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Juizados especiais e a uniformização de entendimento no âmbito das turmas recursais

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Atualizado às 08:25

Daniel Penteado de Castro

O chamado microssistema dos Juizados Especiais é composto, originariamente, pelo Juizados Especiais Estaduais Comuns (lei 9.099/95), seguido dos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal (lei 12.153/2009) e Juizados Especiais Federais (lei 10.259/2001).

Sob a perspectiva de proporcionar maior acesso à Justiça ao jurisdicionado, os Juizados Especiais são informados pelos princípios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade, sem prejuízo de se buscar, sempre que possível a conciliação ou transação dos interesses em litígio1.

E com vistas a se atingir o escopo de tais princípios, o microssistema dos Juizados Especiais é eivado de determinadas limitações procedimentais ou restrição ao cabimento de recursos, sendo reservado, para as Cortes Superiores, somente o cabimento de recurso extraordinário2.

A par de referida limitação de acesso às Cortes Superiores, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004 a reclamação constitucional prevista no art. 103-A, da Constituição Federal, passou a ser admitida no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, matéria esta que foi regulamentada pela Resolução 12/2009, do STJ, cuja finalidade de referida reclamação se destinava, conforme art. 1º de aludida resolução a "(...) dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C, do Código de Processo Civil (...)".

De sorte que, o CPC/2015 introduziu algumas modalidades de precedentes de elevada persuasão, a rigor das decisões prolatadas em incidente de assunção de competência e no incidente de resolução de demandas repetitivas. Resta saber se tais modalidades de precedentes, uma vez violados, também desafiam o manejo da reclamação, muito embora inexista previsão na aludida resolução 12/2009, do STJ.

A resposta é afirmativa. Em recente decisão, o STJ entendeu que tais precedentes, quando violados, também desafiam o cabimento de reclamação, reclamação esta fundada na resolução 03/2016 do STJ (revogadora da Resolução n. 12/2009), editada em adaptação ao regime do CPC/2015.

"AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE LEI FEDERAL. CONDENAÇÃO POR LESÃO CORPORAL LEVE (129, CAPUT, CP) E AMEAÇA (ART. 147, CP). DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO ENTRE TURMAS RECURSAIS.

INEXISTÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMIR TAIS DIVERGÊNCIAS POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 18 DA LEI 12.153/2009 LIMITADA A DECISÕES DE JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA.

1. Conforme assentado pela Primeira Seção do STJ, no julgamento do RCD na Rcl 14.730/SP (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 24/02/2015), o sistema para processo e julgamento de causas em juizados especiais é composto por três microssistemas: a) Juizados Especiais Estaduais Comuns, instituídos pela Lei 9.099/1995; b) Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei 10.259/2001 e c) Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal, instituídos pela Lei 12.153/2009, cada um deles submetido a regras processuais e procedimentais específicas, no que toca a recursos e ao mecanismo de uniformização de jurisprudência.

2. Apenas as leis que dispõem sobre Juizado Especial Federal (Lei 10.259/2001) e sobre Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) trouxeram em seus textos a possibilidade de se efetuar Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal perante o STJ nos artigos 14, § 4º, da Lei 10.259/2001 e 18, § 3º, e 19, caput, da Lei 12.153/2009.

3. O Pedido de Uniformização de Lei Federal proposto perante o Superior Tribunal de Justiça somente existe, portanto, no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Federais e no dos Juizados Especiais da Fazenda Pública e apenas em duas hipóteses: (1) Interpretação de lei federal dissonante entre Turmas Recursais de diferentes Estados; e (2) Decisão de Turma de Uniformização que contrariar súmula do STJ.

4. Para suprir a lacuna da uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados especiais comuns, o Superior Tribunal de Justiça editou resolução, admitindo o manejo da Reclamação. Quando ainda vigorava o CPC de 1.973, a Resolução STJ n. 12/2009 admitia que fosse dirigida Reclamação a esta Corte quando decisão de Turma Recursal estadual ou do Distrito Federal a) afrontasse jurisprudência do STJ pacificada em recurso repetitivo; b) violasse súmula do STJ; ou c) fosse teratológica.

5. No entanto, após o advento do CPC/2015, a Resolução n. 12/2009 foi revogada e substituída pela Resolução n. 03/2016 que, em seu art. 1º, restringiu o cabimento da Reclamação dirigida a esta Corte à hipótese de decisão de Turma Recursal Estadual (ou do DF) que contrariar jurisprudência do STJ consolidada em a) incidente de assunção de competência; b) incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR); c) julgamento de recurso especial repetitivo; d) enunciados das Súmulas do STJ; e) precedentes do STJ.

6. Assim sendo, a hipótese de divergência de entendimento jurisprudencial entre Turmas Recursais de Juizados especiais criminais comuns de diferentes Estados não desafia o manejo de Pedido de Uniformização de Lei Federal perante o STJ.

7. Remanescem, entretanto, duas vias abertas ao jurisdicionado para discussão da matéria decidida em sede de Turmas Recursais de Juizados Especiais Comuns: a Reclamação fundada na Resolução n. 03/2016 que demonstre que a decisão da Turma recursal contraria a jurisprudência do STJ consolidada em julgamento de recurso especial repetitivo ou em precedentes do STJ; e o habeas corpus dirigido ao Tribunal de Justiça respectivo.

8. Agravo regimental a que se nega provimento".

(STJ, AgRg nos EDEcl no PUI n. 694/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, v.u., DJE 2/4/2018)

Muito embora a Resolução n. 03/2016 preveja a competência de processamento da reclamação destinada "(...) às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça", é certo que a ampliação do rol de manejo de aludida reclamação caminha de acordo à obediência de determinados precedentes introduzidos pelo CPC/2015.

Ainda, a rigor do quanto disposto no art. 926, do CPC/2015, no sentido de determinar que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integral e coerente, tal regra também se aplica no âmbito dos Juizados Especiais, sendo necessário e aceito, por vezes, o cabimento da reclamação constitucional.

__________

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. II. 51. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 640.

2 Nesse sentido foi o entendimento firmado pelo STF (STF, Pleno, Recl. 460/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, ac. 29.06.1994, DJU 09.12.1994). Posteriormente, o art. 15, da lei 10.259/2001, passou a disciplinar o cabimento de recurso extraordinário nos Juizados Especiais Federais, recurso esse de semelhante previsão no plano do Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 21 da lei 12.153/2009).