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O julgamento do REsp. 1810444/SP e, novamente, os limites das convenções processuais

quinta-feira, 18 de março de 2021

Atualizado às 09:47

Na coluna anterior, noticiamos que o Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial 1738656 / RJ, tendo sido relatora a ministra Nancy Andrighi.

Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide.

E, mais recentemente, em 2021, o Superior Tribunal de Justiça volta a enfrentar o tema, tendo a 4ª Turma destacado que o artigo 190 do CPC/15 não pode versar sobre questões de ordem pública, conforme se depreende do julgamento do REsp n. 1810444/SP, da Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão1:

"A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no negócio jurídico processual, não é possível às partes convencionar sobre ato processual regido por norma de ordem pública, cuja aplicação é obrigatória. O colegiado reforçou que a liberdade negocial trazida pelo artigo 190 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 está sempre condicionada ao respeito à dignidade da pessoa humana e às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito. (...). De acordo com Luis Felipe Salomão, o parágrafo único do artigo 190 poderia levar à conclusão de que os negócios jurídicos processuais não se sujeitariam a um juízo de conveniência do magistrado, exceto nos casos de nulidade, de inserção abusiva em contrato de adesão ou de vulnerabilidade manifesta de uma das partes.  Contudo, o ministro ressaltou que esse controle é complexo, pois "não se limita à observância dos requisitos de validade apontados na legislação híbrida entre direito processual e civil, mas também, e principalmente, aos ditames constitucionais". (...). No caso em julgamento, Salomão considerou acertada a decisão do tribunal de origem, destacando a afronta à cláusula legal e constitucional que prevê o direito ao processo justo, conduzido pelo juiz competente, sendo incongruente vincular o julgador à forma pactuada pelas partes para a realização de função de sua titularidade".

Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". 

Humberto Theodoro Jr2. defendia que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública.

Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo não pode relativizar direitos fundamentais, garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros.3

Neste cenário, ambos os julgamentos do STJ merecem grande destaque, pois já sinalizam um campo de direção, por parte da Corte Superior, sobre a forma de se delinear os limites da convenção processual celebrada entre as partes.

Os recentes julgados, no geral, buscaram traçar uma leitura do artigo 190 do CPC/15 em conformidade com as normas fundamentais do CPC/15.

E, muito ao contrário do que parcela da doutrina imaginava quando dos debates acadêmicos acerca da utilidade do negócio processual atípico do artigo 190 do CPC/15, é certo que o Poder Judiciário já vem sendo instado a se posicionar sobre os requisitos de validade e eficácia de tal instituto; sendo inegável que existem julgados que demonstram a inclinação do Poder Judiciário de prestigiar o manejo pelas partes dos negócios processuais.

Mas não se questiona que o Poder Judiciário ainda terá a difícil missão de delinear, com mais precisão, quais são os limites de aplicação do artigo 190 do CPC/15, sendo, portanto, importantíssimos os recentes julgados acerca do tema.

__________

1 Negócio jurídico processual não pode dispor sobre ato regido por norma de ordem pública. Acesso em 28.02.2021.

2 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.

3 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.