeiras. Ele não implica constrição (penhora), mas sim subsídio à eventual constrição.
- Meio para um fim: O acesso ao CCS serve como uma medida que pode subsidiar uma futura penhora, "alargando a margem de pesquisa por ativos".
- Princípio da razoabilidade: Não é razoável permitir medidas constritivas (como o BacenJud/Sisbajud) e, ao mesmo tempo, negar uma pesquisa exploratória em um cadastro meramente informativo como o CCS.
Portanto, o acesso às informações do CCS não se confunde com a penhora de dinheiro via Sisbajud/BacenJud; ele serve como um valioso subsídio.
2. Desvendando a confusão patrimonial e os "laranjas"
Aqui reside o grande trunfo, e o motivo pelo qual o CCS-Bacen é uma ferramenta de pesquisa mais robusta que os meios tradicionais.
O CCS, instituído pela lei 10.701/03 (que alterou a lei de lavagem de dinheiro), exige que o Banco Central mantenha um cadastro geral de correntistas, clientes de instituições financeiras e seus procuradores.
O que o CCS informa? Identificação do cliente e de seus representantes legais e procuradores.
Quando o devedor utiliza de má-fé para frustrar a execução (o "câncer da execução frustrada"), é comum que ele transfira bens para terceiros, vulgarmente chamados de "laranjas", e abra contas bancárias em nome desses interpostos, movimentando-as por meio de procurações.
A pesquisa via CCS-Bacen permite, justamente, identificar esses procuradores outorgados ao CPF/CNPJ do executado.
A identificação dessas relações de procuração pode gerar presunções importantíssimas no processo cível, que auxiliam a execução e a investigação patrimonial:
- Confusão patrimonial: Se a relação de procuração ocorre entre duas pessoas físicas.
- Sociedade de fato: Se a relação ocorre entre pessoa jurídica e pessoa física que não consta do contrato social.
- Grupo econômico: Na hipótese de vínculo entre duas pessoas jurídicas por um sócio de fato em comum.
Ao obter esses dados cadastrais (que não violam o sigilo bancário, pois não revelam valores), o exequente adquire um novo caminho para a satisfação do crédito, podendo estender a responsabilidade aos representantes, procuradores ou sócios de fato, que passam a integrar o polo passivo da execução.
A ferramenta, que pode ser acessada de forma automática pelo novo Sisbajud, é um mecanismo que atende à grande maioria da demanda dos juízos cíveis, trabalhistas e da execução fiscal.
3. Um novo horizonte para a advocacia cível
A consulta ao CCS-Bacen, em consonância com o entendimento do STJ, não é mais uma medida excepcionalíssima e restrita ao âmbito criminal; ela é um direito do credor que busca a efetividade da tutela jurisdicional.
Muitos clientes acabam desistindo da busca patrimonial ou têm seus processos arquivados sem saber que existia essa pesquisa robusta, que mira diretamente a fraude e a ocultação de ativos. A nova funcionalidade do Sisbajud, que permite a consulta instantânea ao CCS, reforça essa tendência de uso automático em investigações patrimoniais de natureza cível.
Se a execução frustrada é um obstáculo constante na sua prática, adote o CCS-Bacen como rotina, após as tentativas iniciais. Ao fazê-lo, você não apenas demonstra empenho máximo ao seu cliente, mas utiliza uma ferramenta validada pela Corte Superior, que permite alcançar o devedor que se oculta atrás de "testas de ferro", transformando processos paralisados em execuções bem-sucedidas.
Não permita que a ignorância sobre este mecanismo jurídico prejudique seus clientes. Insista na pesquisa robusta, utilize o CCS-Bacen e contribua para a redução das execuções frustradas no Brasil!