A tradição processual sempre concebeu o litígio como último recurso de tutela, acionado apenas quando todos os mecanismos racionais de composição se revelaram insuficientes para restaurar a normalidade das relações jurídicas. A função do processo, nesse sentido, nunca foi a de alimentar disputas, mas a de estabilizar expectativas sociais e oferecer uma resposta institucional a problemas que resistiram ao diálogo.
Contudo, parte expressiva do mercado jurídico desenvolveu, ao longo dos anos, uma patologia silenciosa: a transformação do litígio em produto de consumo. Multiplicaram-se ações não como consequência inevitável do conflito, mas como estratégia de recorrência financeira. Nessa lógica, o processo se converte em finalidade - quando, na arquitetura do sistema de justiça, ele é apenas instrumento.
Soma-se a isso um fenômeno tão relevante quanto negligenciado: o cliente, muitas vezes, deseja o processo porque vive também um litígio emocional. Há mágoas, frustrações e a crença de que a sentença será a forma de “reparar” um histórico de ofensas. É precisamente nesse cenário que se revela a dimensão ética e técnica da advocacia: mostrar ao cliente que a judicialização inadequada pode gerar mais prejuízo que benefício - consumo de tempo, desgaste psicológico, instabilidade patrimonial, exposição de intimidade, ruptura definitiva de relações que poderiam ser preservadas e ausência de liquidez no horizonte previsível.
A advocacia verdadeiramente estratégica não se orienta pela beligerância, mas pela governança do conflito. Ela sabe que judicializar é apenas uma das variáveis possíveis - e nunca a primeira. E que resolver não significa “ir ao Judiciário”, mas entregar um resultado que extinga o problema com o menor custo global possível: econômico, temporal, reputacional e relacional.
Assim como os precedentes obrigatórios substituíram a decisão individual pela coerência institucional, a advocacia contemporânea abandona a cultura do combate pela cultura do resultado. Se a força do precedente reside na racionalidade do argumento, a força da advocacia estratégica reside na racionalidade da escolha do caminho.
Quando a judicialização deixa de ser exceção e passa a ser modelo de negócio, perde-se o sentido do Direito; quando permanece como instrumento racional para situações em que dela se necessita, o sistema encontra sua mais alta forma de legitimidade.
Advogar é entregar soluções, o litígio é apenas um dos caminhos possíveis - e nem sempre o mais inteligente.