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Licença-prêmio: Quando o servidor público pode pedir a conversão em dinheiro?

A licença-prêmio é um direito do servidor que, se não usufruído por necessidade do serviço, pode ser convertido em indenização reconhecida pela lei e pelos tribunais.

12/12/2025
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Introdução

Com o passar dos anos dedicados ao trabalho no setor público, é comum que os servidores adquiram certos direitos que, no ritmo acelerado do dia a dia, acabam sendo deixados de lado - a licença-prêmio é um deles.

Trata-se de um benefício conquistado com tempo e comprometimento, mas que, em muitos casos, nunca chega a ser usufruído.

Quando chega o momento da aposentadoria, é frequente o servidor notar que aquele período de folga ao qual tinha direito simplesmente "expirou", já que a instituição não liberou a licença no momento oportuno. É nesse instante que surge a grande dúvida: posso receber essa licença em dinheiro?

A boa notícia é que, na maior parte dos casos, sim. O servidor tem o direito de receber o valor referente ao período de licença-prêmio não utilizado - o que chamamos de conversão em pecúnia. Essa é uma forma de reconhecimento não apenas financeiro, mas também moral, pelos anos de serviço prestados ao governo.

Nos próximos tópicos, você vai entender em quais situações a conversão é possível, o que as leis e os tribunais dizem a respeito, e quais os passos a seguir para assegurar esse direito.

1. O que é a licença-prêmio?

A licença-prêmio é um benefício concedido a servidores públicos que completam um período de tempo em exercício sem faltas ou penalidades.

Normalmente, após cinco anos seguidos de serviço, o servidor ganha o direito de licença remunerada para descanso, estudos ou projetos pessoais. É uma forma de valorizar a dedicação ao trabalho público.

O nome "licença-prêmio" vem da ideia de recompensar a frequência e o comprometimento do servidor, reconhecendo aqueles que sempre serviram com responsabilidade e constância.

Acontece que, com o tempo, muitos servidores acabam não conseguindo tirar essa licença, seja por falta de funcionários, excesso de trabalho ou por simples omissão da Administração. Nesses casos, eles têm o direito de transformar a licença em dinheiro, recebendo o valor correspondente ao período não utilizado.

Por exemplo: imagine um servidor que trabalhou 15 anos sem faltar e acumulou três licenças-prêmio de 3 meses cada. Se ele se aposentar sem ter aproveitado nenhuma, ele pode solicitar o pagamento referente a 9 meses de salário.

A seguir, vamos explicar em quais situações essa transformação em dinheiro é permitida e como buscar por esse pagamento mesmo depois de se aposentar.

2. Quando é possível converter a licença-prêmio em dinheiro?

Quando um servidor público não consegue tirar a licença-prêmio a que tem direito, por razões ligadas ao serviço público e não por escolha pessoal, surge a possibilidade de receber esse benefício em dinheiro.

Ou seja, se o órgão público impede o funcionário de se afastar, seja por falta de pessoal, necessidade do serviço ou outros motivos administrativos, ele não pode ser penalizado por isso.

Nessas circunstâncias, o período de licença acumulado se transforma em uma espécie de compensação financeira, que pode (e deve) ser pago em dinheiro.

As situações mais comuns são:

  • Aposentadoria: O servidor se aposenta sem ter desfrutado da licença-prêmio.
  • Saída do cargo: Quando o servidor é exonerado ou demitido e não usufruiu do direito.
  • Falecimento: Os herdeiros podem solicitar o valor das licenças que o servidor não chegou a gozar.
  • Extinção do benefício: Algumas entidades públicas extinguiram a licença-prêmio, mas precisam honrar o direito de quem já tinha completado o tempo necessário antes da mudança na lei.

Vale destacar que essa conversão não é uma "venda" da licença, mas sim uma forma de indenização.

O servidor não está trocando um benefício por dinheiro, mas sim sendo compensado pelo tempo trabalhado em que não pôde ter o descanso a que tinha direito.

3. O que diz a lei sobre a conversão da licença-prêmio em pecúnia?

As leis que regem a licença-prêmio e a sua conversão em pecúnia variam entre as diferentes esferas de governo - Federal, estadual e municipal -, mas a ideia central por trás desse direito é a mesma em todo o Brasil: nenhum servidor público pode ser privado de um direito que obteve ao longo dos anos de trabalho.

Em nível Federal, a licença-prêmio era um direito assegurado pela lei 8.112/1990, que estabelece as normas para os servidores públicos Federais.

O art. 87 dessa lei assegurava ao servidor o direito de desfrutar de três meses de licença com salário integral a cada cinco anos de serviço contínuo, desde que não houvesse penalidades ou ausências injustificadas.

Apesar de a licença-prêmio não ser mais concedida para novos períodos no governo Federal, os servidores que já tinham completado o tempo exigido enquanto a lei estava em vigor ainda possuem esse direito. Isso quer dizer que, mesmo com a mudança na lei, o direito de transformar em dinheiro os períodos de licença-prêmio já conquistados e não utilizados continua valendo.

Nos Estados e municípios, cada um tem suas próprias regras. Alguns ainda oferecem a licença-prêmio, enquanto outros a substituíram por benefícios parecidos, como a licença especial.

Ainda assim, o direito à compensação financeira tem sido amplamente reconhecido, mesmo que a lei local não mencione diretamente a possibilidade de conversão em dinheiro.

Isso ocorre porque o princípio que fundamenta esse direito está previsto na CF/88: ninguém pode ter prejuízo por ato ou omissão do Estado.

Assim, negar o pagamento seria o mesmo que enriquecer indevidamente a Administração às custas do servidor.

4. Entendimento dos tribunais superiores

A conversão da licença-prêmio em pecúnia é hoje um tema pacificado pelos tribunais. Tanto o STJ quanto o STF têm reconhecido, de forma unânime, que o servidor tem direito à indenização quando não usufruiu da licença por necessidade do serviço.

No julgamento do Tema repetitivo 635, o STJ estabeleceu o seguinte entendimento:

“É assegurada ao servidor público inativo a conversão de férias não gozadas, ou de outros direitos de natureza remuneratória, em indenização pecuniária, dada a responsabilidade objetiva da Administração Pública em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa.”

Em outras palavras: mesmo que o servidor não tenha solicitado a licença antes da aposentadoria, ele ainda pode receber o valor correspondente.

O entendimento do Tribunal é de que o tempo de serviço foi realmente prestado, e a Administração não pode aproveitar o trabalho do servidor sem dar o descanso ou pagar por ele.

O STF também já se manifestou em diversos julgados confirmando que esse direito é uma reparação patrimonial - e não uma vantagem nova.

Trata-se de um crédito indenizatório, que não depende de requerimento prévio e não pode ser suprimido. 

Além disso, a jurisprudência firmou que o servidor tem até cinco anos (prazo prescricional) para solicitar o pagamento, contados a partir da aposentadoria ou da recusa do pedido feito administrativamente.

Além disso, a jurisprudência firmou que o servidor tem até cinco anos (prazo prescricional) para pedir o pagamento, contados a partir da aposentadoria ou da negativa do pedido administrativo.

5. Quem tem direito à conversão em pecúnia?

Podem requerer a conversão:

1. Servidores aposentados:

Essa é a situação mais frequente. O funcionário se aposenta e percebe que tinha licenças-prêmio guardadas e não utilizadas. Mesmo após a aposentadoria, ele ainda pode pedir o pagamento referente a elas.

2. Servidores exonerados ou desligados:

Se o funcionário deixa o cargo sem ter aproveitado a licença, ele também tem o direito de solicitar uma compensação financeira, desde que tenha cumprido o tempo necessário para adquiri-la.

3. Heredeiros de servidor falecido:

Caso o funcionário tenha falecido com licenças-prêmio pendentes, seus herdeiros podem requerer o pagamento, pois esse direito faz parte do patrimônio e passa para os sucessores.

Quem não tem direito:

  • Servidores que optaram por converter a licença em tempo de aposentadoria (contagem em dobro).
  • Servidores que não completaram o período de 5 anos de exercício sem faltas, ou tiveram faltas injustificadas ou punições disciplinares que interromperam o ciclo aquisitivo.
  • Servidores que já receberam o valor correspondente ou usaram o período integral da licença.

O mais importante é compreender que esse direito não se perde com o tempo de serviço prestado, desde que respeitado o prazo de prescrição de 5 anos.

E mesmo que a instituição diga que não há previsão na lei local, os tribunais têm confirmado que a indenização é devida para evitar o enriquecimento indevido da Administração Pública.

Em outras palavras:

Se você trabalhou, tinha direito à licença e não pôde usá-la por responsabilidade do órgão, esse valor pertence a você.

6. O que fazer se a Administração negar o pedido?

Infelizmente, é comum que os órgãos públicos neguem o pedido de conversão da licença-prêmio em pecúnia, mesmo quando o servidor preenche todos os requisitos.

As razões apresentadas são quase sempre as mesmas: alegam "não haver lei que permita", “falta de autorização orçamentária” ou “prescrição do direito”.

A boa notícia é que essas respostas negativas não significam o fim da linha para o servidor, pois é possível buscar seus direitos na Justiça e reverter a situação.

Quando o órgão nega, o caminho é a Justiça

A jurisprudência do STJ e do STF é clara: quando o servidor não usufruiu da licença-prêmio por necessidade do serviço, ele tem direito a receber o valor correspondente em dinheiro, mesmo que a lei do seu Estado ou município não diga isso explicitamente.

Ou seja, a omissão da Administração não pode prejudicar o servidor.

A negativa indevida abre espaço para o ingresso de uma ação judicial de cobrança, buscando o reconhecimento do direito e o pagamento da indenização correspondente.

O que o servidor precisa apresentar

Para facilitar o processo judicial, é importante reunir:

  • A resposta negativa do órgão (ou o comprovante de que fez o pedido, caso não tenha recebido resposta);
  • Documentos que mostrem o tempo que trabalhou e os períodos em que tinha direito à licença;
  • Contracheques ou declarações que confirmem que nunca tirou a licença.

Esses documentos são importantes para provar que o servidor trabalhou o tempo necessário, mas não pôde aproveitar a licença por razões alheias à sua vontade.

7. Prazo para pedir a conversão da licença-prêmio

Uma questão que frequentemente gera dúvidas entre os servidores é: “Há um limite de tempo para solicitar a conversão da licença-prêmio em dinheiro?”

A resposta é sim - e é crucial cumprir esse prazo para não perder o direito.

Conforme o entendimento já firmado pelo STJ, o servidor dispõe de cinco anos para solicitar a conversão da licença-prêmio em valor monetário.

Esse período começa a ser contado a partir de um dos seguintes momentos, conforme o caso:

  1. Data da aposentadoria, quando o servidor se desliga do cargo sem ter usufruído da licença;
  2. Data da exoneração ou desligamento, se for o caso;
  3. Data da negativa do pedido administrativo, caso o servidor tenha feito o requerimento e ele tenha sido indeferido.

Após esses cinco anos, o direito é considerado extinto/prescrito, o que implica que não pode mais ser reivindicado judicialmente.

Atenção: Importante: mesmo que o servidor ainda aguarde uma resposta do órgão, é fundamental fazer o pedido formalmente por escrito e guardar o comprovante de protocolo.

Isso serve para interromper a contagem do prazo prescricional, caso seja necessário recorrer à Justiça.

8. Conclusão: O direito que valoriza o tempo de serviço

A licença-prêmio representa mais do que um simples benefício: é o reconhecimento pelo tempo, esforço e dedicação do servidor público.

Cada período adquirido simboliza anos de trabalho, de responsabilidade e de compromisso com o interesse coletivo.

Negar a conversão em dinheiro quando o servidor não pôde usufruir da licença por necessidade do serviço seria como anular esse tempo - algo que a Justiça tem reiteradamente se recusado a fazer.

Por isso, a conversão da licença-prêmio em pecúnia não é um privilégio, e sim um direito patrimonial legítimo, garantido por lei e reconhecido pelos tribunais.

Ela funciona como uma indenização justa, que recompõe o que o servidor deixou de usufruir por interesse da Administração.

Muitos servidores deixam de buscar esse direito por desconhecimento ou por acharem que “já passou o tempo”.

Mas, como vimos, a lei e a jurisprudência estão ao lado do servidor, e existem caminhos seguros - administrativos e judiciais - para reaver esses valores.

Assim, se você é servidor público, aposentado ou herdeiro de um servidor que deixou períodos de licença-prêmio sem usufruir, vale a pena consultar um advogado especialista.

Esse pode ser um valor que está sendo indevidamente retido - e que pertence a você por direito.

Afinal, quem serviu com dedicação merece ser reconhecido, não apenas com palavras, mas com justiça e dignidade.

Autor

Juliane Vieira de Souza Advogada com especialização em direito público e direito do trabalho, atua na área administrativa com foco em CANDIDATOS DE CONCURSO PÚBLICO e SERVIDORES PÚBLICOS perante atos ilegais praticados pela Administração Pública, e ainda atuando em Processo Administrativo Disciplinar (PAD), em Ações de Ato de Improbidade Administrativa e atuação em acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, com 10 anos de experiência na área. Possui muitos trabalhos voluntários prestados à sociedade e a Ordem dos Advogados. É Conselheira Seccional da OAB/GO 2022/2024. Secretária-Geral da Comissão de Exame de Ordem e Estágio da OAB/GO.

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