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O recente julgamento do REsp 1810444 / SP e os limites dos negócios jurídicos processuais atípicos

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Atualizado às 08:20

Em recente julgamento do REsp 1810444/SP versando sobre os limites do artigo 190 do CPC/15, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do ministro Relator Luis Felipe Salomão, firmou o entendimento de que o negócio processual celebrado entre as partes não pode dispor sobre os poderes e deveres do magistrado. Veja-se:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LIBERDADE NEGOCIAL CONDICIONADA AOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. CPC/2015. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. REQUISITOS E LIMITES. IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO SOBRE AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELO JUIZ.

1. A liberdade negocial deriva do princípio da liberdade individual e da livre iniciativa, fundamento da República, e, como toda garantia constitucional, estará sempre condicionada ao respeito à dignidade humana e sujeita às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito, estruturado para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais e a Justiça. 2. O CPC/2015 formalizou a adoção da teoria dos negócios jurídicos processuais, conferindo flexibilização procedimental ao processo, com vistas à promoção efetiva do direito material discutido. Apesar de essencialmente constituído pelo autorregramento das vontades particulares, o negócio jurídico processual atua no exercício do múnus público da jurisdição. 3. São requisitos do negócio jurídico processual: a) versar a causa sobre direitos que admitam autocomposição; b) serem partes plenamente capazes; c) limitar-se aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes; d) tratar de situação jurídica individualizada e concreta. 4. O negócio jurídico processual não se sujeita a um juízo de conveniência pelo juiz, que fará apenas a verificação de sua legalidade, pronunciando-se nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou ainda quando alguma parte se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade. 5. A modificação do procedimento convencionada entre as partes por meio do negócio jurídico sujeita-se a limites, dentre os quais ressai o requisito negativo de não dispor sobre a situação jurídica do magistrado. As funções desempenhadas pelo juiz no processo são inerentes ao exercício da jurisdição e à garantia do devido processo legal, sendo vedado às partes sobre elas dispor. 6. Recurso especial não provido".

É inegável que existe grande debate na doutrina acerca dos limites para a aplicação do artigo 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema.

Mas a sinalização da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça está bem alinhada com a parcela da doutrina que sustenta que as partes podem dispor sobre os seus respectivos poderes, deveres, faculdades e ônus processuais; e não sobre os poderes e deveres do magistrado. 

Nesse sentido, Humberto Theodoro Jr.1defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública.

Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"2. Doutrina, ainda, que: "Por sua vez, para além dos elementos intrínsecos do ato, viu-se que o juiz deve apreciar os limites dos atos, os quais, neste trabalho, foram identificados como sendo: os direitos fundamentais, as garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros".3 

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, por sua vez, já destacou hipóteses em que o uso do artigo 190 do CPC/15 não seria autorizado: "A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei". 

Por sua vez, para Teresa Arruda Alvim4, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (artigos 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais.

O recente julgado da 4ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça é de fundamental importância, sendo um grande norte para a precisa definição de quais são os limites de aplicação do artigo 190 do CPC/15.

__________

1 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.

2 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.

3 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.

4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402.