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Armazéns gerais e regimes aduaneiros: Balanço geral 2025

Evolução dos armazéns gerais e dos regimes aduaneiros no Brasil em 2025: panorama técnico-jurídico, impactos operacionais e tendências de compliance.

30/12/2025
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1. Introdução

O ano de 2025 consolidou um movimento simultâneo de (i) expansão e sofisticação do mercado de armazenagem - com especial relevância para estruturas capazes de operar em alta conformidade fiscal e aduaneira - e (ii) aceleração da modernização do comércio exterior brasileiro, notadamente pela migração faseada das importações ao Portal Único Siscomex por meio da Duimp - Declaração Única de Importação. A convergência desses vetores reposiciona o armazém geral (decreto 1.102/1903) como infraestrutura estratégica de governança logística e documental, especialmente quando integrado a regimes aduaneiros especiais e a recintos alfandegados, com reflexos diretos em risco fiscal (ICMS), rastreabilidade, integração sistêmica (WMS/ERP) e gestão de prazos de permanência sob controle aduaneiro.

2. Panorama de mercado em 2025: Armazenagem como infraestrutura crítica

Em 2025, a armazenagem brasileira apresentou sinais objetivos de incremento de capacidade e de demanda, com destaque para o agronegócio e para a logística de distribuição. No 1º semestre de 2025, a capacidade disponível de armazenagem agrícola alcançou 231,1 milhões de toneladas, com crescimento de 1,8% frente ao semestre anterior, e aumento do número de estabelecimentos. Esse indicador é relevante porque a armazenagem “puxa” investimentos em tecnologia, rastreabilidade e contratos logísticos mais sofisticados (SLA, responsabilidade por perdas, seguros e auditoria).

No plano macrosetorial, a expansão do estoque e a dinâmica de absorção de galpões logísticos em 2025 - acompanhadas por níveis de vacância que sinalizam reequilíbrio entre oferta e demanda - reforçam a tendência de profissionalização do setor, com exigência crescente de governança documental e integração com comércio exterior e tributação indireta (ICMS/ISS), sobretudo em operações triangulares e cadeias longas (fornecedores–armazém–clientes).

3. Armazém geral no Direito brasileiro: Natureza, limites e efeito tributário-operacional

O armazém geral é disciplinado pelo decreto 1.102, de 21/11/1903, permanecendo como marco normativo fundamental para a armazenagem sob regime legal. Do ponto de vista jurídico, o armazém geral não se confunde com comerciante da mercadoria depositada: sua função é de guarda, conservação e entrega, nos termos de responsabilidade legal.

A jurisprudência do STJ é expressiva ao reconhecer a centralidade do dever de guarda e de restituição fiel no depósito em armazém geral, com base no art. 11, § 1º, do decreto 1.102/1903, em precedente que ressalta a responsabilidade pela pronta e fiel entrega das mercadorias recebidas em depósito.

No âmbito estadual paulista - relevante como referência técnica dada a densidade regulatória do RICMS-SP - a disciplina do anexo VII (capítulo II – armazém geral) estrutura a não incidência do ICMS na remessa para depósito (art. 7º, I, do RICMS/2000) e o fluxo documental (remessas, retornos físicos e simbólicos), impondo aderência estrita a CFOPs e à governança de documentos fiscais. Em 2025, respostas formais da SEFAZ/SP reforçaram a necessidade de (i) qualificação efetiva como armazém geral (inclusive registro) e (ii) observância rigorosa das regras do Anexo VII, inclusive em cenários mais complexos (transferência de armazenagem entre armazéns do mesmo grupo; operações interestaduais; vendas a partir do armazém).

4. Regimes aduaneiros em 2025: O vetor Portal Único, Duimp e “compliance by design”

O eixo central da evolução aduaneira em 2025 foi a consolidação do NPI - Novo Processo de Importação, com avanço do cronograma de migração de operações para a Duimp no Portal Único Siscomex. Em atualização de março de 2025, o governo estabeleceu marcos de obrigatoriedade: a partir de 1/4/25, importações por modal marítimo sujeitas à anuência em regimes específicos (como Recof, Repetro e Admissão Temporária) deveriam ser processadas obrigatoriamente por Duimp.

Adicionalmente, a gestão de dados tornou-se elemento nuclear do compliance: comunicados oficiais do Siscomex-Importação em 2025 registraram ajustes de atributos do catálogo de produtos e da Duimp decorrentes da adesão de órgãos anuentes como Mapa e Anvisa. Na prática, isso elevou o custo de não conformidade informacional: descrições incompletas, atributos divergentes e cadastros não governados passam a gerar riscos de parametrização, exigências e atrasos, com impacto direto em armazenagem (demurrage/detention), custos portuários e planejamento de estoque.

Sob o plano normativo, o regulamento aduaneiro (decreto 6.759/09) permanece como a base estruturante do regime jurídico-aduaneiro, incluindo institutos como trânsito aduaneiro, admissão temporária, exportação temporária e regimes de entrepostagem. Em 2025, a Receita Federal também promoveu ajustes normativos pontuais sobre regimes específicos (ex.: Recof), evidenciando o caráter dinâmico do arcabouço e a necessidade de monitoramento contínuo.

5. O “encontro” entre armazém geral e regimes aduaneiros: modelos operacionais em 2025

A convergência entre a disciplina do armazém geral e os regimes aduaneiros não é apenas física (armazenar), mas jurídico-documental. Em 2025, o vetor Duimp/catálogo reforçou uma lógica de “compliance by design”: o dado passa a ser requisito do desembaraço, e a governança do dado depende de processos e sistemas (WMS/ERP) alinhados ao desenho fiscal e aduaneiro.

Modelos operacionais típicos (em 2025) incluem:

a) Armazenagem doméstica sob regime de armazém geral (ICMS: fluxos de remessa/retorno e saídas por conta e ordem do depositante), com foco em operações triangulares e documentação simbólica;

b) Armazenagem em recinto alfandegado com possibilidade de operar regimes (p. ex., entreposto aduaneiro na importação) - cenário em que o controle aduaneiro, o registro e a rastreabilidade são condicionantes do próprio regime;

c) Integração híbrida: Operadores que mantêm áreas e processos segregados (mercadoria nacional x mercadoria sob controle aduaneiro), com trilhas de auditoria e conciliações (estoque físico x estoque fiscal/aduaneiro).

A jurisprudência administrativa federal (Carf) revela, em casos concretos, a centralidade de definir com precisão a figura do beneficiário do regime e as obrigações documentais no entreposto aduaneiro, destacando como a condição de beneficiária pode ser determinante para a análise de regularidade de registros (declarações e reexportação, por exemplo).

6. ICMS-importação e logística aduaneira: Impacto jurisprudencial e governança de destino

Um ponto de convergência crítica entre logística, regimes aduaneiros e tributação indireta é o ICMS-importação. A jurisprudência do STF no Tema 520 fixou tese de que o sujeito ativo do ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado em que está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação, com transferência de domínio. Em 2025, discussões e consultas estaduais continuaram a refletir esse entendimento, com implicações diretas na modelagem logística (local do desembaraço x destino jurídico), na contratação de recintos e no desenho de cadeias com armazéns e centros de distribuição.

No plano operacional, esse entendimento impõe cuidados adicionais em arranjos que combinam importação, armazenagem e posterior distribuição, especialmente quando há múltiplos estabelecimentos e estados envolvidos. A governança do “destinatário legal” deve estar refletida de ponta a ponta: contratos, documentos de importação, cadastros de intervenientes e parametrização sistêmica.

7. Reforma tributária (LC 214/25) e regimes: A agenda de transição e riscos

A LC 214/25, no contexto da regulamentação inicial da reforma tributária sobre o consumo, projeta impactos relevantes sobre cadeias logísticas, inclusive na forma como créditos, regimes diferenciados e obrigações acessórias serão operacionalizados durante a transição (a partir de 2026). Embora a reforma não revogue, por si só, o decreto 1.102/1903 nem o regulamento aduaneiro, ela afeta o “ambiente” de tributação do consumo e, por consequência, a precificação de serviços logísticos, a governança de créditos e a necessidade de parametrização sistêmica compatível com IBS/CBS.

Em 2025, já se observou incremento de demanda por revisão de contratos logísticos e por mapas de risco fiscal-operacional, justamente para evitar que modelos “tradicionais” de armazenagem e distribuição passem a produzir efeitos tributários não previstos (ou disputas de competência).

8. Conclusões e recomendações técnico-jurídicas para 2026 (a partir do que 2025 consolidou)

A leitura integrada de 2025 permite afirmar que a evolução do mercado de armazéns gerais e regimes aduaneiros foi marcada por: (i) aumento de capacidade e profissionalização do setor de armazenagem, (ii) fortalecimento da “governança de dados” no comércio exterior via Duimp/Catálogo, e (iii) adensamento de riscos tributários e documentais em cadeias complexas.

Recomendações objetivas:

1) Governança documental e sistêmica: Mapear processos e parametrizar WMS/ERP para refletir, sem ambiguidades, as naturezas de operação (nacional x regime), trilhas de auditoria e conciliações de estoque;

2) Compliance aduaneiro: Acompanhar cronogramas de migração e comunicados Siscomex, reforçando a qualidade de dados do Catálogo de Produtos e integração com anuentes;

3) Compliance fiscal (ICMS/ISS): Aderência estrita aos regimes estaduais (ex.: Anexo VII do RICMS-SP) e às teses vinculantes (STF Tema 520), evitando modelagens que conflitem com o “destinatário legal”;

4) Contratos e responsabilidade: Atualizar SLAs, matriz de responsabilidade por perdas, seguros e prazos, alinhando-os ao dever de guarda e entrega do depósito (decreto 1.102/1903) e às exigências do controle aduaneiro;

5) Preparação para a transição IBS/CBS: Revisar precificação, cláusulas de repasse tributário e obrigações acessórias diante da LC 214/25, prevenindo litígios e assimetrias contratuais.

Em síntese, 2025 consolidou uma inflexão: armazenagem e regimes aduaneiros passaram a operar sob uma lógica de integração tecnológica e exigência informacional que transforma o armazém geral - quando corretamente qualificado e gerido - em ativo de governança, e não apenas de espaço físico.

_________

Decreto 1.102/1903 (Armazéns Gerais).

Decreto 6.759/09 (Regulamento Aduaneiro).

Portal Único Siscomex – Cronograma de ligamento Duimp e comunicados Siscomex-Importação (2025).

LC 214/25 (Reforma Tributária – IBS/CBS/IS).

RICMS-SP (decreto nº 45.490/2000), Anexo VII, Capítulo II (Armazém Geral) e Respostas à Consulta (SEFAZ/SP – 2025).

STF – Tema 520 (ICMS-importação: sujeito ativo é o Estado do destinatário legal).

STJ – REsp 1.217.701 (referência ao art. 11, §1º, do decreto 1.102/1903, dever de guarda e entrega).

CARF – acórdãos sobre entreposto aduaneiro (casuística sobre beneficiário do regime e registros).

Autor

Ronaldo Paschoaloni Especialista em Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro-UNISANTA; Perito Judicial -Credenciado pelo CRA-SP; Extensão Gestão Estratégica FGV-EAESP SP.Fundador GENERAL DOCK CONSULTORIA E LOGÍSTICA LTDA.

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