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Novo paradigma da improbidade administrativa: Dolo específico em foco

Confronto de leis, com aplicação do Tema 1.199 STF e preenchimento necessário dos requisitos para caracterização do ilícito da improbidade administrativa.

17/12/2025
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Introdução

A LIA - Lei de Improbidade Administrativa (lei 8.429/1992) sofreu uma profunda reestruturação com a edição da lei 14.230/21, que impôs a necessidade de comprovação do DOLO ESPECÍFICO para a tipificação dos atos ímprobos. A mudança legislativa foi respaldada pela Suprema Corte e tem gerado reflexos diretos nas ações judiciais em curso. Recentemente, a 2ª Câmara Cível do TJ/TO, ao julgar a apelação cível 0009192-62.2020.8.27.2706/TO, reforçou o novo paradigma, reformando integralmente uma sentença condenatória para julgar improcedentes os pedidos iniciais.

Este artigo visa analisar o julgamento do TJ/TO, confrontando a legislação anterior com a nova e examinando a aplicação do Tema 1.199 do STF e a essencialidade do dolo específico.

A mutação legislativa e o Tema 1.199 do STF

O ponto central da controvérsia e da mudança na LIA reside no elemento subjetivo. A redação original do art. 10, caput, que trata de atos que causam lesão ao erário, admitia a modalidade culposa na conduta do agente.

Com a lei 14.230/21, o legislador foi categórico ao exigir o dolo em todos os tipos de improbidade (Arts. 9, 10 e 11). O texto legal passou a estipular que "considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9, 10 e 11 desta lei, NÃO BASTANDO A VOLUNTARIEDADE DO AGENTE" (Art. 1 § 2, da LIA).

Essa exigência foi chancelada pelo STF no julgamento do Tema 1.199 de repercussão geral, que fixou teses mandatórias para a Justiça brasileira:

Dolo obrigatório

É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos arts. 9, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo - DOLO.

Retroatividade da norma benéfica

A nova lei 14.230/21 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa da modalidade culposa.

O acórdão do TJ/TO utilizou-se, precisamente, da tese 3º do STF para reanalisar o caso sob a égide da nova lei, determinando que o juízo competente deve analisar o eventual dolo por parte do agente, mesmo que o ato tenha ocorrido sob a legislação anterior.

A análise do TJ/TO: Da presunção à necessidade de prova

O caso concreto envolvia a condenação de um ex-gestor municipal por omissão no repasse de verbas destinadas ao PASEP - Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, o que teria causado lesão ao erário (Art. 10, caput, na redação antiga).

A sentença de primeiro grau havia fundamentado a condenação em meras PRESUNÇÕES E ILAÇÕES, inferindo a existência de dolo:

"O dolo é evidente, pois. É de se presumir, ainda, que os valores não recolhidos foram utilizados de outra forma, em destinação diversa daquela prevista em orçamento...".

O voto da relatora, desembargadora Angela Maria Ribeiro Prudente, demonstrou que essa presunção é insustentável no novo regime da LIA. O Tribunal refutou o uso do chamado "dolo genérico", exigindo que o Ministério Público demonstrasse, com precisão e individualização, a intenção livre e consciente do agente de causar o resultado ilícito.

O acórdão deixou claro que:

  • A alegação do MPE de "desprezo com a coisa pública" é genérica e insuficiente para configurar o dolo específico.
  • A omissão na arrecadação ou o exercício irregular de atribuições administrativas, sem prova de má-fé ou desonestidade, caracteriza MERA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA, e não improbidade.
  • Conforme a jurisprudência invocada no voto, a configuração do ato de improbidade exige a demonstração de DOLO ESPECÍFICO E DE DANO EFETIVO AO ERÁRIO, não se admitindo interpretações extensivas ou presunções de dolo.

Ao final, o TJ/TO reconheceu a ausência de demonstração do dolo específico, afastando a responsabilização do ex-gestor e julgando improcedentes os pedidos iniciais, reformando integralmente a sentença condenatória.

Conclusão

O julgamento da apelação cível pelo TJ/TO é emblemático e reflete a nova postura do Poder Judiciário em relação à lei de improbidade administrativa. A decisão serve como um importante precedente, ao reforçar que, após a lei 14.230/21 e o Tema 1.199 do STF, não há mais espaço para a condenação baseada em presunções, dolo genérico ou má gestão.

O Direito Administrativo Sancionador exige agora a prova robusta e inequívoca da má-fé, da desonestidade e da vontade deliberada de alcançar um resultado ilícito. Este rigor protege o administrador público de boa-fé, garantindo que as sanções drásticas da LIA sejam aplicadas apenas contra o agente que, comprovadamente, agiu com propósito ímprobo.

Autor

Wanderson José Lopes Ferreira Advogado Criminalista. Conselheiro Nacional da Advocacia Criminal-CNAC. Membro Com. Eleitoral OAB/TO. Mestrando C. Criminais. Especialista Improbidade Administrativa,Direito Penal Econômico e Proc.Civil.

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