As empresas, enquanto sujeitos da reclamação de emprego, também têm direitos. São regidas pelo Direito Empresarial, que abrange proteção da propriedade privada, livre concorrência, direito à livre iniciativa, e até direitos trabalhistas e tributários. O contrato de trabalho é bilateral, com obrigações recíprocas entre empregado e empregador e oneroso, envolvendo pagamentos e vantagens econômicas para ambas as partes de forma que essa relação tem que ser sempre equilibrada, sendo essas características fundamentais para sua natureza jurídica, onde o trabalho é trocado por salário e direitos para ambas as partes. Esses ensinamentos, que todo operador do Direito aprende na graduação, têm sido esquecidos por boa parte da Justiça do Trabalho, quando o tema é benefício de assistência médica e concessão de planos de saúde.
Seja por imposição da norma coletiva ou por mera liberalidade, as empresas acabam por preencher uma lacuna social deixada pelo Estado, que não consegue cumprir a sua função constitucional de oferecer saúde de qualidade aos cidadãos. Esse é o primeiro ponto que deve ser lembrado pelos magistrados, quando se vai julgar um caso ligado à manutenção ou não do benefício da assistência médica.
Tem se tornado cada vez mais frequente, na Justiça do Trabalho, a concessão de tutelas de urgência determinando o restabelecimento de planos de saúde e, não raras vezes, a própria reintegração do empregado, com fundamento exclusivo em situações pessoais sensíveis ou em condições de saúde graves. Sob o discurso da proteção do hipossuficiente, a Justiça especializada passa a atuar como instância de correção ampla de desigualdades materiais, descolando-se, porém, dos limites colocados pela legislação trabalhista, pelo princípio da legalidade e pelo próprio desenho constitucional do direito potestativo de despedir.
Muito se diz sobre a função social da empresa. Sim ela existe e as empresas já assumem o risco da sua atividade econômica. É o que chamamos de princípio da alteridade, mas quais são os riscos que as empresas assumem ao celebrar um contrato de trabalho? A resposta é simples: aqueles previstos na lei e nas normas coletivas. O princípio que norteia essa relação tem que ser o da legalidade, sob pena de se criar um universo de insegurança jurídica que inibe a vontade empresarial de oferecer algo à mais do que a lei prevê. Aquilo que não está previsto na lei, não pode ser imposto “goela abaixo” nas empresas sendo que a função da Justiça do Trabalho não é distribuir renda, como andaram defendendo alguns Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, mas sim distribuir justiça e pacificação social.
Como bem comentou Nelson Mannrich1, professor de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, o Tribunal Superior do Trabalho erra ao intitular-se “o Tribunal da Justiça Social” - lema adotado pela corte em 2022 - porque sua função histórica é buscar a pacificação social por meio da conciliação entre as demandas de patrões e empregados.
Ao determinar que uma empresa reestabeleça o plano de saúde de um trabalhador que foi dispensado, é importante que o magistrado tenha em mente o impacto que decisões como essa causam nas apólices de seguro. Para amparar um trabalhador individual, se esquecem que o benefício é coletivo e podem impactar toda uma negociação sindical do ano seguinte.
A CF/88 assegura ao trabalhador a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, prevendo a indenização compensatória por dispensa imotivada. A consequência que o constituinte estabeleceu, portanto, não é a proibição de despedir, mas a obrigação de indenizar. A CLT, por sua vez, estrutura o contrato de trabalho sob a premissa da continuidade, sem transformar esse vínculo em relação vitalícia ou blindada contra os riscos econômicos do empreendimento. A despedida sem justa causa é um ato lícito, desde que respeitados os requisitos formais e o pagamento das verbas rescisórias legalmente devidas, devendo receber a proteção do ato jurídico perfeito.
Nesse contexto, quando decisões de antecipação de tutela determinam que a empresa mantenha indefinidamente o plano de saúde de ex empregados ou reintegre trabalhadores sem suporte em uma estabilidade legal ou convencional minimamente definida, opera-se, na prática, uma supressão judicial do direito potestativo de despedir.
O empregador, embora formalmente autorizado pela CF e pela CLT a rescindir o contrato, passa a conviver com uma espécie de estabilidade judicial construída casuisticamente, sem lastro normativo claro e muitas vezes motivada exclusivamente pela situação pessoal do trabalhador, por mais dramática que seja.
O problema não está em reconhecer a vulnerabilidade do empregado, nem em admitir que o plano de saúde tenha relevância social inegável. O ponto crítico é transformar essa vulnerabilidade em fundamento suficiente para afastar, por decisão liminar, toda a lógica do regime jurídico trabalhista. A tutela de urgência prevista no CPC exige probabilidade do direito e perigo de dano, mas não autoriza a criação de direitos inexistentes no ordenamento, sob pena de se incentivar o ativismo judicial.
A probabilidade deve ser aferida em relação a direitos já previstos e delimitados pela legislação. É esse o risco da atividade que a empresa assume ao contratar um empregado e jamais em relação a um ideal abstrato de justiça social que o julgador, legitimamente sensibilizado, deseje concretizar naquele caso específico.
A prática revela alguns exemplos eloquentes dessa dissonância. Senão vejamos: os exames médicos ocupacionais, como o atestado de saúde ocupacional demissional, são exigidos do empregador e, se ausentes, servem como forte indício de irregularidade na gestão de saúde e segurança do trabalho. Entretanto, quando o exame é realizado e atesta a aptidão do empregado para o trabalho na data da rescisão, esse mesmo documento, em diversas decisões, passa a ser relativizado ou simplesmente desconsiderado diante de laudos posteriores unilaterais ou de alegações genéricas de doença. Cria se, assim, um cenário em que o cumprimento do dever legal pelo empregador não gera segurança jurídica alguma: se o exame não existe, presume se culpa; se existe e aponta aptidão, ele “não vale” por não corresponder à conclusão subjetiva desejada no processo.
O mesmo raciocínio se observa em tutelas que restabelecem planos de saúde após o término do contrato, ainda que a regulamentação do benefício, as normas coletivas ou o próprio contrato sejam expressos ao vincular a cobertura à condição de empregado ativo. Em vez de se discutir, à luz da lei e da jurisprudência consolidada, se há efetivamente uma hipótese de manutenção obrigatória do plano em razão de acidente do trabalho, aposentadoria por invalidez ou outro cenário tipificado em norma, parte se diretamente da premissa de que é “injusto” o desligamento de quem se encontra doente. A consequência disso é a criação de uma estabilidade fática, mantida por anos por meio de decisões liminares renovadas, sem que jamais se discuta a compatibilidade dessa situação com o regime legal vigente.
E não é só! Diversas decisões determinam que a empresa restabeleça o plano de saúde sem se atentar que o benefício previa uma coparticipação. Com efeito, se o empregado não está mais na folha e o processo ainda não determinou a estabilidade ou a reintegração ao emprego, como a empresa fará para descontar o valor do trabalhador? E se a decisão ao final for de improcedência, quem ressarcirá a empresa de todos os gastos que teve com a tutela antecipada? As empresas precisam trazer à baila todos esses detalhes para que a Justiça do Trabalho possa compreender o transtorno que essas decisões causam às empresas.
Presunção da má-fé empresarial: Não se ignora a existência de dispensa discriminatória, nem a construção jurisprudencial que, a partir de determinadas circunstâncias, admite a presunção de discriminação na rescisão contratual de trabalhadores com doenças graves. Todavia, mesmo nesses casos, a tutela jurisdicional precisa guardar coerência com a prova mínima dos autos e com o próprio sistema normativo. Quando se presume discriminação, inverte-se a lógica hermenêutica do direito que é justamente a contrária. A boa fé deve sempre ser presumida! Cada vez mais comum os casos em que presumiu-se a má-fé empresarial unicamente porque o empregado apresenta algum problema de saúde, sem análise da realidade econômica da empresa, sem confronto com o histórico funcional e sem qualquer indício concreto de intenção discriminatória, substitui se o critério jurídico pelo puro juízo de compaixão, o que converte o processo do trabalho em espaço de proteção ilimitada, dissociado das regras que o estruturam.
Sob o cômodo argumento de se evitar dano irreparável, tais decisões instituem verdadeira estabilidade processual. O empregador é compelido a manter vínculo, plano de saúde, salário e demais benefícios até o trânsito em julgado, independentemente da probabilidade efetiva de procedência do pedido principal. Em muitos casos, ao final, a demanda é julgada improcedente ou parcialmente procedente, mas, durante anos, o ônus econômico e a perda da liberdade de gestão recaíram exclusivamente sobre a empresa. A tutela provisória, que deveria ser excepcional já que também pode causar um dano irreparável para as empresas, convertendo-se em solução estrutural, funcionando como instrumento de redistribuição de riscos empresariais sem qualquer previsão na CLT ou em lei específica.
Ao assumir esse papel de órgão reparador universal de desigualdades, a Justiça do Trabalho corre o risco de desfigurar seu próprio desenho constitucional. Em vez de garantir a aplicação da lei em contexto de assimetria entre capital e trabalho, aproxima se de uma função assistencial, substituindo políticas públicas e mecanismos de seguridade social. O resultado é uma sobrecarga do empregador individual, chamado a suportar sozinho o custo de problemas estruturais de saúde, previdência e inclusão social. Não se trata de negar a relevância humana desses casos, mas de reconhecer que a sua solução adequada exige instrumentos de política pública, e não a criação, por via judicial, de estabilidades e garantias não previstas em lei.
A utilização excessiva do princípio da dignidade da pessoa humana. Outro princípio também muito utilizado nas decisões consideradas ativistas diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. A maioria das vezes que uma decisão cita esse princípio, é porque faltou fundamento jurídico que amparasse a decisão. Em um cenário de intensa litigiosidade e de insegurança econômica, a previsibilidade das decisões é condição indispensável para a manutenção de postos de trabalho e para a própria existência de empresas dispostas a contratar. Quando a mensagem que se envia é a de que qualquer tentativa de desligamento de trabalhador que esteja doente, em tratamento ou em condição de maior vulnerabilidade será revertida liminarmente, sob o argumento da dignidade da pessoa humana, ainda que sem base normativa expressa, incentiva-se o comportamento defensivo do empregador. A resposta racional das empresas passa a ser evitar contratações de maior risco, ainda que isso, paradoxalmente, sacrifique exatamente os grupos que se pretende proteger. Como diria o poeta: “água demais, mata a planta!”
A título de amostragem, cite-se três ações em que a tutela de urgência ilustra, de forma didática, esse alargamento (para não dizer ativismo judicial) indevido:
No processo 0101245-62.2025.5.01.0022, houve mera migração contratual de um plano de saúde corporativo para outro, com manutenção de assistência por rede diversa, mas o juízo, em tutela antecipada, determinou o restabelecimento do plano anterior - já inexistente na relação empresarial - fixando multa diária, impondo ao empregador obrigação materialmente impossível.
No processo 0011047-84.2025.5.15.0152, deferiu-se tutela para restabelecer o plano de saúde exclusivamente pelo fato de o reclamante ser pai de uma criança com síndrome de Down, inicialmente com custeio a cargo do empregado; diante de questionamento posterior sobre o valor da mensalidade e da dificuldade da operadora em detalhar a formação do preço, o juízo concluiu pelo suposto descumprimento e passou a obrigar a empresa a custear integralmente o benefício, autorizando o desconto de apenas R$ 169,00, valor tomado do último holerite, em verdadeira redefinição judicial do modelo de custeio.
Já no processo 1001115-58.2024.5.02.0441, determinou-se o restabelecimento do plano de saúde com custeio integral pela empresa, apesar de laudo pericial categórico pela inexistência de nexo causal tampouco concausal entre a doença e o trabalho, esvaziando a prova técnica e criando, na prática, uma “estabilidade pela doença” sem qualquer suporte em estabilidade legal ou norma coletiva.
A crítica que se coloca à Justiça do Trabalho, portanto, não é a de que protege em excesso o hipossuficiente, mas a de que, em muitos casos, o faz à margem da legalidade estrita, expandindo o alcance da tutela de urgência para além dos contornos delineados pelo ordenamento.
A proteção do trabalhador não se fortalece quando se relativizam os princípios da segurança jurídica, da legalidade e da separação de poderes; ao contrário, ela se torna mais frágil, porque fica à mercê da sensibilidade individual de cada julgador. Magistrados se esquecem que o ex-empregado deixa a proteção empresarial, mas continuam podendo se socorrer do sistema oferecido pelo Estado. Esse sim, tem o dever constitucional de garantir saúde.
O desafio que se impõe é resgatar a centralidade da lei e dos parâmetros normativos na concessão de tutelas provisórias, para que a Justiça do Trabalho deixe de ser percebida como instância de caridade e volte a ser, de maneira incontestável, o espaço institucional de aplicação técnica e equilibrada do Direito do Trabalho.
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1 Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2025-dez-05/papel-da-justica-do-trabalho-nao-e-distribuir-renda-afirma-professor/#:~:text=O%20papel%20essencial%20da%20Justi%C3%A7a,da%20Seguridade%20Social%20da%20USP.> data de acesso: 09/12/2015.