Em regra, nos termos do art. 1.028 do CC, a morte do sócio leva à liquidação de suas quotas perante a sociedade, com pagamento de haveres aos herdeiros. No inventário, o crédito dessa apuração integra o acervo hereditário e se submete ao ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.
Ocorre que o próprio art. 1.028, inciso I, admite alternativa: se o contrato social dispuser de forma diversa, não será obrigatória a liquidação da quota, devendo ser seguido o procedimento previsto no contrato. É nesse espaço que se constrói uma possível solução para tratar da sucessão das quotas sem que seja necessário inventariar a participação societária em si.
A alternativa consiste em prever, no contrato social, antes do falecimento do sócio, uma cláusula estabelecendo que, no momento do óbito, a sociedade ou os demais sócios adquirirão as quotas do falecido por um valor previamente definido (por exemplo, o valor patrimonial contábil ou outro critério objetivo). Em uma holding familiar, por exemplo, os herdeiros já poderão figurar como sócios antes do falecimento do de cujus, preservando a estrutura societária. No inventário, ingressará apenas o crédito decorrente da venda das quotas, e não as quotas em si ou o crédito de apuração de haveres, o que pode representar simplificação do procedimento e potencial economia tributária.
Há, inclusive, precedente administrativo sobre a matéria. No recurso ao DREI - Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração 14022.116144/2022-57, o órgão reconheceu não haver vedação legal à previsão, em contrato social, de cláusulas regulamentando os efeitos do falecimento sobre as quotas. Naquele caso, determinou-se que a Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro arquivasse o ato societário que previa a transferência automática das quotas do sócio falecido às sócias remanescentes, às quais era conferida opção de compra, sem exigência de formal de partilha ou anuência expressa dos herdeiros, justamente em razão da existência de previsão contratual específica.
Apesar do potencial, essa estrutura apresenta desafios relevantes. O primeiro deles é tributário: ainda não há decisões consolidadas sobre a base de cálculo do ITCMD quando a operação chega ao inventário. Sustenta-se que, nesses casos, a base de cálculo deveria ser o crédito de venda das quotas e não o valor do bem subjacente.
Essa interpretação não elimina o risco de entendimento diverso por parte do Fisco, seja quanto à base de cálculo, seja quanto ao preço pactuado. Um valor significativamente abaixo da realidade econômica da empresa pode ser interpretado como preço vil, com possibilidade de autuação fiscal.
Além disso, especialmente em casos envolvendo holdings familiares, é possível que o Fisco questione a legitimidade da operação, sob a alegação de que a única finalidade da disposição contratual seria a de economia tributária, o que, embora questionável, pode ser considerado pelo Fisco como simulação, a depender da formalização do preço pactuado e da liquidação do crédito.
O assunto ganha especial relevância diante da iminência da aprovação do PLP 108/24, que, dentre outras disposições, altera a base de cálculo do ITCMD, a qual necessariamente passará a ser o valor de mercado dos bens. Nesse sentido, o "valor de mercado" do crédito decorrente da venda das quotas é previsível, por ser um direito mensurável em dinheiro, ao passo em que o valor de mercado das quotas subjacentes abre margem para uma discussão a respeito da valoração das quotas.
Outro ponto sensível é a proteção da legítima. Se a cláusula for utilizada com o objetivo de esvaziar o patrimônio a ser partilhado ou reduzir indevidamente a parte dos herdeiros necessários, pode-se discutir eventual fraude à legítima e questionar judicialmente a operação.
Superados esses cuidados, o mecanismo mostra potencial, pois pode gerar: simplificação da sucessão das quotas, permitindo solução mais rápida da pendência societária que se forma com o falecimento do sócio; e racionalização tributária e procedimental do inventário, ao concentrar a sucessão no crédito de venda, em vez de envolver diretamente a quota e a apuração de haveres.
Por isso, é fundamental que a cláusula seja redigida de forma cuidadosa, que o critério de preço tenha respaldo em parâmetros objetivos (como balanços, laudo ou metodologia clara) e que sejam observadas as regras de proteção da legítima, justamente para reduzir riscos societários, sucessórios e fiscais em um tema que ainda carece de maior desenvolvimento e consolidação jurisprudencial.