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Lei que dá autonomia ao BC está sob análise do Supremo

Discute-se a falta de iniciativa do presidente da República no projeto de lei aprovado, mas argumento não convence. Entenda.

20/6/2021

O STF analisa ação que questiona a autonomia do Banco Central do Brasil, instituída pela LC 179/21, sancionada em fevereiro pelo presidente Bolsonaro.

O caso começou a ser julgado na sexta-feira, 18, e recebeu voto do relator, ministro Lewandowski, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Barroso.

Na ADIn 6.696, PSOL e PT pontuam que a nova lei ofende a competência privativa do presidente da República na iniciativa de projeto que garante a autonomia do Banco Central, conforme previsto na CF (artigos 61 e 84), pois resulta do PLC 19/19, oriundo do Senado.

(Imagem: Agência Brasil)

Iniciativa presidencial foi comprometida?

Tramitavam nas Casas Legislativas três projetos relacionados ao Banco Central: o PLP 200/89, originário do Senado; o PLP 19/19, também do Senado; e o PLP 112/19, de autoria do Poder Executivo.

Em fevereiro deste ano, a Câmara determinou que os projetos fossem apensados, por tratarem de mesmo tema. Mas, logo em seguida, reviu o despacho para apensar somente os PLPs 112/19 e 19/19.

Em 9/2/21, o deputado Silvio Costa Filho, relator no plenário, proferiu parecer concluindo, no mérito, pela aprovação do PLP 19/19 e pela rejeição do PLP 112/19. Na mesma sessão, o mesmo deputado, pela CCJ, concluiu pela constitucionalidade de ambos os textos.

No dia seguinte, o plenário aprovou o PLP 19/19 sem modificações e com dispensa da redação final. Quanto ao PLP 112/19 – aquele que era de autoria do Executivo, este foi desapensado automaticamente, tendo sido declarada sua prejudicialidade em razão da aprovação do primeiro. 

Este 19/19 foi, então, sancionado pelo presidente da República, com vetos parciais, transformando-se na LC 179/21.

Quer dizer, ao apensar o projeto do Executivo ao texto do Senado, a Câmara procedeu de forma a assegurar a tramitação da matéria nos termos de seu regimento interno. E aprovou o texto do Senado, que tratava da mesma matéria do projeto do Executivo.

Se enviasse ao Senado o projeto do Executivo, haveria redundância procedimental, porquanto a Casa Legislativa já havia analisado e aprovado a matéria. Em outras palavras, houve uma economia procedimental, sem prejuízo algum do auspicioso debate legislativo.  

Além disso, é válido destacar que a tramitação adotada pela Câmara consiste em interpretação de seu Regimento Interno, e, como fixou o STF em tese de repercussão geral (RE 1.297.884), é proibido ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis.

Falta de iniciativa

Ainda com relação à suposta falta de iniciativa do presidente da República na matéria aprovada (que, como se viu acima, não se pode dizer), há ainda uma segunda questão – é que a súmula 5 do STF dispõe que: “a sanção do projeto supre a falta de iniciativa do poder Executivo”.

Ou seja, a sanção presidencial é o carimbo necessário para convalidar o ato. Nesse sentido, mesmo que se diga que não houve iniciativa do chefe do Executivo, coisa que já se provou falsa, uma vez que houve apensamento do projeto, mesmo assim a sanção fulmina a dúvida.  

Ação no Supremo

A norma questionada – LC 179/21 – passou a conceder mandatos fixos e longos ao presidente e aos oito diretores do Banco Central, em mandatos não coincidentes com os do presidente da República responsável pela nomeação.

Para os partidos, a autonomia do Bacen retira a autoridade do governo eleito sobre um instrumento central de definição da política econômica e interfere na coordenação da implantação dessa política, reduzindo sua eficácia, ao diluir a responsabilidade sobre os seus resultados.

No STF, único voto proferido até agora é o do relator, ministro Ricardo Lewandowski, que conheceu parcialmente da ação, e julgou a lei inconstitucional.

“Aqui, não se está debatendo se a autonomia do Banco Central é benfazeja ou deletéria para o destino da economia do País, nem se a decisão congressual nesse sentido foi ou não adequada. A questão em debate é saber se, por iniciativa exclusivamente parlamentar, à luz dos ditames constitucionais, seria possível subtrair do Presidente da República o controle de algum órgão integrante da Administração Pública Federal.”

Direito comparado

Pelo mundo, diversos países já possuem autonomia em seus Bancos Centrais. Compõem a extensa lista Japão, Estados Unidos, países-membros da zona do euro (BCE), Chile, Nova Zelândia, África do Sul, Colômbia, México, Reino Unido, Rússia, Suécia, Coreia do Sul, Islândia, Israel, Suíça e Turquia. Em contrapartida, Argentina e Venezuela, por exemplo, não têm Banco Centrais independentes, a demonstrar que o caminho não parece ser esse.

Inflação menor

Em 2019, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, esteve no Senado em audiência pública ligada ao PL 19/19. Na ocasião, explicou que a inflação é menor nos países que têm bancos centrais mais independentes.

O economista defendeu a autonomia da instituição brasileira e lembrou o caso da Argentina, onde houve a percepção de que a autoridade monetária havia perdido a liberdade de ação, o que resultou na imediata escalada de preços. “A credibilidade foi a zero e a inflação subiu”, disse.

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