Migalhas de Peso

Terceirização, dono da obra e gestão de terceiros: Quando o contrato não basta para blindar sua empresa

A escolha e fiscalização do prestador definem riscos trabalhistas e os limites da tese do dono da obra em contratos de terceirização.

18/12/2025
Publicidade
Expandir publicidade

Quando uma empresa decide terceirizar, quase sempre pensa em custo, agilidade e “tirar problema da frente”. O que muita gente ainda não percebe é que, do ponto de vista trabalhista, terceirização nunca é só contrato comercial. Ela envolve escolha de parceiro, gestão contínua e, em muitos casos, discussão séria sobre responsabilidade subsidiária e até solidária.

É nesse cenário que entram dois eixos fundamentais: a chamada tese do dono da obra e a forma como a empresa escolhe e gerencia o terceiro que presta serviços dentro do seu negócio. Mais do que conceitos jurídicos abstratos, isso mexe diretamente com o bolso, com a imagem e com a tranquilidade do empresário. Imagine uma indústria, um hospital, um grande varejista ou mesmo uma rede de farmácias.

Em determinado momento, é preciso ampliar a sede, construir um novo centro de distribuição ou reformar uma unidade. Contrata-se uma empresa de engenharia para tocar a obra. No papel, parece simples: a contratada assume a execução, fornece a mão de obra, organiza o canteiro, paga salários, recolhe encargos. A contratante apenas paga a nota no fim do mês.

É aí que surge o discurso: “Somos apenas o dono da obra, não temos nada a ver com os empregados da empreiteira.” Do ponto de vista jurídico, a tese do dono da obra realmente foi construída para proteger aquele que não atua no ramo da construção civil como atividade econômica e que contrata uma empreiteira para realizar um empreendimento pontual. Em tese, esse dono da obra não deveria responder automaticamente pelos débitos trabalhistas da empresa contratada.

Mas o problema é que a vida real não cabe inteira dentro da “tese”. Se a contratada não paga salários, se acumula ações trabalhistas, se deixa de recolher encargos, se a obra funciona na prática como uma grande terceirização de mão de obra sem autonomia, o Judiciário começa a fazer perguntas desconfortáveis.

Houve cuidado na escolha dessa empresa? Houve algum acompanhamento durante a execução do contrato? O dono da obra manteve distância, ou passou a mandar diretamente nos empregados terceirizados, controlando jornada, determinando funções, substituindo o papel da empregadora?

Quando essas respostas são desfavoráveis, a distância entre “dono da obra” e tomador de serviços responsável fica muito pequena. E é justamente nesse ponto que a discussão sobre responsabilidade subsidiária e solidária entra em cena.

Na responsabilidade subsidiária, a lógica é a seguinte: o empregador direto é o primeiro chamado a pagar; se ele não honra a dívida, a empresa contratante aparece na sequência. É como se o Judiciário dissesse: “Você pode até não ser o empregador, mas se beneficiou da força de trabalho e não cuidou minimamente da regularidade dessa relação, vai ajudar a pagar a conta.”

Já a responsabilidade solidária é mais pesada: trabalhador e advogado não precisam “esperar” a exaustão de tentativas contra o empregador direto. Podem cobrar integralmente de qualquer um que esteja no polo passivo, inclusive da contratante. Solidária é, em outras palavras, colocar todos no mesmo barco - pelo menos do ponto de vista financeiro.

Para o empresário, às vezes pouco importa o rótulo técnico. O que ele sente é o efeito prático: ser chamado a responder por dívidas de uma empresa que ele nunca geriu, mas com a qual manteve contrato, muitas vezes firmado olhando apenas o menor preço.

É aqui que entram dois conceitos cruciais, que deveriam ser incorporados ao vocabulário diário de quem contrata terceiros: culpa in eligendo e culpa in vigilando.

Culpa in eligendo diz respeito à escolha do parceiro. Não é mais aceitável, em um ambiente de alta judicialização trabalhista, selecionar prestadores com base apenas em “quem faz mais barato”. Quando o juiz analisa uma terceirização, uma das primeiras perguntas é: “A empresa contratante tomou algum cuidado na hora de escolher essa prestadora? Ou fechou contrato de olhos fechados, ignorando sinais evidentes de risco?”

Uma escolha minimamente responsável envolve: olhar histórico da empresa terceirizada; verificar sua estrutura real (tem RH, DP, SST estruturados ou é só um CNPJ com um computador?); analisar quantidade e perfil de processos trabalhistas; exigir certidões, comprovações de regularidade fiscal e previdenciária; avaliar se ela tem condições econômicas de suportar a folha que está assumindo.

Já a culpa in vigilando trata da fiscalização durante o contrato. Não adianta escolher relativamente bem no começo e depois abandonar a relação: pagar a nota e fingir que não sabe o que acontece com salários, FGTS, horas extras, EPIs, exames médicos. Do ponto de vista jurídico, essa omissão pesa.

Uma empresa que terceiriza de forma responsável: estabelece contratualmente a obrigação de envio periódico de documentos (folha, guias de recolhimento, comprovantes de férias, rescisões, etc.); cria rotina de acompanhamento, com reuniões registradas, troca de relatórios e, quando necessário, notificações formais; prevê, em contrato, mecanismos de retenção de pagamentos e até rescisão em caso de descumprimento trabalhista relevante; observa o dia a dia dos terceirizados nas suas instalações, sem assumir a subordinação direta, mas sem fechar os olhos para condições claramente irregulares.

Note que, em nenhum momento, se está pedindo que o empresário se transforme em auditor do Estado. O que se espera é gestão mínima, coerente com o porte da contratação e com os riscos envolvidos.

Quando a empresa tem como postura “eu só contrato, o problema é da terceirizada”, ela abre uma janela enorme para que, em uma audiência, se construa a narrativa de que houve benefício direto da mão de obra, sem qualquer preocupação com os direitos básicos daquele trabalhador. E é dessa narrativa que nascem muitas condenações subsidiárias - e, em situações mais graves, solidárias.

A tese do dono da obra, nesse contexto, pode até ser levantada como argumento de defesa, principalmente em obras que não têm relação com a atividade-fim da empresa. Porém, se o conjunto probatório aponta para: ausência total de diligência na escolha; omissão completa na fiscalização; participação direta na gestão dos empregados terceirizados; ou mesmo indícios de fraude ou simulação;

A tendência é que essa tese perca força. Na prática, o Judiciário olha muito mais para a realidade dos fatos do que para o rótulo bonito no contrato.

Do ponto de vista da gestão de pessoas, há ainda um outro impacto que muitas vezes passa despercebido: o reflexo interno. Quando o quadro próprio observa a forma como os terceirizados são tratados - muitas vezes sem uniforme adequado, sem EPI, com atrasos salariais crônicos - a mensagem que fica é de que a empresa contratante “tolera” esse tipo de prática, desde que não seja com seus próprios empregados.

Isso corrói cultura, imagem interna e clima organizacional. Ou seja, a má gestão de terceiros não é só um problema técnico-jurídico; é um problema de coerência institucional. Por outro lado, empresas que levam a sério a gestão de terceiros constroem um discurso muito mais robusto para se defender e, principalmente, para prevenir problemas. Elas conseguem demonstrar em juízo que:

  • Fizeram uma seleção séria do prestador;
  • Mantiveram acompanhamento sistemático;
  • Reagiram a tempo diante de sinais de inadimplência trabalhista;
  • Registraram tudo isso, criando um histórico de boa-fé e diligência.

Quando esse conjunto de fatos é colocado nos autos, a discussão deixa de ser simplesmente “o tomador sempre responde” para se tornar: “essa empresa fez, objetivamente, a sua parte”. Isso não é garantia absoluta de afastar toda e qualquer responsabilidade, mas altera substancialmente o peso da decisão.

No fim das contas, terceirização, tese do dono da obra, responsabilidade subsidiária ou solidária, culpa in eligendo e culpa in vigilando são peças de um mesmo quebra-cabeça. Para o empresário e para a gestão de pessoas, a chave está em enxergar que:

  • Não existe terceirização neutra em termos de risco trabalhista;
  • O contrato é importante, mas não substitui a governança;
  • A postura da empresa na escolha e na gestão do prestador conta - e muito - no momento em que um juiz vai decidir quem paga a conta.

Terceirizar com responsabilidade significa sair da lógica do “paga a nota e reza para não ter processo” e entrar numa lógica de parceria monitorada, em que o prestador é visto como extensão da cadeia de valor - e não como um “escudo” para esconder passivos.

Para quem está na liderança, o convite é simples: olhar para os terceiros que hoje circulam nos seus corredores e se perguntar, com honestidade: “Se um juiz me perguntasse amanhã o que eu faço, de forma concreta, para garantir que esses trabalhadores não estão sendo explorados, eu teria o que mostrar?”

Se a resposta for “não sei” ou “praticamente nada”, não é a tese do dono da obra que vai resolver. É a hora de estruturar, de verdade, uma gestão de terceiros que esteja à altura dos riscos - e do tamanho do seu negócio.

Autor

Marcus Linhares Head Trabalhista do escritório André Menescal Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos