A judicialização do reajuste salarial de servidores públicos vem ganhando força nos últimos anos, impulsionada pela combinação de inflação acumulada, longos períodos sem reposição e impasses persistentes na negociação coletiva do funcionalismo.
Seja nas esferas municipal, estadual ou federal, a ausência de propostas concretas de recomposição abre margem para os servidores e sindicatos recorrerem à Justiça como forma de garantir o cumprimento da revisão anual prevista no artigo 37 da Constituição.
Embora o Judiciário não possa impor índices específicos de reajuste, sua atuação tem sido fundamental para coibir omissões, exigir transparência e assegurar que a remuneração dos servidores não seja corroída pelo tempo.
Para Gabriella Maragno, advogada trabalhista do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, o avanço desse cenário merece atenção. "Esse movimento acende um alerta sobre a necessidade de gestão responsável e de diálogo institucional, para evitar que conflitos salariais se transformem, cada vez mais, em litígios judiciais", afirma.
Em quais cenários a ação é possível
A revisão anual dos salários dos servidores públicos é uma garantia constitucional vinculada à preservação do poder de compra e à irredutibilidade salarial. Apesar disso, sua aplicação prática depende de iniciativa do Poder Executivo, o que tem gerado distorções quando governos deixam de apresentar projetos de lei ou justificativas técnicas que embasem a ausência de reajuste. Essa lacuna tem sido o principal motor da judicialização.
"A Justiça não pode impor um índice de reajuste, mas pode reconhecer a omissão administrativa, desde que haja previsão legal para o reajuste sem a devida implementação, bem como, quando não ocorre a reposição inflacionária há anos. Dessa forma, o judiciário pode determinar que o Executivo se manifeste e exigir a apresentação de estudos que expliquem a ausência de revisão. Essa intervenção busca impedir que o salário real do servidor seja deteriorado", explica Gabriella.
Além da omissão, decisões recentes reforçam que a Justiça pode atuar quando o governo utiliza argumentos genéricos para negar reajustes, sem demonstrar efetivamente a situação fiscal ou o impacto financeiro, exigências previstas tanto na Constituição quanto na lei de responsabilidade fiscal.
Sindicatos entre a negociação e o litígio
Os sindicatos de servidores também têm ampliado a busca pelo Judiciário diante da dificuldade de estabelecer mesas de negociação ou da completa ausência de resposta por parte do Executivo.
Em muitos casos, as entidades ingressam com ações após repetidas tentativas de diálogo fracassarem, utilizando dados técnicos de inflação, arrecadação e capacidade orçamentária para sustentar o pedido.
Segundo a advogada, o litígio deve ser a última alternativa, mas torna-se legítimo quando o processo de negociação é inviabilizado. "Quando há silêncio administrativo, violação ao princípio da irredutibilidade salarial, recusa em negociar ou ausência de estudos que justifiquem a não concessão do reajuste, o caminho judicial passa a ser o instrumento de defesa dos direitos do funcionalismo. A Justiça atua para restabelecer a transparência e assegurar que as decisões salariais sigam critérios técnicos e legais, não meramente políticos", finaliza.