A 3ª turma do STJ começou a julgar o recurso em que o Banco Itaucard tenta atribuir ao PagSeguro, por meio de ação de regresso, parte dos prejuízos do “golpe do motoboy”, cometido contra cliente mediante uso de máquina de cartão associada à instituição de pagamento.
Votou apenas a relatora, ministra Nancy Andrighi, que afastou a aplicação do CDC ao caso e concluiu que não há prova de participação da instituição de pagamentos no evento fraudulento.
A análise, contudo, foi suspensa após pedido de vista da ministra Daniela Teixeira.
O caso
O Itaucard foi condenado, no Juizado Especial da Bahia, a ressarcir consumidor vítima do “golpe do motoboy” e, por isso, ajuizou ação de regresso contra o PagSeguro, alegando falha de segurança da instituição de pagamento, já que as transações fraudulentas ocorreram por meio de máquina vinculada à plataforma.
Embora a 1ª vara Cível de Pinheiros/SP tenha reconhecido concausa e condenado o PagSeguro a reembolsar metade do prejuízo, o TJ/SP afastou essa responsabilidade ao entender que a empresa atuou apenas como intermediadora, sem ser beneficiária dos valores, não integrando a cadeia de fornecedores de forma a justificar responsabilização solidária.
No STJ, o Itaucard sustenta que a PagSeguro exerce atividade de risco e deve responder objetivamente pelos danos decorrentes das operações realizadas em seu ambiente, buscando reverter o acórdão para obter o ressarcimento dos valores pagos ao consumidor.
Sustentações orais
Na sustentação oral, o advogado Caio Yervant Alves Anunciação Oliveira, representando o Banco Itaucard, destacou que a sentença reconheceu a responsabilidade solidária da PagSeguro pela ausência de comprovação dos dados cadastrais e pela falta de demonstração de controles mínimos de compliance, mas o TJ/SP reformou a decisão. Segundo ele, a reversão violou regras de ônus da prova, pois a PagSeguro não apresentou qualquer documento sobre o cadastro do suposto estabelecimento beneficiário.
Sustentou que a credenciadora atua em atividade de risco regulada pelo Banco Central, devendo observar normas de prevenção a ilícitos financeiros, como leis de lavagem de dinheiro e resoluções do Bacen. Argumentou que a PagSeguro não demonstrou adotar procedimentos mínimos de verificação, permitindo que um usuário com faturamento desconhecido recebesse em minutos valores muito acima do esperado.
Por fim, afirmou que a fraude só ocorreu porque a credenciadora permitiu a entrada do fraudador no sistema, defendendo que a PagSeguro integra a cadeia de consumo e responde objetivamente pelos danos, razão pela qual pediu o provimento do recurso para reconhecer sua responsabilidade.
Já o advogado João Pedro Brigido Pinheiro da Silva, representando o PagSeguro, defendeu a manutenção integral do acórdão do TJ/SP, que afastou a responsabilidade da credenciadora no “golpe do motoboy”. Ele destacou que o Tribunal paulista, com base no conjunto fático-probatório, insuscetível de reexame no STJ pela Súmula 7, concluiu que não houve prova de falha na prestação de serviços pela empresa, nem culpa na abertura do cadastro utilizado pelo fraudador.
O representante enfatizou que a PagSeguro não tem acesso ao histórico transacional dos clientes do Itaucard, elemento que permitiria identificar compras fora do perfil e que compete exclusivamente ao banco emissor. Assim, segundo ele, a autorização das transações atípicas partiu do próprio banco, que detinha todos os dados para identificar o risco.
Sustentou ainda que o Itaucard tenta transformar a simples utilização da maquininha em presunção automática de responsabilidade da credenciadora, criando uma espécie de “seguro regressivo” contrário às regras do arranjo de pagamentos. Para o advogado, responsabilizar a PagSeguro sem demonstração concreta de falha significaria igualar agentes com funções distintas no sistema, desincentivando a concorrência e prejudicando o próprio mercado.
Por fim, pediu o não conhecimento do recurso, diante da impossibilidade de revolver fatos e provas, e, subsidiariamente, o desprovimento, mantendo-se o entendimento do TJ/SP favorável à PagSeguro.
Voto da relatora
A ministra Nancy Andrighi destacou, logo no início do voto, que a ação é regressiva, movida pelo banco contra a credenciadora, e que, portanto, o regime jurídico aplicável é o Código Civil, especialmente o art. 934, que autoriza quem paga indenização a terceiro a reaver o valor daquele que efetivamente causou o dano.
A relatora explicou que, para haver condenação da credenciadora em regresso, não basta integrar a cadeia de fornecedores ou manter vínculo contratual com o recebedor do pagamento. É indispensável comprovar falha na prestação do serviço, com violação dos deveres de vigilância, monitoramento ou segurança, demonstrando que a empresa contribuiu para o golpe.
Nancy lembrou que, nos casos de “golpe do motoboy”, a turma reconhece responsabilidade da instituição financeira quando há ausência de mecanismos de verificação de transações atípicas e potencialmente ilegais.
No entanto, no caso concreto, ficou incontroverso que a credenciadora não teve participação no evento fraudulento, não praticou conduta negligente e não houve nexo causal entre sua atuação e o prejuízo suportado pelo banco.
Por fim, a ministra concluiu que não cabe responsabilizar a PagSeguro, porque não se comprovou defeito no serviço nem contribuição para o golpe. Assim, votou por negar provimento ao recurso especial do banco.
Veja o voto:
Pedido de vista
A ministra Daniela Teixeira justificou o pedido de vista afirmando que, embora costume acompanhar a ministra Nancy Andrighi, e concorde com os fundamentos apresentados, considera necessário aprofundar um ponto específico: a responsabilidade na ação de regresso diante do cenário de fraudes envolvendo maquininhas de pagamento.
Ela destacou que, apesar de o banco responder objetivamente perante o consumidor, ressarcindo integralmente a vítima do golpe, o dinheiro desviado permanece inacessível na esfera criminal.
Segundo a ministra, há um fenômeno “estranho” na proliferação de maquininhas sem qualquer identificação de seus titulares, muitas vezes até dentro de presídios, sem documentos, endereço, CPF ou CNPJ dos supostos comerciantes.
Daniela frisou que, conforme dados apresentados pelo Itaú, 51% das fraudes que resultam em reembolso ao cliente envolvem maquininhas do PagSeguro, índice muito superior ao de outras empresas do setor, cujo segundo lugar não ultrapassa 5%.
Essa desproporção, para ela, exige análise detida sobre como essas máquinas estão sendo distribuídas e se isso impacta a responsabilidade regressiva.
Por isso, pediu memoriais específicos dos advogados focados na viabilidade da ação de regresso entre Itaú e PagSeguro, dentro da lógica do Código Civil, enfatizando que o objetivo final é compreender por que há tantas fraudes ligadas a determinados equipamentos e como isso afeta o sistema como um todo.
Confira o momento:
- Processo: REsp 2.210.737