O STF, no plenário virtual, suspendeu a análise da lei fluminense 6.528/12, que veda o uso de máscaras ou peças que ocultem o rosto em manifestações públicas.
Após divergência apresentada pelo ministro Edson Fachin pela inconstitucionalidade da norma, o julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.
Até a suspensão, o placar contava com 5 votos a 1 pela constitucionalidade da lei.
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Entenda
A ação foi ajuizada pelo Diretório Regional do então Partido da República e pela seccional da OAB/RJ, que sustentaram violação aos direitos fundamentais de reunião e de livre manifestação do pensamento. Segundo os autores, a Constituição não autoriza restrições genéricas ao uso de máscaras, e a presença física do manifestante afastaria qualquer caracterização de anonimato.
Em sentido oposto, o governo do Estado do Rio de Janeiro e a Assembleia Legislativa defenderam a lei como instrumento de proteção à segurança pública. Argumentaram que a ocultação do rosto compromete a identificação de eventuais infratores e foi utilizada em episódios de vandalismo durante manifestações ocorridas em 2013, em afronta à vedação constitucional ao anonimato.
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento do recurso, ao entender que a norma impôs limitação ampla ao direito de reunião, admitindo a proibição do uso de máscaras apenas em contextos específicos de violência ou prática de ilícitos.
Voto do relator
Em voto, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, considerou que a restrição é legítima diante da necessidade de harmonizar a liberdade de manifestação com a preservação da ordem pública
Para o relator, a lei atende aos critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade, ao facilitar a identificação de responsáveis por eventuais abusos sem esvaziar o núcleo essencial da liberdade de expressão, que pode ser exercida por diversos meios.
Propôs, ainda, tese de repercussão geral que admite a vedação ao uso de máscaras em protestos, ressalvadas hipóteses de caráter cultural ou de saúde pública.
Leia o voto do relator.
Voto-vista
Em voto-vista, ministro Alexandre de Moraes acompanhou integralmente o relator. O ministro afirmou que a norma não restringe o direito fundamental de reunião ou a liberdade de expressão, mas apenas disciplina a forma de seu exercício, em consonância com a vedação constitucional ao anonimato e com a necessidade de preservação da segurança pública.
Segundo Moraes, a experiência das manifestações de 2013 demonstrou que o uso de máscaras foi instrumentalizado para a prática de atos violentos e ilícitos, dificultando a identificação e responsabilização dos autores.
Destacou ainda que a Constituição consagra o binômio liberdade e responsabilidade, não admitindo que direitos fundamentais sejam utilizados como escudo para agressões, vandalismo, discursos de ódio ou ataques às instituições democráticas.
Ressalvou, por fim, que a proibição não alcança máscaras utilizadas por razões de saúde pública, culturais ou religiosas, fixando tese no sentido da compatibilidade da norma com a Constituição.
O entendimento do relator também foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli e André Mendonça.
Leia o voto de Moraes.
Divergência
Já o ministro Edson Fachin abriu divergência e defendeu que a proibição genérica não encontra amparo constitucional.
Para S. Exa., o direito de reunião é direito fundamental previsto e regulado na própria Constituição, e “o uso de máscara em manifestação não importa em anonimato”.
Na leitura do ministro, a restrição exigiria escrutínio estrito, porque a liberdade de reunião e a liberdade de expressão têm “proteção constitucional forte em regimes democráticos”, de modo que qualquer limitação precisaria ter a necessidade “cabalmente demonstrada”.
Fachin também sustentou não ver relação necessária entre violência e uso de máscaras e apontou que há finalidades lícitas e legítimas para cobrir o rosto, inclusive como recurso expressivo e simbólico, como manifestação cultural e para preservação da intimidade, diante de receio de retaliação.
Ao aplicar a proporcionalidade, S. Exa. admitiu que a medida poderia ser considerada apta a facilitar a identificação, mas concluiu que, no balanço final, a norma “não supera o teste de proporcionalidade”, por impor “restrição ampla e severa” às liberdades de expressão e reunião, de modo indistinto.
“Em termos de amplitude, a vedação ao uso de máscaras opera de forma geral e indiferenciada, tratando todos os manifestantes que optam por cobrir o rosto como potenciais infratores. Ao impor uma proibição abstrata, a norma antecipa um juízo de desvalor sobre os participantes da manifestação, equiparando, em termos normativos, o simples uso de máscaras à prática de condutas ilícitas”, observou.
Assim, entendeu:
(i) o direito de reunião é direito fundamental previsto e regulado na própria Constituição;
(ii) o uso de máscara em manifestação não importa em anonimato;
(iii) o uso de máscara não derroga os fins pacíficos de uma manifestação; e
(iv) o direito fundamental de reunião combinado com o direito à liberdade de expressão tem proteção constitucional forte em regimes democráticos, logo, qualquer restrição a eles precisa ser submetida a escrutínio estrito e precisa ter sua necessidade cabalmente demonstrada.
Ao final, propôs tese em sentido oposto ao relator:
“É inconstitucional lei estadual que veda o uso de máscaras ou peças que cubram o rosto dos cidadãos em manifestações populares.”
Leia o voto de Fachin.
- Processo: ARE 905.149