Desde a promulgação da lei 14.112/20, que reformou a lei 11.101/05 (LRF - Lei de Recuperações e Falência), a possibilidade de produtores rurais se beneficiarem da recuperação judicial vinha provocando intensos debates. A principal controvérsia girava em torno do marco temporal necessário para o ajuizamento do pedido, afinal: o prazo de dois anos de atividade exigido pelo art. 48 da LRF deve ser contado a partir do efetivo exercício da atividade rural ou somente após o registro na Junta Comercial?
Por muito tempo esse impasse dividiu a jurisprudência nacional, até que foi finalmente resolvido pelo STJ. Sob o rito dos recursos repetitivos, no julgamento do Tema 1.145, a Corte firmou a seguinte tese:
“Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro”.
A origem da controvérsia remonta ao art. 971 do CC, que faculta a possibilidade do produtor rural se registrar formalmente perante a Junta Comercial. Em outras palavras, o exercício da atividade econômica rural não está condicionado à formalização registral.
Explico o porquê.
O exercício profissional da atividade econômica está associado à habitualidade, pessoalidade e à sua organização. Assim, no caso do produtor rural, a qualidade de empresário deve ser atestada sempre que seja comprovado o exercício profissional de atividade econômica rural organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, independentemente de inscrição na Junta Comercial.
Como dito, o julgamento do Tema repetitivo 1.145 pacificou essa questão e deixou claro que o exercício regular da atividade não se confunde com a formalização perante a Junta.
Conforme brilhantemente apontado pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário, mas apenas “acarreta sua sujeição ao regime empresarial, descortinando-se, então, uma série de benefícios e ônus de titularidade apenas para aqueles que se registram na forma preconizada no art. 968 do CC/02”.
A comprovação da atividade, no entanto, para fins de preenchimento dos dois anos exigidos pelo art. 48 da LRF, pode ser feita de duas formas, a depender da receita bruta anual do produtor rural: i) caso a receita bruta anual exceda R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), deverá ser apresentada documentação mais detalhada, composta pelo LCDPR - Livro Caixa Digital do Produtor Rural, DIRPF - Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física e Balanço Patrimonial; (ii) caso a receita seja inferior a esse valor, poderá ser apresentado o Livro Caixa Simples, em conjunto com a DIRPF e o Balanço Patrimonial.
Como bem concluiu o ministro ao estabelecer a tese repetitiva, o registro “permite apenas que nas atividades do produtor rural incidam as normas previstas pelo direito empresarial. Todavia, desde antes do registro, e mesmo sem ele, o produtor rural que exerce atividade profissional organizada para a produção de bens e serviços já é empresário”.
Assim sendo, ainda que o registro na Junta por parte do produtor rural tenha que ser realizado antes do pedido de recuperação judicial, não há exigência de que o ato registral ocorra há dois anos da formalização do pedido, bastando para preenchimento do requisito temporal a comprovação da atividade nos moldes acima mencionados.
Trata-se de importante precedente que reforça a efetividade da recuperação judicial como instrumento de superação da crise e, principalmente, que valoriza a atuação do produtor rural como agente econômico essencial à economia nacional.