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Adaptação e superação de desafios: O que esperar do futuro da arbitragem?

Tecnologia sem transparência, contratos confusos e litígios públicos são apenas alguns exemplos das discussões que pautaram o XII Congresso de Arbitragem, em São Paulo.

11/11/2025

A arbitragem internacional vive um momento de transformação. O avanço da IA, a crescente complexidade das disputas e a necessidade de manter a confiança entre as partes desafiam o setor. Da mesma forma, redações imprecisas ou incompletas em contratos de fusões e aquisições (M&A) e as possibilidades de intervenção da administração pública em arbitragens são discussões pertinentes a esse cenário de constante debate e autoaprimoramento.

Esses foram alguns dos temas do XII Congresso de Arbitragem do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), um dos eventos mais importantes do segmento na América Latina, que contou neste ano com cerca de 680 inscritos. O encontro aconteceu em São Paulo, no fim do último mês, reunindo referências da arbitragem de vários estados e de mais de 40 países.

Para que a arbitragem continue sendo um meio viável de resolução de disputas, ela precisa oferecer o que as partes buscam: resultados justos, com decisões tomadas por profissionais qualificados e responsáveis”, afirmou Andrea Bjorklund, professora titular da McGill University e detentora da Cátedra L. Yves Fortier em Arbitragem Internacional, com experiência no setor público, na prática privada e em instituições arbitrais.

Os desafios do setor nos dias de hoje têm sido amplamente discutidos nos debates contemporâneos sobre a eficácia e a legitimidade da arbitragem. Eles podem ser observados, por exemplo, na forma pela qual a redação de cláusulas contratuais é realizada, na intervenção da administração pública em processos arbitrais e no uso ético e previamente cientificado da inteligência artificial na elaboração e sistematização de atos processuais.

Entre os especialistas há consenso de que a forma como os contratos são redigidos é o primeiro passo para garantir previsibilidade e reduzir litígios. Em operações de fusões e aquisições (M&A), cláusulas ambíguas, prazos mal definidos, além de traduções imprecisas de termos ou expressões estrangeiras estão entre as principais causas para o desencadeamento de dissensos e conflitos no âmbito do direito societários

São problemas que podem ser solucionados ou, pelo menos, minimizados por meio de técnicas de elaboração do contrato; quando há contornos mal desenhados no documento, aumenta o campo de incerteza e, consequentemente, surgem as disputas”, afirmou André Abbud, do BMA Advogados, que tem experiência em litígios arbitrais e judiciais complexos, nacionais e internacionais.

Administração Pública

Os desafios na arbitragem se estendem também à intervenção da administração pública em litígios, especialmente em casos de grande repercussão econômica e social. A interferência do Estado acontece na intervenção anômala, um mecanismo que permite que a administração pública participe de processos em que não possui efetivo interesse jurídico. Basta, em princípio, a sua mera manifestação de vontade ao intervir. Isso ocorre porque tais processos poderiam afetar o bem-estar econômico da sociedade.

Experiências recentes, como as concessões do aeroporto de Viracopos (em Campinas/SP), da Telefônica e da MSVia (Motiva Pantanal), evidenciaram o amadurecimento institucional do Estado ao participar de processos arbitrais.

Os três casos tratavam do reequilíbrio econômico-financeiro em contratos de concessão. A administração pública, por meio da União, envolveu-se para garantir que as decisões arbitrais considerassem o impacto econômico das decisões sobre políticas públicas e contratos.

A atuação do agente público nos exemplos citados foi reconhecida como significativa e essencial para a resolução dos litígios. Sua intervenção ajudou a esclarecer questões complexas e a informar o tribunal a respeito de implicações que poderiam não ser evidentes apenas a partir das partes envolvidas.

Presidente do CAM-CCBC, Rodrigo Garcia da Fonseca, em seu discursou de abertura no XII CAM-CCBC Arbitration Congress, realizado em 2025.(Imagem: Reprodução/Marcos Mesquita)

O papel do interveniente anômalo (Poder Público), como se viu nos casos de Viracopos e Telefônica, é justamente o de esclarecer fatos e questões de direito, apresentar memoriais e juntar documentos”, explicou Cristina Bichel Leitão, procuradora do Estado do Paraná e Conselheira da PGE/PR. “Ele não é parte e, portanto, não pode produzir provas, ainda que existam entendimentos diferentes sobre isso”, complementou.

No entanto, de acordo com Paula Butti Cardoso, da AGU, o caso de Viracopos se diferencia porque, nesse processo, “a União exerceu um papel mais ativo, levando aos autos informações de fato e de direito relevantes, que contribuíram para a formação do convencimento do tribunal”. 

Inteligência artificial

Outro tema que exige atenção é o uso da IA em processos arbitrais. A tecnologia tem potencial para otimizar a análise de documentos e auxiliar na organização e sistematização de provas, mas especialistas alertam que nenhuma ferramenta substitui o olhar humano. “Se os árbitros ou os peritos decidirem usar inteligência artificial, eles precisam divulgar que estão fazendo isso às partes e dar a elas a oportunidade de comentar sobre o uso da ferramenta em questão”, explicou Thaís Chebatt, especialista em projetos de infraestrutura no Pinheiro Neto Advogados.

Segundo Nikolaus Pitkowitz, presidente do VIAC - Centro Internacional Arbitral de Viena, precisa haver cautela na utilização da IA em arbitragem. “Nós não podemos explicar os algoritmos, mas temos de acompanhar o uso destes, além de ver como agem para que não tenhamos surpresas que possam ferir a ética nos procedimentos arbitrais.”  

Dentre outros temas que despertaram reações no congresso, destacou-se o fortalecimento de mecanismos voltados à prevenção de conflitos - como os dispute boards, destinados à resolução de impasses em contratos de longa duração, e o parecer jurídico independente (expert legal opinion). As discussões entre acadêmicos de todo o planeta demonstram um novo estágio de maturidade para a arbitragem e outros métodos de resolução de disputas.

Nesse contexto dinâmico e incerto, a administração privada de conflitos precisa ir além, assumindo um papel de protagonismo na prevenção de riscos e na busca por soluções cada vez mais eficazes e inovadoras”, afirmou Rodrigo Garcia da Fonseca, presidente do CAM-CCBC.

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