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Recentes posições do Superior Tribunal de Justiça sobre o artigo 866 do CPC/15

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Atualizado em 2 de dezembro de 2021 08:11

O art. 655, VII, do CPC/73, com as alterações da lei 11.382/06, passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora, figurando esta modalidade no sétimo lugar da ordem de preferência. A mesma lei, ainda que brevemente, positivou o procedimento a ser seguido na constrição de percentual do faturamento da empresa, sendo que o parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC/73 determinava que: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida".

O art. 866 do CPC/15 mantém a previsão da penhora de percentual de faturamento da empresa, o qual também é previsto no inciso X do art. 835 do CPC/15.

Dada a necessidade de exame do universo fiscal, contábil e financeiro da pessoa jurídica, inclusive com a ampla compreensão dos limites dos ativos e da extensão dos passivos da empresa, a penhora de faturamento exige um método, para sua aplicação, muito mais sofisticado do que a simples penhora de dinheiro na modalidade on line, de que tratam os arts. 835, I, e 854 do CPC/15, ou mesmo da penhora de créditos, de que tratam os arts. 855 a 860 do CPC/15.  E isso porque o conceito de faturamento está atrelado à noção de receita, que, por sua vez, envolve um conjunto de ativos e recebíveis da pessoa jurídica que vai muito além do simples numerário depositado em uma conta corrente bancária ou aplicado em instituições financeiras; podendo envolver, por exemplo, recebíveis futuros oriundos de certa atividade da empresa. 

Enquanto a penhora de dinheiro consiste na constrição de recursos existentes e já disponíveis para o devedor, em espécie ou em depósitos bancários e aplicações financeiras, a penhora de faturamento envolve não só as disponibilidades em moeda, mas também implica na constrição de recebíveis futuros, cujo exame, inclusive, é fundamental para a elaboração do plano de pagamento a ser elaborado e executado por um administrador.

E a técnica da penhora de faturamento, por demandar um sério exame do conjunto de receitas da empresa, exige a presença de um expert, que precisa ter acesso ao universo contábil e financeiro da pessoa jurídica.

A penhora de faturamento é penhora de receita; logo, é a penhora de dinheiro presente e disponível, bem como de todos os demais valores referentes a recebíveis futuros da companhia, aí também se incluindo os créditos e direitos já existentes, bem como os demais valores que podem ser auferidos pela pessoa jurídica oriundos de suas atividades. Mas para que a penhora de faturamento possa ser bem aplicada, é fundamental que o plano de pagamento possa ser bem elaborado, tendo como lastro a exata realidade fiscal, contábil e financeira da empresa.

A exigência de um administrador é fundamental, até para verificar a melhor forma de satisfazer o credor (art. 797 do CPC/15), sem que, contudo, seja promovida a destruição da empresa (art. 805 do CPC/15); sendo necessário, portanto, que um especialista estude o cenário fiscal, financeiro e contábil da pessoa jurídica e verifique a melhor forma de solver-se a dívida executada, sem acarretar problemas para as atividades e sobrevivência da empresa.

E, recentemente, o STJ teve a oportunidade de, por três vezes, julgar questões referentes ao artigo 866 do CPC/15.

Em 23/11/2020, a 4ª turma do STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 1664898/SP, tendo a relatoria do Ministro Raul Araújo, decidiu que: "Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível a penhora sobre o faturamento da empresa, quando ofertados bens de difícil liquidez ou não encontrados bens do devedor para satisfazer o crédito exequendo. Precedentes."

Por sua vez, a mesma 4ª turma do STJ, em 08/06/2020, no julgamento do AgInt no AREsp 1552288/SC, tendo a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, pontuou que: "A jurisprudência desta Corte Superior é assente quanto à possibilidade de a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa, desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual e que o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial" (AgInt no REsp 1811869/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª turma, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019).

E a 2ª turma do STJ, em 17/09/2019, no julgamento do REsp 1827222/AL, tendo a relatoria do Ministro Herman Benjamin, destacou que: "Consoante a jurisprudência do STJ, "a penhora de faturamento da empresa só pode ocorrer em casos  excepcionais,  que  devem ser avaliados   pelo   magistrado   à  luz  das  circunstâncias  fáticas apresentadas no curso da Execução, obedecendo o que preceitua o art. 866  do  CPC  e  desde  que  não existam outros bens penhoráveis e a constrição não afete o funcionamento da empresa" (REsp 1.696.970/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª turma, DJe 19/12/2017). Hipótese em que a Corte a quo,  com  base nos elementos de convicção,  concluiu  que não foram preenchidos os requisitos para a decretação  da  medida. Asseverou: "(...) Não há elementos concretos que demonstrem a tentativa de localização de bens da empresa em seu próprio endereço nem tampouco que foi diligenciado junto aos cartórios   de registros  de  imóveis  na  investida  de  localizar eventuais bens registrados em nome da devedora. Além do mais, ao que se verifica dos autos, a própria recorrente oferta diversos bens de sua titularidade  como  garantia  à execução fiscal ajuizada em seu desfavor" (fl. 365, e-STJ)".

É bem de ver que a excepcionalidade da aplicação da medida do artigo 866 do CPC/15 é elemento comum nos recentes julgados do STJ.

Todavia, vale ponderar que pode ser mais benéfico para o devedor sofrer constrições em seu faturamento do que sucessivas penhoras online, notadamente na medida em que um administrador expert se dirigirá à empresa e examinará o contexto fiscal, financeiro e contábil da companhia, verificará a real necessidade de capital de giro da empresa, e proporá, dentro dos parâmetros da proporcionalidade, qual seria a melhor forma de se realizar a penhora sobre o faturamento; de tal sorte a conseguir-se pagar o credor em tempo razoável, sem prejudicar, além do necessário, o curso normal das atividades da empresa.

Essa é, inclusive, a lição de Carlos Henrique Abrão: "Pensando nisso, a penhora de faturamento é menos traumática do que aquela junto ao Banco Central, online, uma vez que, comparativamente, estamos diante da retirada imediata de valores, ao passo que a dosagem se corporifica na constrição conforme as regras estabelecidas. O fato de se determinar a penhora de faturamento não significa que estará sendo colocada em risco a solvabilidade da empresa ou sua preservação. Há casos nos quais o devedor se mostra recalcitrante, arrastando o procedimento, sem razão lógica ou plausível, permitindo com isso a constrição do faturamento. Evidente, portanto, que o devedor pretende custo benefício e o recebimento será feito mediante alongamento, isso porque o credor não conseguirá receber a vista, ficando o administrador com a incumbência de apresentar o plano de pagamento".1

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1 ABRÃO, Carlos Henrique. A responsabilidade empresarial no processo judicial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 59.