O STJ, por maioria, decidiu afetar ao rito dos recursos especiais repetitivos o REsp 2.209.304/MG. A Corte buscará uniformizar a controvérsia acerca da exigência de comprovação da tentativa de solução extrajudicial da controvérsia como condição para a caracterização do interesse de agir em ações de natureza prestacional envolvendo relações de consumo.
A afetação foi aprovada pela Corte Especial, nos termos do art. 1.036 do CPC, sendo determinada, ainda, a suspensão dos recursos especiais ou agravos em recursos especiais que versem sobre a mesma controvérsia.
A origem do recurso está no julgamento do IRDR 91 pelo TJ/MG, que firmou a tese de que o interesse de agir, em ações prestacionais de consumo, estaria condicionado à prévia tentativa de solução extrajudicial. O Tribunal de origem estabeleceu parâmetros objetivos para tal comprovação, elencando expressamente canais como SAC, Procon, agências reguladoras, plataformas públicas e privadas, bem como notificações extrajudiciais.
Além disso, a tese firmada no julgamento do IRDR modulou os seus efeitos, prevendo hipóteses excepcionais em que a exigência poderia ser flexibilizada, como nos casos de iminente perecimento do direito, admitindo, nesses casos, que a tentativa de resolução extrajudicial ocorra após o ajuizamento da ação.
A proposta, embora contestada pelo Ministério Público de Minas Gerais, sob o argumento de ofensa ao Direito Constitucional de acesso à justiça, foi admitida pelo STJ como representativa da controvérsia. A Corte entendeu que se trata de matéria infraconstitucional relacionada ao conceito de interesse processual, cuja análise se insere na competência do Tribunal.
A rigor, a exigência de tentativa prévia de solução extrajudicial não implica, por si só, violação ao acesso à justiça. O próprio ordenamento jurídico processual admite a existência de requisitos para configuração do interesse de agir, desde que razoáveis, proporcionais e compatíveis com a efetividade da tutela jurisdicional.
Sob essa perspectiva, a exigência de tentativa de solução extrajudicial pode ser compreendida como mecanismo de incentivo à autocomposição e de racionalização do sistema de justiça, principalmente em demandas repetitivas e de baixa complexidade.
A relevância do tema em discussão se acentua diante do fato de que, segundo dados do CNJ, atualmente 8 dos 20 maiores litigantes do país são instituições bancárias. Esses dados, disponíveis no painel oficial de litigância do CNJ (https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-litigantes/), evidenciam que o setor bancário figura entre os principais demandados no Judiciário brasileiro. Trata-se, portanto, de segmento diretamente impactado pela judicialização em massa de demandas que, em muitos casos, poderiam ser resolvidas na via administrativa.
O que se verifica é que parcela expressiva dos consumidores ajuíza ações judiciais sem sequer buscar previamente uma solução extrajudicial, revelando um uso muitas vezes instrumental e até predatório do Judiciário. Isso prejudica significativamente as instituições financeiras, que se veem compelidas a mobilizar estrutura técnica e jurídica para responder a milhares de demandas de baixa complexidade, muitas das quais sequer existiriam caso fosse oportunizada uma composição prévia.
Ressalte-se que as instituições financeiras, em muitos casos, possuem interesse concreto na resolução administrativa de conflitos, especialmente quando envolvem falhas operacionais ou cobranças indevidas. A exigência de tentativa prévia de autocomposição, nesse contexto, além de juridicamente justificável, pode representar um mecanismo eficaz de filtragem da litigância excessiva.
Portanto, a definição, pelo STJ, sobre essa exigência como condição ao reconhecimento do interesse de agir, tende a produzir impacto direto na redução do ajuizamento de ações repetitivas e na racionalização da atividade jurisdicional, especialmente no que se refere ao setor bancário, um dos mais demandados no país.