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PL de remuneração mínima a entregadores levanta debate concorrencial

Proposta prevê piso de R$ 10 por entrega mesmo sem vínculo empregatício; para especialista, impacto concorrencial deve ser considerado pelo Legislativo.

26/11/2025

Tramita na Câmara dos Deputados o PL 2.479/25, que fixa um valor mínimo de remuneração para entregadores de aplicativos e mototaxistas, estabelece regras de transparência, impõe a contratação de seguros e prevê pontos de apoio físico para os trabalhadores. O texto, de autoria do então deputado Guilherme Boulos e de outros parlamentares, foi aprovado hoje, 26, na Comissão de Comunicação da Casa

A proposta fixa R$ 10 por entrega em percursos de até 4 km (moto e carro) e 3 km (bicicleta), com adicional de R$ 2,50 por quilômetro excedente e R$ 0,60 por minuto de espera a partir do 11º minuto. O projeto também prevê reajuste anual pela inflação (IPCA), possibilidade de revisão acima da inflação por um comitê tripartite (governo, empresas e trabalhadores) e regras de transparência sobre valores, taxas e critérios algorítmicos de distribuição de corridas.

Um ponto central do texto é que o piso se aplica mesmo quando não há vínculo de emprego reconhecido entre entregador e plataforma. A remuneração mínima alcançaria, portanto, trabalhadores autônomos que atuam por meio de aplicativos, o que traz à mesa uma discussão que vai além do Direito do Trabalho e chega ao Direito Concorrencial.

PL de remuneração mínima a entregadores levanta debate concorrencial.(Imagem: Arte Migalhas)

Uniformização de preços

O advogado Luiz Felipe Rosa Ramos, especialista em Direito Concorrencial/Antitruste, lembra que o Cade já condenou, em diversos casos, sindicatos e entidades de classe por impor tabelas de honorários que, na prática, uniformizavam preços e restringiam a concorrência. Ele explica que aqui, porém, como dito alhures, o cenário é outro:

“O Cade tem uma série de casos em que condenou sindicatos e entidades de classe pela imposição de tabela de honorários. Contudo, o cenário de um projeto de lei é distinto, e eventual remuneração mínima por essa via escaparia ao controle de condutas pela autarquia concorrencial: não se trata de uma conduta ilícita que possa ser punida pelo Cade.”

Segundo Ramos, como se trata de política pública definida pelo Congresso, não de um acordo privado entre agentes econômicos, a análise típica de “cartel” ou “fixação de preços” não se aplica diretamente às plataformas ou aos trabalhadores.

Isso, porém, não significa que o tema seja neutro do ponto de vista da concorrência. O especialista alerta:

“O que é recomendável, sim, é que o projeto de lei leve em consideração também o aspecto concorrencial, além de outros objetivos visados por essa remuneração. A remuneração mínima geraria algum tipo de arrefecimento da concorrência entre plataformas, seja em termos de preços ao consumidor final, seja em termos de remuneração dos entregadores?”

Na prática, algumas questões se impõem: o piso reduz a margem de competição por preço entre plataformas? Há risco de repasse automático de custos ao consumidor, com aumento generalizado das tarifas?

Concorrência é um critério, não o único

Ramos enfatiza que, justamente por estarmos em fase de discussão legislativa, o Congresso não pode se limitar a uma única lente: “em suma, como estamos em sede de discussão legislativa, entendo que a ótica do Direito Concorrencial não é a única a ser levada em conta na deliberação do PL, mas deveria ser um dos aspectos considerados.”

Ele destaca que o Cade pode contribuir no debate por meio da chamada “advocacia da concorrência”, especialmente via DDE - Departamento de Estudos Econômicos, oferecendo insumos técnicos sobre possíveis impactos em preços, estrutura de mercado e incentivos das plataformas.

“Inclusive, se o resultado da discussão legislativa for um ato normativo subótimo do ponto de vista da concorrência, ele poderá ser objeto de análise do Procedimento de Avaliação Regulatória e Concorrencial (PARC) do Ministério da Fazenda no futuro.”

Tabela de honorários

Um exemplo emblemático acerca do tema é a decisão do Cade referente à tabela de honorários da OAB, julgada em 1998 (processo 116/92). Na ocasião, o órgão concluiu que a tabela deveria ser “meramente indicativa”. Caso tivesse caráter obrigatório, poderia ser considerada infração à ordem econômica, por uniformizar preços e reduzir a concorrência entre profissionais autônomos.

Essa posição ganhou destaque novamente em 2015, quando Migalhas relembrou a decisão ao noticiar discussões no Conselho Federal da OAB sobre a criação de tabelas com valores mínimos. O entendimento do Cade permanece como referência: fixar preços mínimos para autônomos pode, em tese, limitar a concorrência.

O precedente reforça a sensibilidade histórica da autarquia a esse tipo de medida.

Um debate em camadas

Enquanto o STF discute se os trabalhadores de apps são empregados ou autônomos, a palavra final deve ficar com o Legislativo.

O desafio, como observam especialistas, é conciliar camadas diferentes de política pública: a proteção dos entregadores é imprescindível, mas a forma de fazê-lo pode produzir efeitos econômicos relevantes – positivos ou negativos – que precisam ser mensurados, debatidos e ponderados.

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