A 6ª turma do STJ retomou, nesta terça-feira, 16/12, o julgamento do REsp 2.213.678, em que o MPF busca reverter decisão do TRF-6 que trancou a ação penal contra o ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, acusado de crimes ambientais e de responsabilidade pelas mortes decorrentes do rompimento da barragem de Brumadinho/MG, em janeiro de 2019.
Após a apresentação do voto-vista do ministro Rogerio Schietti Cruz, favorável ao prosseguimento da ação penal, o julgamento foi novamente suspenso por pedido de vista do ministro Antonio Saldanha Palheiro.
Relembre o caso
Fábio Schvartsman foi denunciado pelo MP, juntamente com outros 15 acusados, por 270 homicídios qualificados e crimes ambientais em razão do rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão. A tragédia provocou centenas de mortes e graves danos ambientais.
A denúncia foi inicialmente oferecida pelo MP/MG e ratificada pelo MPF. O juízo da 2ª vara Federal Criminal de Belo Horizonte recebeu a denúncia, mas a defesa impetrou habeas corpus no TRF-6, que reconheceu a ausência de justa causa para processar Schvartsman e determinou o trancamento da ação penal exclusivamente em relação a ele.
O MPF recorreu ao STJ, alegando que o TRF-6, ao conceder habeas corpus, teria invadido indevidamente o mérito da acusação, usurpando a competência do juízo natural e do Tribunal do Júri.
Sustentações das partes
O julgamento teve início em setembro. Em sustentação oral, a subprocuradora-geral da República Ana Borges Coelho Santos afirmou que o acórdão do TRF-6 representou um “juízo precipitado”, incompatível com a fase processual.
Segundo o MPF, a denúncia descreve de forma detalhada a conduta do então presidente da Vale, que teria assumido o risco do resultado ao deixar de adotar providências mesmo diante de alertas técnicos sobre a instabilidade da barragem — configurando, segundo o órgão, uma “tragédia anunciada”.
Falta de indícios e fragilidade da denúncia
A defesa de Fábio Schvartsman sustentou a inexistência de justa causa para a ação penal. Segundo o advogado Pierpaolo Bottini, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, a denúncia não descreve qualquer conduta comissiva ou omissiva do ex-presidente que justifique sua responsabilização por homicídios dolosos ou crimes ambientais.
Bottini apontou inconsistência lógica na acusação, que deixou de incluir gestores diretamente ligados à área técnica, mas imputou responsabilidade ao então presidente da companhia, que apenas recebia informações de seus subordinados.
Destacou ainda que a denúncia se baseia em elementos considerados frágeis: um relatório de 2017, superado por auditorias posteriores que atestaram a estabilidade das barragens, e um e-mail anônimo de 2019 com referência genérica a riscos, sem identificação de estruturas específicas.
Por fim, concluiu que o TRF-6 atuou dentro dos limites legais ao reconhecer a ausência de justa causa, sem extrapolar sua competência, e que o prosseguimento da ação penal representaria a adoção de responsabilidade penal objetiva, vedada pelo ordenamento jurídico.
Devido processo legal
O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, entendeu que o acórdão do TRF-6 violou o devido processo legal ao aprofundar a análise das provas para afastar a justa causa, o que considerou incompatível com a via do habeas corpus.
Para S. Exa., o tribunal regional antecipou juízo de mérito e invadiu a competência do juiz natural e do Tribunal do Júri, responsáveis por examinar a responsabilidade penal sob contraditório e ampla instrução.
O ministro destacou que a denúncia não é genérica, pois descreve detalhadamente os fatos que resultaram em 270 mortes e danos ambientais, além de individualizar a conduta de Fábio Schvartsman, apontando omissão e ausência de medidas de segurança, com assunção do risco do resultado.
Observou ainda que, conforme o art. 413 do CPP, bastam a materialidade e indícios mínimos de autoria para a pronúncia, e que o TRF-6 ultrapassou esses limites ao afastar tais pressupostos com exame aprofundado das provas.
Assim, ao conhecer parcialmente do recurso, votou por dar-lhe provimento nessa extensão para restabelecer o andamento da ação penal.
Medida excepcional
Em voto-vista, o ministro Rogerio Schietti Cruz acompanhou o relator para restabelecer o prosseguimento da ação contra o ex-presidente da Vale. Ressaltou que o trancamento do processo é medida excepcional, cabível apenas quando, de plano, se verifica a inexistência absoluta de justa causa — o que, segundo ele, não ocorre no caso.
Schietti lembrou que o STJ rejeita denúncias baseadas exclusivamente no cargo ocupado pelo dirigente, sem vínculo concreto com a conduta criminosa, mas destacou que essa situação não se aplica ao caso de Brumadinho.
Para o ministro, a denúncia não é genérica, pois dedica capítulo específico à atuação de Schvartsman e descreve condutas comissivas e omissivas que, em juízo de admissibilidade, indicam possível responsabilidade penal.
Além disso, mencionou a posição de garantidor do dirigente empresarial em atividades de alto risco, como a mineração, ressaltando o dever de controle e mitigação de riscos mesmo com a delegação de funções técnicas.
S. Exa observou ainda que, embora o TRF-6 tenha reconhecido o atendimento aos requisitos do art. 41 do CPP, afastou a justa causa com exame aprofundado das provas, o que extrapola os limites do habeas corpus.
Concluiu que a narrativa acusatória e os elementos colhidos na investigação são suficientes para autorizar o prosseguimento do processo, cabendo à instrução processual e ao Tribunal do Júri a análise definitiva dos fatos.
Ao final, votou pelo provimento parcial do recurso, para reformar o acórdão do TRF-6, denegar o habeas corpus e restabelecer o recebimento da denúncia.
Novo pedido de vista
Após o voto-vista, o ministro Antonio Saldanha Palheiro pediu vista do processo.
“Eu li o voto do ministro Sebastião com muita atenção, não tive tempo de ler o voto-vista, mas eu tenho dúvidas concretas e fundadas, então eu vou pedir vista”, afirmou.
Com isso, o julgamento foi novamente suspenso, sem data definida para retomada.
- Processo: REsp 2.213.678