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CPC na prática

Questões práticas do CPC/15.

Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica
André Pagani de Souza O que é uma "decisão-surpresa" e a razão pela qual ela é vedada no processo civil O art. 10 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que "o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício" (grifos nossos). Vale observar que o art. 10 é um desdobramento do caput art. 9º, também do CPC, que ordena ao Estado-juiz o seguinte: "não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida"1. Em outras palavras, ambos os dispositivos consagram o princípio do contraditório previsto no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal (CF) ao dispor que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Originariamente, o contraditório era resumido no binômio informação-reação. Ou seja, todos têm o direito de saber que contra si foi formulado um pedido de tutela jurisdicional e também de reagir a esse ato postulatório, sendo assegurada a ampla defesa ao longo de todo o processo. Com o tempo, começou-se a perceber que apenas assegurar o direito à informação relativa à prática de atos envolvendo o Estado no exercício da jurisdição e garantir formalmente o direito à defesa não era o suficiente. Também se tornou necessário que o juiz participasse efetivamente do processo judicial, assegurando que ambas as partes tivessem reais possibilidades de influir no resultado final da atividade jurisdicional. Isso significa que dizer que o juiz também é um destinatário do princípio do contraditório. A melhor forma de garantir a participação das partes e do juiz no processo - concretizando o princípio do contraditório - é mediante o diálogo. Para que as partes possam participar efetivamente do processo com reais chances de influir no seu resultado, é preciso que o juiz dialogue com elas, pedindo esclarecimento quando tiver dúvidas e também deixando claro para elas quais são as questões e os pontos que ele entende serem importantes para a resolução do litígio que lhe foi apresentado. Por essas razões é que o princípio do contraditório passou a ser retratado na doutrina como um trinômio: informação-reação-participação (ou informação-reação-diálogo, ou, ainda, informação-reação-cooperação)2. Assim, antes mesmo da entrada em vigor do CPC, já vinha se consolidando a ideia de que para se cumprir o comando inserido no art. 5º, inciso LV da CF, deveria haver um diálogo entre o juiz e as partes, de modo que todos participem ativamente do processo, cooperando para que o seu desfecho seja o melhor possível, resultado do trabalho conjunto de todos os que nele atuaram. Não é por outro motivo que o CPC atual traz também como norma fundamental, ao lado dos arts. 9º e 10, o enunciado do art. 6º: "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva" (grifos nossos). É dizer, o juiz e as partes devem cooperar - mediante diálogo e participação efetiva - para se obter uma decisão de mérito justa e efetiva. As partes cooperam pedindo, alegando e provando sempre pautadas pela boa-fé (CPC, art. 5º) e o juiz também coopera, ao exercer seus poderes, dirigir o processo e decidir, zelando pelo princípio do contraditório e cuidando para que se consiga, em tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva. No tocante à conduta do juiz no curso do processo, Miguel Teixeira de Sousa ensina que o magistrado tem os seguintes deveres decorrentes da cooperação: (i) dever de esclarecimento (o juiz deve solicitar às partes explicações sobre o alcance de suas postulações e manifestações); (ii) dever de prevenção (as partes devem ser alertadas do uso inadequado do processo e da inviabilidade do julgamento do mérito); (iii) dever de consulta (o juiz deve colher manifestação das partes preparatória de sua própria manifestação ou decisão); (iv) dever de auxílio (incentivar as partes no sentido de superar dificuldades relativas ao cumprimento adequado de seus direito, ônus, faculdades ou deveres processuais)3. À luz do que foi exposto até aqui, o juiz não pode, em hipótese alguma, proferir uma decisão cujos fundamentos as partes não tiveram oportunidade de se manifestar, pois isso violaria, a um só tempo, o inciso LV do art. 5º da CF, bem como os arts. 10, 9º, 6º e 5º, do CPC. Isso porque o juiz, ao trazer um "fundamento-surpresa" para a sua decisão, violaria o dever de consulta acima referido, impedindo que as partes participassem do processo com reais chances de influir no seu resultado, contrariando o comando do princípio do contraditório, assim como a cooperação e a boa-fé que lhe são inerentes. Assim, no Brasil, está vedada a decisão "(...) fundada em premissas que não foram objeto de prévio debate ou a respeito das quais não se tomou prévio conhecimento no processo em que é proferida"4. Vale acrescentar que tais premissas podem ser questões de fato ou de direito a respeito das quais não se tomou conhecimento, ou melhor, não foram ventiladas no processo para possibilitar o debate à luz do contraditório. Portanto, se antes da entrada em vigor do CPC atual já era possível depreender a impossibilidade de um juiz proferir uma "decisão-surpresa", tal qual descrita acima, hoje em dia, considerando-se o disposto não apenas no art. 10, mas nos arts. 5º, 6º e 9º do referido diploma legal, não há margem para qualquer dúvida sobre a sua vedação no sistema atual. Como os tribunais têm decidido acerca da vedação das decisões-surpresa? Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um recurso especial, entendeu que deveria ser declarar nula uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Piauí cujo fundamento foi uma surpresa para as partes. O que aconteceu, em apertada síntese, foi o seguinte: durante todo o processo em primeira instância, as partes afirmaram existir entre elas um "contrato de prestação de serviços" mas, o Tribunal local, ao julgar os recursos de apelação de ambas as partes, considerou que teria existido, na realidade, um "contrato de agência ou representação comercial", aplicando a lei 4.886/1995 para solucionar o litígio entre elas, sem que ninguém tivesse feito qualquer cogitação a respeito do assunto. Confira-se, a propósito, a ementa do julgado: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. MANDATO. SUCESSÃO. INCORPORADORA. VALIDADE. CONTRATO. PRORROGAÇÃO. RESCISÃO UNILATERAL. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. VIOLAÇÃO. NULIDADE. RECONHECIMENTO. (...) 2. Segundo o princípio da adstrição, o provimento judicial deve ter como balizas o pedido e a causa de pedir. Sob essa perspectiva, o juiz não pode decidir com fundamento em fato não alegado, sob pena de comprometer o contraditório, impondo ao vencido resultado não requerido, do qual não se defendeu. 3. A Corte local, ao inovar no julgamento da apelação, trazendo a afirmação de que o contrato ajustado entre as partes era de agência, cerceou o direito de defesa do réu, impondo-lhe as consequências previstas pela Lei nº 4.886/1965 para a rescisão imotivada do contrato de representação comercial sem que houvesse requerimento da autora e sem possibilidade de apresentar argumentos ou produzir provas em sentido contrário. (REsp 1641446/PI, Rel. ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/3/2017, DJe 21/3/2017)" Ou seja, no caso apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, a causa de pedir indicava que o contrato celebrado entre as partes era de "prestação de serviços". Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Piauí alterou a causa de pedir para enquadrar o contrato celebrado entre as partes em outra hipótese normativa, a do contrato de "agência ou representação comercial", disciplinado por outra lei, a lei 4886/1995. Não se duvida que o Tribunal, nesse caso, poderia aplicar uma nova lei ou dar um novo enquadramento para os fatos narrados pelas partes. Todavia, não poderia ter feito isso sem observar o princípio do contraditório, dando oportunidade para as partes se manifestarem sobre esse novo enfoque. Ao não observar o contraditório, proferiu-se uma decisão-surpresa, que foi corretamente declarada nula pelo Superior Tribunal de Justiça. Em outra decisão recente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) também declarou nula uma "decisão-surpresa". O magistrado, em primeiro grau de jurisdição, sem ouvir as partes previamente, converteu uma "ação de despejo", cumulada com pedido de cobrança de aluguéis, em uma "ação de execução", sem que as partes tivessem formulado pedido nesse sentido. Acertadamente, o referido Tribunal declarou nula a decisão em julgado assim ementado: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE DESPEJO C.C. COBRANÇA - Locação - Desocupação voluntária do imóvel - Conversão de ofício, pelo Magistrado, da ação de conhecimento em execução - Descabimento - Violação ao art. 10 do CPC - Prejuízo às partes constatado - Anulação da decisão agravada - Recurso provido. (Relator(a): Hugo Crepaldi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 20/04/2017; Data de registro: 20/4/2017)" Em outra oportunidade, o TJSP também declarou nula uma sentença que julgou extinta uma demanda por se entender que inexistiria interesse processual e a petição inicial seria inepta, sem que se desse oportunidade para as partes se manifestassem sobre o fundamento da decisão. Tendo em vista que a decisão foi uma surpresa para as partes, que não haviam alegado a inépcia da inicial ou a inexistência de interesse processual, o Tribunal corretamente declarou nula a decisão por meio de acórdão cuja ementa é a seguinte: "Ação de consignação em pagamento - Processo extinto sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 485, I e VI, do NCPC - Ausência de interesse processual e inépcia da inicial que foram reconhecidas pelo magistrado sem oportunizar às partes a respectiva manifestação - Regra insculpida no art. 10 do NCPC - Violação ao contraditório caracterizada - Sentença anulada - Recurso provido. (Relator(a): Moreira Viegas; Comarca: São José do Rio Preto; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 5/4/2017; Data de registro: 5/4/2017)" Em outra ocasião, o TJSP reconheceu que houve "decisão-surpresa" e declarou nula uma decisão que reconheceu a prescrição, no curso do processo, sem dar prévio conhecimento às partes sobre as premissas da sentença que se pretendia proferir. Ainda que se possa reconhecer de ofício a prescrição, tal decisão violou a parte final do art. 10 do CPC. Veja-se: "EXECUÇÃO - PRESCRIÇÃO - "DECISÃO-SUPRESA" - Pretensão de reforma da respeitável sentença que extinguiu o processo, reconhecida a prescrição da pretensão executiva - Cabimento - Hipótese em que deve ser anulada a respeitável sentença, pois não houve prévia manifestação da parte acerca do decurso do prazo prescricional - Vedação da chamada "decisão-surpresa", nos termos do novo Código de Processo Civil (arts. 9º e 10º) - RECURSO PROVIDO. (Relator(a): Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 21/3/2017; Data de registro: 21/3/2017)" Em outra decisão acertada, o TJ/SP deixou de aplicar o entendimento firmado no enunciado da Súmula 385 do STJ porque as partes não haviam tido a oportunidade de se manifestar sobre a questão. Resumidamente, tratava-se de um pedido de indenização por danos morais em razão da inscrição indevida do nome de alguém nos serviços de proteção ao crédito, mas que já tinha outros títulos protestados. Apesar de o STJ entender que nessa hipótese não haveria dano moral indenizável em razão de já existir outros títulos protestados, não se aplicou tal entendimento porque as partes não tiveram chance para falar sobre a questão. O julgado foi assim ementado: "Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais - Inscrição indevida do nome da autora pela requerida - Procedência da ação - Inexigibilidade reconhecida na sentença - Indenização por danos morais fixada em R$ 15.000,00 - Apelação da requerida - Valor indenizatório que se mostra excessivo - Preexistência de anotações negativas em nome da autora - Questão que não foi debatida nestes autos - Inaplicabilidade da Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça em atenção ao art. 10 do CPC/2015 - Surpresa à parte e ofensa ao contraditório - Circunstância que, no entanto, deve ser sopesada no arbitramento do quantum indenizatório - Danos morais reduzidos a R$ 5.000,00 - Juros moratórios que devem incidir a partir do evento danoso em atenção à Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Relator(a): Jonize Sacchi de Oliveira; Comarca: Campinas; Órgão julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 30/01/2017; Data de registro: 24/2/2017)" Por fim, cumpre mencionar uma última decisão do TJ/SP em que foi declarada nula uma decisão que extinguiu prematuramente um processo por se entender que o pedido formulado era juridicamente impossível sem que se desse oportunidade para as partes de se manifestarem sobre a hipótese utilizada como fundamento da "decisão-surpresa". Confira-se: "CONDOMÍNIO - EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL - AÇÃO JULGADA EXTINTA - CARÊNCIA DE AÇÃO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - SANÇÃO GRAVOSA QUE NÃO POSSUI PREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL - INCONFORMISMO - OMISSÃO DO LEGISLADOR QUE, POR SI SÓ, NÃO PROÍBE A PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO, NEM AFASTA A APLICAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE INTEGRAM O DIREITO PRIVADO - DEVER DA JUSTIÇA DE SOLUCIONAR A CONTROVÉRSIA PELO MÉRITO - DIREITO DE AÇÃO RECONHECIDO - SENTENÇA ANULADA. RESULTADO: apelação parcialmente provida. (Relator(a): Alexandre Coelho; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 7/4/2016; Data de registro: 7/4/2016)" Em suma, os julgados referidos acima demonstram que o art. 10 do CPC tem sido aplicado em consonância com o princípio do contraditório e também com os aspectos doutrinários acima esboçados, o que permite concluir com firmeza que: "é vedada, no sistema processual brasileiro, a prolação de 'decisão-surpresa'". __________ 1 TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao código de processo civil: procedimento comum (arts. 318 a 368). São Paulo: Saraiva, 2016. p. 167. 2 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno, antes da entrada em vigor do CPC atual, ao tratar da relação entre o princípio do contraditório e a cognição jurisdicional, já escrevia que "(...) não há espaço para duvidar que a realização de um pleno contraditório, de uma ampla defesa, de um devido processo legal, em que se assegure ampla possibilidade de participação, de diálogo, de cooperação entre o magistrado, as partes e quiçá eventuais outros sujeitos processuais, todos voltados, em última análise, para o proferimento de melhor decisão jurisdicional, impõe, adotando-se as premissas doutrinárias que abriram o presente item, a realização de uma cognição exauriente" (Amicus curiae e processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 92). 3 SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista de Processo, n. 86. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 174-184. 4 SOUZA, André Pagani de. Vedação das decisões-surpresa no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 136.
Elias Marques de Medeiros Neto Não são poucos os julgados que entendem que o rol do artigo 1015 do novo Código de Processo Civil ("NCPC") é taxativo; seguindo nesta linha, inclusive, relevante parcela da doutrina. Ocorre que, em recentes julgados, diversos tribunais acabaram por acolher a possibilidade de interposição do agravo de instrumento contra a decisão que versa sobre a competência do juízo de primeira instância, mesmo com a ausência de expressa previsão desta especifica hipótese no rol do referido artigo 1015. Trata-se da possibilidade de se conferir interpretação extensiva ao citado artigo 1015, conforme bem leciona a professora Teresa Arruda Alvim1: "no entanto, apesar de se tratar de enumeração taxativa, nada impede que se dê interpretação extensiva aos incisos do art. 1015. Por isso, é que, muito provavelmente, as exigências do dia a dia farão com que surjam outras hipóteses de cabimento de agravo, que não estão previstas expressamente no art. 1015, mas podem-se considerar abrangidas pela via da interpretação extensiva. Um bom exemplo é o dado por Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha: se a decisão que rejeita a convenção de arbitragem é recorrível de agravo (art. 1015, III), também deve ser agravável a que dispõe sobre a competência (relativa ou absoluta), pois são situações muito semelhantes". Neste ponto, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha2 são enfáticos: "A decisão relativa à convenção de arbitragem é uma decisão que trata de competência. Se a decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem é agravável, também deve ser agravável a que trata de uma competência, relativa ou absoluta. (...). Embora taxativas as hipóteses de agravo de instrumento, aquela indicada no inciso III do art. 1015 comporta interpretação extensiva para incluir a decisão que versa sobre competência". Nesta linha, no julgamento do agravo de instrumento 2187603-32.2016.8.26.0000, ocorrido em 13/12/2016, tendo sido relator o Desembargador Carlos Alberto Garbi, a 10ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que: "AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE VERSA SOBRE COMPETÊNCIA. ROL TAXATIVO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. 1. Com a revogação do Código de Processo Civil de 1973, promovida pela Lei nº 13.105/2015, o agravo de instrumento passou a ter cabimento apenas nas hipóteses expressamente elencadas pelo legislador. Portanto, não se enquadrando a decisão agravada nas hipóteses de decisões interlocutórias agraváveis previstas no art. 1.015 do NCPC, não deve ser, como regra, conhecida a pretensão da agravante. 2. Todavia, conquanto se reconheça a dificuldade do legislador na formulação de um rol taxativo das decisões imediatamente recorríveis mediante interposição de agravo, de modo a atender a celeridade e efetividade do processo, o diferimento da impugnação de outras interlocutórias não previstas, hoje, dentre as hipóteses do art. 1.015 do CPC de 2015, pode resultar em verdadeira preclusão de determinadas matérias. Daí porque a doutrina tem defendido, com veemência, a compatibilidade entre a taxatividade legal das hipóteses de cabimento de agravo e sua interpretação extensiva para abarcar, por analogia, outras situações semelhantes àquelas idealizadas pelo legislador, permitindo, assim, a adequação sistêmica e a colmatação de determinadas lacunas do Novo Código nesse ponto. 3. Como se verifica, o art. 1.015 do CPC não prevê dentre as decisões recorríveis por agravo de instrumento aquelas que versam sobre competência. Sucede que, por motivos óbvios, não há proveito em se relegar ao momento do julgamento da apelação a apreciação de tal matéria pelo Tribunal. Não obstante o novo Código estabeleça a "possibilidade" de aproveitamento dos atos praticados por juízo incompetente, a necessidade de renovação daqueles porventura declarados nulos apenas na apelação caracterizará, à evidência, séria afronta aos princípios da economia e da celeridade processual. 4. Dessa forma, seja para assegurar a coerência do ordenamento, com o tratamento igual à situações semelhantes, seja para impedir o uso do mandado de segurança como sucedâneo recursal, justifica-se seja dada interpretação extensiva ao art. 1.015, inc. III, do CPC, para admitir a impugnação das decisões interlocutórias que versarem sobre competência pela via do agravo de instrumento, assim como outras que podem causar prejuízo irreversível no julgamento da apelação. 5. Recurso que deve ser conhecido." Também em julgamento recente, ocorrido em 14/6/2016, a mesma interpretação extensiva foi adotada pela 31ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do agravo de instrumento 20796163420168260000, tendo sido relator o desembargador Carlos Nunes: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA - Decisão interlocutória não prevista expressamente no rol do art. 1015 do novo CPC - Possibilidade de interpretação extensiva para enquadrar o caso no inciso III, do art. 1015 do CPC/2015, que dispõe sobre rejeição de convenção de arbitragem, na medida em que tal inciso trata de competência, pois o juiz quando rejeita a arbitragem, na verdade declara a sua competência para julgar o feito - Cabimento do agravo de instrumento. ACIDENTE DE TRÂNSITO - SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT)- Ação de cobrança de seguro obrigatório - Decisão de Primeiro Grau em que foi reconhecida a incompetência do Juízo, sob o fundamento de que o foro competente para o ajuizamento da ação é o do domicílio da sede da ré - Escolha pelo foro do domicílio da sucursal da ré - Faculdade atribuída ao autor - Possibilidade - Ação que pode ser proposta no foro do domicílio da sucursal da ré, de acordo com a regra do art. 53, III, 'b', do novo CPC - Recurso provido, na parte conhecida, para o fim de reconhecer a competência do juízo da 6ª Vara Cível de São José do Rio Preto para julgar a ação. JUSTIÇA GRATUITA - Pedido formulado em primeira instância e não apreciado pelo magistrado - Impossibilidade de apreciação em sede de agravo de instrumento, consoante disposto no art. 1015, V, do novo CPC - Recurso não conhecido nessa parte." Entendimento similar foi o adotado pela 15ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento do agravo de instrumento 1575104-5, ocorrido em 26/10/2016, tendo sido relator o Desembargador Hamilton Mussi Correa: "1. DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, a fim de acolher a exceção de incompetência proposta pela agravante e determinar a remessa dos autos à Comarca de Ivinhema/MS, de acordo com o voto do Relator. EMENTA: Agravo de instrumento. Exceção de incompetência. Cabimento. Interpretação extensiva do art. 1.015, do CPC/2015. Ação revisional proposta em foro diverso do domicílio do consumidor e do foro de eleição do contrato. Impossibilidade. Princípio do Juiz Natural. 1. É cabível recurso de agravo de instrumento que versa sobre competência, uma vez que o reconhecimento futuro de eventual incompetência do Juízo por ocasião do julgamento de apelação seria inócuo, pois o processo já teria tramitado perante Juízo incompetente. 2. A opção aleatória do foro da ação, não guardando relação com aquele da residência do consumidor ou com o foro de eleição, agride ao princípio do Juiz Natural estabelecido no art. 5º, inc. XXXVII da Constituição Federal. O fato de a Lei 8078/90 conferir ao consumidor a prerrogativa de optar, dentre as hipóteses que expressamente prevê, o juízo onde proporá a demanda, não lhe outorga liberdade absoluta para, sem observar critério algum de competência, ajuizar a ação em qualquer lugar do país. Recurso provido. Agravo de Instrumento nº 1.575.104-5 fl. 2" Idêntica posição foi a da 3ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, no julgamento do agravo de instrumento 00154926120168050000, ocorrido em 25/10/2016, tendo sido relatora a Desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia: "2. EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. SOCIEDADE ECONOMIA MISTA. DECISÃO INCOMPETÊNCIA JUSTIÇA ESTADUAL. CABIMENTO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FASE PRÉ-CONTRATUAL COMPETÊNCIA JUSTIÇA TRABALHO. INCISO I DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRELIMINAR REJEITADA. A decisão que declara a incompetência desafia agravo de instrumento, diante da possibilidade de interpretação extensiva ao art. 1.015, III do CPC/2015. Preliminar rejeitada. O entendimento predominante dos Tribunais Superiores é de que a Justiça do Trabalho é competente para conhecer e julgar litígios referentes ao período pré-contratual de potencial empregado que presta concurso público para ingresso em entidade estatal. Isso porque, apesar de tratar de questões anteriores à efetivação da formalização do vínculo empregatício, no momento em que o candidato é aprovado no certame formaliza com o empregador um pré-contrato de trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça Laboral. Agravo conhecido e improvido." Os julgados acima, que autorizam a interpretação extensiva do art. 1015, III, do NCPC, para também se abarcar as hipóteses de competência, estão em linha com as normas fundamentais do NCPC (artigos 4 e 8), garantindo-se que uma relevante e importantíssima questão processual - competência - não seja tardiamente enfrentada apenas quando do julgamento do recurso de apelação. __________ 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1614. 2 DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v.3. Salvador: JusPodium, 2016. p. 216.
Rogerio Mollica O novo Código de Processo Civil foi concebido para que se tenha um processo mais célere e sem dilações indevidas. Qualquer operador sabe que o nosso processo é bastante demorado, entretanto, muitas das causas dessa lentidão são estruturais e não legais. Não sendo possível aumentar a estrutura na proporção do aumento do número de processos, a solução é evitar o ajuizamento de processos ou mesmo tentar limitar a interposição de recursos protelatórios. Dessa forma, o novo Código procura incentivar os meios alternativos de solução de controvérsia e tornou mais caro litigar. Com a fixação de honorários máximos no processo de conhecimento, no cumprimento e a imposição de multas, pode-se chegar a um incremento de quase 50% no valor de uma condenação. Portanto, os honorários advocatícios não são mais apenas uma forma de remunerar os advogados, mas uma maneira de limitar o ajuizamento de ações e mesmo a interposição de recursos meramente protelatórios. Os honorários passam a ter o papel de sanção à parte derrotada, que sob os olhos do Judiciário litigou e/ou recorreu indevidamente1. Um incremento nos custos dos processos se dá com a impossibilidade de compensação dos honorários no caso de sucumbência parcial, que é decisão acertada, pois os honorários pertencem aos advogados e não às partes, logo um absurdo a previsão do artigo 21 do CPC de 1973 para a compensação dessas verbas. Nesse caso, as duas partes perdem parcialmente e ambas devem pagar honorários aos advogados da parte adversa2. Como grande inovação temos a fixação de novos honorários pelos tribunais ao julgar os recursos. Tal previsão está no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil: "O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos § § 2º e 3º para a fase de conhecimento"3. Cumpre esclarecer que no projeto do Senado os honorários poderiam ser aumentados até o percentual de 25%, sendo que na Câmara esse percentual foi reduzido para 20%, que é o previsto no Novo CPC. O § 12 é enfático ao prever que os honorários previstos no § 11 (recursais) são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77 (atos atentatórios à dignidade da justiça). Apesar da previsão legal de que o incremento dos honorários se daria no Tribunal para de alguma forma remunerar o "trabalho adicional realizado em grau recursal", tem se notado uma tendência no aumento dos honorários mesmo no caso do recorrido não apresentar contrarrazões. De fato, se o advogado da parte não apresenta contrarrazões, pode ser alegado que não se teve trabalho adicional com o referido recurso. Tal afirmação nem sempre é verdadeira, pois esse advogado pode ter apresentado memoriais, despachado com o Relator e demais julgadores, efetuado sustentação oral ou tão somente acompanhado por longo anos a tramitação de tal recurso. Dessa forma, merece ser remunerado, mesmo no caso de não ter apresentado contrarrazões. Ademais, tal majoração visa a desestimular eventuais recursos protelatórios e essa face sanção dos honorários sucumbenciais independe da apresentação de resposta ao recurso. Tal entendimento é compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal, que por decisão majoritária entendeu que: "(...) o fato de não ter apresentado contrarrazões não necessariamente significa que não houve trabalho do advogado: pode ter pedido audiência, ter apresentado memoriais. Em última análise, como eu considero que essa medida é procrastinatória e que a majoração de honorários se destina a desestimular também essa litigância procrastinatória." (ARE 964.330 AgR/ES, Rel. para acórdão Roberto Barroso, 1ª Turma do STF, julgamento em 30/08/2016)4 Em tal julgamento restou vencido o Ministro Marco Aurélio Mello, que deixou de majorar a condenação pela ausência das contrarrazões eis que "(...) esse acréscimo, em termos de honorários advocatícios, a teor do disposto n § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil, pressupõe o trabalho desenvolvido pelo advogado da parte contrária, beneficiário da condenação." No dia 7/4/2017 o próprio site Migalhas publicou reportagem com o título: "STJ fixa requisitos para arbitramento de honorários advocatícios recursais". Em tal reportagem consta o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que "não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido em grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba"5. Cumpre ainda ressaltar que tal entendimento das Cortes Superiores não vem sendo aplicado em muitos julgados, conforme se depreende do recente acórdão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Acórdão desta Câmara que negou provimento à Remessa Necessária e recurso do Município - Embargos de Declaração agora opostos pelo Município apelante para ver reconhecida eiva do decisório, para tanto, apontando suposta contradição - Acolhimento dos embargos de declaração de rigor. 1. Efetivamente descabida a majoração da verba honorária em sede recursal porque não apresentada contrarrazões pela parte adversa, não se submetendo, assim, à hipótese do art. 85, § 11º, do novo CPC. 2. Acolhimento dos Embargos de Declaração para suprimir a majoração dos honorários advocatícios nesta Superior Instância. Embargos de Declaração acolhidos." (g.n.) (Embargos de Declaração no Processo 1000192-83.2015.8.26.0035, 6ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Sidney Romano dos Reis, julgado em 3/4/2017) g.n. Parte importante de nossa doutrina também aponta a necessidade da apresentação das contrarrazões ou da existência de um trabalho adicional para a fixação dos honorários recursais. Esse é o entendimento de Bruno Vasconcelos Carilho Lopes: "Observe-se, no entanto, que o arbitramento de honorários recursais complementares aos fixados nas instâncias anteriores tem por objetivo remunerar o trabalho do advogado do recorrido na fase recursal. Diante disso, se nenhum trabalho foi realizado, não há o que remunerar e, portanto, não devem ser fixados novos honorários no julgamento do recurso (Lopes, 2008, p.99). É o caso dos recursos julgados sem prévia intimação do recorrido para apresentar resposta, tal como muitas vezes ocorre nos embargos de declaração, e daqueles em que, apesar do recorrido ser intimado, seu advogado não apresenta resposta nem pratica qualquer ato antes do julgamento do recurso"6. Em que pesem os julgados dos Tribunais de Justiça e Federais e a abalizada doutrina que entendem que seria necessária a existência de um trabalho adicional a justificar a majoração dos honorários na fase recursal, tende a prevalecer o entendimento que esses honorários recursais além do caráter remuneratório, teriam o caráter punitivo, sendo desnecessária a apresentação de contrarrazões ao recurso ou mesmo qualquer ato do advogado do recorrido no Tribunal a fim de justificar a fixação de honorários recursais. __________ 1 Nesse sentido é o entendimento de Rogerio Licastro Torres de Mello: "É de se observar, por fim, que a fixação do percentual dos honorários sucumbenciais deve levar em conta, a nosso ver, não só o potencial remuneratório ao advogado que patrocinou a vitória de uma das partes, mas também deve servir de sanção patrimonial à parte derrotada para que esta sofra materialmente as consequências de uma conduta que o judiciário reputou indevida (tanto que sucumbente no âmbito da ação), o que nos permite entrever caráter pedagógico da parte derrotada na estipulação dos honorários sucumbenciais." ("Honorários advocatícios sucumbenciais: apreciações gerais e princípios aplicáveis", in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 60). 2 Nesse sentido merece destaque o alerta de Elias Marques de Medeiros Neto: "É relevante a repercussão desta previsão para o jurisdicionado, reforçando-se ainda mais a necessidade do prévio cálculo do custo e benefício em litigar. Imagine-se a hipótese de o réu de uma determinada demanda ser condenado a pagar, em sucumbência parcial, certo montante ao autor. Neste caso, como a sucumbência foi parcial, o autor também será condenado a arcar com honorários devidos ao advogado do réu. Ocorre que o réu não se mostra solvente e não consegue pagar a quantia devida ao autor, o qual, independentemente do êxito no recebimento do que lhe é devido, deverá arcar com os honorários fixados em favor do advogado do réu; os quais, dada a sua natureza alimentar e dada a previsão de não compensação, serão inegavelmente devidos, em um verdadeiro duplo prejuízo ao autor! O autor não receberá o valor que lhe é devido pelo réu e ainda terá de pagar os honorários de sucumbência fixados em favor do advogado do réu, em razão da sucumbência parcial. Este contexto tende a se tornar frequente em um país recheado de crises econômicas como é o brasil, de modo que o cálculo do custo e benefício de litigar precisa ser feito com bastante seriedade por parte do jurisdicionado. Refletir sobre qual é o real custo da demanda e sobre quais são as reais chances de êxito do processo são verdadeiros deveres do jurisdicionado antes da decisão de ajuizar uma demanda perante o poder judiciário." ("Breves anotações sobre o regime dos honorários de sucumbência, nas demandas entre particulares, no Novo Código de Processo Civil", in Honorários Advocatícios, coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 145). 3 O professor Cássio Scarpinella Bueno vê um efeito colateral na inovação legal: "O § 11 do art. 85 estabelece que eventual majoração dos honorários devida pela existência do segmento recursal deve respeitar os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º. Efeito colateral que a regra provavelmente trará é a imposição de honorários aquém do limite legal, na primeira instância, para que eles sejam majorados no caso de haver recurso. Mesmo no âmbito recursal, não deverá chocar ninguém se o limite legal não for atingido justamente porque outros recursos são cabíveis e, nesse sentido, ensejam outras majorações, sempre nos limites destacados. Para um Código que quer(ia) evitar recursos, a escolha legislativa é criticável." (Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva 2015, p. 130). A escolha do legislador parece ter sido exatamente essa, fixação dos honorários não no teto para o sucumbente poder escolher entre prosseguir recorrendo e podendo pagar mais honorários ou se quedar inerte e pagar honorários menores que 20%. Se desde logo forem fixados honorários de 20%, o sucumbente não vai hesitar em recorrer, pois não poderá sofrer um acréscimo na referida condenação. 4 O mesmo entendimento foi aplicado aos AREs 711.027 e 964.347. 5 EDcl no RESP 1.573.573, Rel. Min. Marco Bellizze, 3ª Turma, julgado em 4/4/2017. 6 In honorários Recursais no Novo Código de Processo Civil, Revista do Advogado, n. 126, Associação dos Advogados de São Paulo, 2015, p. 20). Esse também é o entendimento de Guilherme Rizzo Amaral: "Não faz jus à majoração de seus honorários o advogado do recorrido, ainda que vencedor no recurso, que não participar de forma alguma da instância recursal (seja apresentando contrarrazões ao recurso, seja apresentando memorial, comparecendo ao julgamento ou proferindo sustentação oral). Vale lembrar que os honorários em fase recursal não punem o recorrente por utilizá-la, mas, sim, remuneram o advogado da parte contrária pelo seu trabalho, acaso existente." (Comentários à alteração do Novo CPC, São Paulo, RT ,2015, p. 156).
Daniel Penteado de Castro No perfil do Código de Processo Civil de 2015 as chamadas tutelas provisórias podem ser requeridas com fundamento na urgência ou na evidência (art. 294). A tutela da evidência a qual se ocupam as hipóteses do art. 311 ganha destaque no perfil do novel Código de Processo Civil, em especial as situações previstas nos incisos II, III e IV, as quais não possuem correspondência no CPC/73. Como já pudemos examinar em outra oportunidade, o art. 311 cuida da tutela provisória que prescinde da demonstração do elemento urgência.1 Disciplina o inciso II do art. 311 a autorização para a concessão da tutela de evidência quanto as alagações de fato puderem ser comprovadas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Portanto, o critério eleito pelo legislador para referida hipótese autoriza a concessão da medida fundada em precedente firmado em casos repetitivos2 ou súmula vinculante. Recentemente o tribunal de justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento de recurso de agravo de instrumento, concedeu a tutela da evidência sob o fundamento, em primeira leitura, da tese apontada pelo recorrente estar firmada em precedentes do tribunal e do Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela provisória em ação declaratória cumulada com repetição de indébito. Cálculo de ICMS sobre cobrança de consumo de energia elétrica. Entendimento jurisprudencial de que as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Distribuição (TUSD) não incidem no cálculo do ICMS. Requisitos da tutela de evidência que restaram preenchidos (art. 311, inciso II, do CPC). Precedentes do C. STJ e deste E. Tribunal. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO." (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Faria, j. 20/3/2017) A ementa do julgado em referência permite aferir que a tutela de evidência restou concedida com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do tribunal de justiça Estadual, a ampliar o rol restritivo do art. 311, II, do CPC. De igual modo, os fundamentos postos no voto condutor estão assentados em precedentes de qualificação distinta do art. 311, II, do CPC, pois tratam de precedente firmado pela corte especial Superior Tribunal de Justiça3 e diversos julgados do tribunal de justiça Estadual: "(...) No mesmo sentido TJSP: Agravo de Instrumento nº 2179938- 2.2016.8.26.0000, Rel. Fermino Magnani Filho, j. em 16/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2201814-73.2016.826.0000, Rel. Osvaldo Magalhães, j. em 07/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2209219-63.2016.8.26.0000, Rel. Venicio Salles, j. em 09/11/2016; Agravo de Instrumento nº 2118858-97.2016.8.26.0000; Rel. Marcos Pimentel Tamassia, j. em 19/07/2016; Apelação nº 1049375-66.2015.8.26.0053, Rel. Ponte Neto, j. em 29/06/2016; Apelação/ Reexame necessário nº 1012339-53.2015.8.26.0032; e Rel. Ronaldo Andrade, j. em 08/06/2016. Sendo assim, considerando que o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, serviços de transporte e comunicação, nos termos do art. 155, inciso II, da Constituição Federal, e que a energia elétrica, para fins de tributação, é considerada como mercadoria, a hipótese de incidência do imposto restringe-se ao efetivo consumo pelo destinatário. Portanto, em que pese o entendimento do ilustre Juízo singular, na hipótese em apreço, é de reconhecer-se a presença dos requisito da tutela de evidência, que são a comprovação da alegação documentalmente e a existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (art. 311, inciso II, do CPC/2015), o que afasta a necessidade de comprovação da urgência." (Voto condutor do Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Faria, j. 20/3/2017, TJ/SP) A despeito do fundamento acima não corresponder à hipótese prevista no art. 311, II, do CPC, qual seja, tutela da evidência fundada em casos repetitivos ou súmula vinculante, a corte bandeirante houve por prestigiar a inteligência do art. 927 do CPC, no sentido de se observar a eficácia persuasiva de entendimentos firmados pelas Cortes Superiores a respeito de dada matéria. Em verdade, o julgado acima não reflete hipótese restrita de tutela provisória concedida com fundamento na evidência (até porque, repita-se, a evidência do direito apontada estava fundada em precedente do STJ e do tribunal de justiça Estadual ao invés de casos repetitivos ou súmula vinculante), mas pela leitura do voto constante ao final do v. acórdão depreende-se também o fundamento da urgência: "(...) Por outro lado, no caso de entendimento diverso, também é possível a concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC/2015, tendo em vista que as razões expostas nos julgados convencem da probabilidade do direito alegado e há quase certeza da procedência da demanda, diante da cobrança de flagrante aparência como indevida. "O risco de dano de difícil reparação decorre do pagamento de imposto ilegítimo, que levará o contribuinte à necessidade de postular a repetição de indébito, meio oneroso de recuperação do numerário indevidamente exigido. Frente aos precedentes citados, sendo firme a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, recentemente reiterada, assume diminuta importância a alegação de suposta irreversibilidade da medida, diante da eventual impossibilidade do contribuinte saldar o débito, caso vencido na demanda. Assim, em virtude de tese já confirmada pela jurisprudência deste E. Tribunal e do C. STJ, no sentido que a transmissão e distribuição de energia elétrica não compõem o fato gerador de ICMS, restam preenchidos os requisitos necessários à concessão da tutela provisória requerida, razão pela qual deve o recurso ser provido." (Voto condutor do Agravo de Instrumento n. 2236595-24.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Faria, j. 20/3/2017, TJ/SP) A despeito do v. acórdão objeto deste comentário em verdade revelar a fusão de fundamentos para a concessão da tutela provisória (evidência e urgência), tem-se que a observância do art. 927 do CPC deve servir fundamento hábil a ensejar a concessão da tutela provisória de urgência na perspectiva de se preencher o requisito da probabilidade do direito (art. 300 do CPC). Vale dizer, precedentes reiterados do STJ e do tribunal de justiça Estadual ou tribunal regional, enunciados de súmula, acórdãos em incidente de assunção de competência, enunciados de súmula do STF e STJ e orientação do plenário ou órgão especial aos quais estiverem vinculados, a despeito de não se enquadrar na hipótese do art. 311, II, do CPC, certamente terão o condão de preencher o requisito da probabilidade do direito que, aliado ao elemento urgência, autorizarão a concessão da tutela provisória de urgência. Neste cotejo, imperiosa a observância do art. 927 do CPC a fim de se aferir o grau de persuasão do precedente que se firma a existência da probabilidade do direito e, ainda, sua aplicação em consonância com o art. 489, § 1º, VI, forte em dizer que não se considera fundamentada a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. As conclusões acima já vêm sendo postas em prática pelo tribunal de justiça do Estado de São Paulo em julgados realizados recentemente. Apesar de se tratar da mesma matéria posta para reexame, alguns julgados afastaram a concessão de tutela da evidência por não se tratar de precedente que se enquadre no art. 311, II, do CPC, muito embora reconheceram que razão assistia à tese do recorrente4. Por sua vez, a mesma tese posta, porém aliada ao elemento urgência, foi suficiente a autorizar a concessão da tutela provisória5. __________ 1 CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação de tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: ed. JusPodivm, 2017. 2 Casos repetitivos, definidos no art. 988 do CPC como os precedentes formados em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em recurso especial e extraordinário repetitivos. 3 AgRg na SLS 2.103/PI, Rel. ministro Francisco Falcão, Corte especial, julgado em 4/5/2016, DJe 20/5/2016. 4 "Declaratória. ICMS. Base de cálculo. Decisão que indeferiu tutela de evidência que tinha por objeto determinar que o ente público se abstenha de incluir na base de cálculo do ICMS os valores decorrentes de Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Distribuição (TUSD). Ausência dos requisitos legais. Inexistência de julgamentos sobre o tema na forma do art. 543-C do CPC/73 (art. 1.036 e seguintes do CPC/15) ou de súmula vinculante sobre o tema. Decisão mantida. Recurso conhecido e não provido. (...) Não obstante existam precedentes, inclusive desta relatora, no sentido da impossibilidade de inclusão da TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS incidente sobre as tarifas de energia elétrica, é certo que não há, até o presente momento, julgamento específico sobre o tema perante o C. STJ na forma dos recursos repetitivos. Há, sim, precedentes daquela Corte que dão suporte ao pleito, mas estes não foram submetidos ao rito do art. 543-C do CPC/73 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/15). (...) Assim, conquanto existam julgados no mesmo norte da tese defendida, não se mostram presentes os requisitos legais necessários ao acolhimento do pedido de tutela de evidência, de forma que a decisão há de ser mantida tal como lançada. (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2022.535-93.2017.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Vera Angrisani, j. 30/3/2017) "ICMS. Energia elétrica. Base de cálculo. Taxa de Uso de Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) e Taxa de Uso de Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST). Exclusão. Tutela de evidência indeferida. - 1. TUST. TUSD. ICMS. Base de cálculo. Não há tributação em cada fase do fornecimento de energia elétrica exatamente por conta de suas características próprias; não há 'deslocamento' se a 'mercadoria' está, ao mesmo tempo, disponível em todos os pontos do sistema elétrico, ainda que sob formas distintas. Não há 'deslocamento', mas operação complexa com custos agregados ao longo da sua formação; operação que é una do ponto de vista do consumidor final e da legislação. Preço de todas as etapas da operação complexa que compõe o seu custo final e integra a base de cálculo do ICMS, nos termos da legislação. Operação mercantil que é tributada somente no momento do consumo da energia e sua base de cálculo é o custo total da operação. Complexidade e peculiaridade do fornecimento da energia elétrica que justifica a prévia oitiva da Fazenda e induz uma maior meditação. - 2. Tutela de evidência. Não se desconhece a jurisprudência majoritária do STJ, a favor da pretensão autoral; contudo, as decisões referentes a tributação da TUST e da TUSD não foram julgadas sob o regime de recursos repetitivos, não restando preenchidos os requisitos autorizadores da concessão da tutela de evidência, prevista no inciso II do art. 311 do CPC. Tutela de evidência indeferida. - Agravo desprovido." (Agravo de instrumento n. 2039404-34.2017.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Torres de Carvalho, DJ 27/3/2017) 5 "Agravo de Instrumento Ação declaratória de Inexistência de Relação Tributária Tributação sobre a distribuição de energia elétrica - ICMS sobre TUST e TUSD - Indeferimento da tutela antecipada Recurso manejado pelo autor contra esta r. Decisão Provimento de rigor. 1. Requisitos legais à concessão da tutela antecipada perceptíveis em sede de cognição sumária Probabilidade do direito e perigo de dano O STJ recentemente reconheceu a ilegalidade da cobrança de ICMS sobre as TUST e TUSD no julgamento dos EDcl no AgRg no REsp nº 1359399/MG - Súmula 166 do STJ, segundo a qual o simples deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do ICMS Elementos suficientes para afastar a presunção de legitimidade do ato administrativo atacado. 2. Por fim, as demais questões opostas pelas partes dizem respeito ao mérito e não podem ser objeto de análise no agravo sob pena de supressão de Instância e deverão ser detidamente apreciadas por ocasião do julgamento pela Magistrada "a quo". R. Decisão reformada. Recurso provido." (Agravo de Instrumento n. 2007288-72.2017.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Sidney Romano dos Reis, DJ 27/3/2017) "AGRAVO DE INSTRUMENTO ICMS sobre tarifa de transmissão e distribuição de energia elétrica TUST e TUSD não compõem a base de Cálculo do ICMS A hipótese de incidência de ICMS envolve apenas situações de efetiva circulação jurídica de mercadorias (S. 166/STJ) Precedentes Decisão reformada Recurso de agravo provido. (...) Pelo exposto, diante da necessidade de tutela provisória, por motivos de urgência e evidência, dou provimento ao agravo de instrumento, para que a FESP se abstenha de cobrar o ICMS sobre as tarifas de uso do sistema de transmissão de energia elétrica e de uso do sistema de distribuição de energia elétrica (TUST e TUSD)." (TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2019238-78.2017.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ribeiro de Paula, DJ 27/3/2017)
André Pagani de Souza 1. Da recente decisão do TJSP sobre o descabimento da condenação do vencido no incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais Em recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), foi decidido que não caberia a condenação ao pagamento de honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica disciplinado pelos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC), quando, ao final, se entender que não teriam restadas comprovadas as hipóteses autorizadoras da medida prevista do art. 50 do Código Civil (CC). No caso concreto, julgado em 7/2/2017 pela 37ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, nos autos do agravo de instrumento 2230826-35.2016.8.26.0000, da comarca de Santos, durante a fase de cumprimento de sentença, foi instaurado e acolhido o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, em primeiro grau de jurisdição. Entretanto, os sócios atingidos pela decisão de desconsideração da personalidade jurídica interpuseram recurso de agravo de instrumento, conforme autorizado expressamente pelo art. 1.015, inciso IV, do CPC. No referido recurso, os sócios argumentaram que não restaram comprovadas nenhuma das hipóteses autorizadoras de desconsideração da personalidade jurídica discriminadas pelo artigo 50 do CC (confusão patrimonial ou desvio de finalidade), enfatizando que a mera inexistência de bens em nome da sociedade para pagar o valor objeto da execução movida em face da pessoa jurídica não autorizaria a adoção desta medida extrema. Assim, em sede recursal, pediram a reforma da decisão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica que havia acolhido o pedido dos credores com base no art. 50 do CC, para afastar o decreto de desconsideração da personalidade jurídica, com a exclusão dos sócios do polo passivo da demanda e desbloqueio de valores eventualmente bloqueados, bem como condenar a parte que pediu a instauração do incidente a arcar com os ônus da sucumbência. Ocorre que o TJ/SP, reconhecendo que não houve demonstração de abuso da personalidade jurídica, acolheu o primeiro pedido acima mencionado, mas não acolheu o segundo pedido de condenação ao pagamento dos ônus de sucumbência por parte daqueles que requereram a instauração do incidente e terminaram vencidos. O julgado foi assim ementado: "Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica acolhido. Insurgência dos sócios incluídos no polo passivo, ora Agravantes, sob o argumento de que não restaram comprovadas quaisquer das hipóteses autorizadoras da medida, previstas no artigo 50 do Código Civil. Medida que é excepcional, a ser deferida apenas em caso de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Mera inexistência de bens em nome da pessoa jurídica para cobrir a execução não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes jurisprudenciais. Honorários advocatícios que não são cabíveis no caso. Ausência de previsão a esse respeito no CPC/15, que é taxativo quanto às hipóteses em que se mostram passíveis de fixação. Mero incidente no curso do processo que não autoriza a fixação de honorários. Atuação dos patronos que será avaliada como um todo no final do processo. Recurso parcialmente provido. (Relator: João Pazine Neto; Comarca: Santos; Órgão julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 7/2/2017; Data de registro: 8/2/2017, sem os destaques)". Como se pode perceber da simples leitura da ementa do julgado acima transcrita, o argumento utilizado pelo TJ/SP para negar o pedido de condenação ao pagamento de honorários advocatícios aos vencedores no incidente de desconsideração da personalidade jurídica é a ausência de previsão a esse respeito no CPC, que seria taxativo quanto às hipóteses de arbitramento de honorários desta natureza. Da leitura mais atenta do v. acórdão, percebe-se que há ainda outro argumento utilizado para se negar a condenação ao pagamento da verba sucumbencial pelo vencido ao vencedor. Confira-se, a propósito, o trecho do v. acórdão que trata do assunto: "(...) Por fim, não merece acolhida o pleito para fixação de honorários advocatícios em razão do acolhimento do incidente, pois não são cabíveis no caso. Insta ressaltar a ausência de previsão a esse respeito no CPC/15 que, diga-se de passagem, é extensamente enumerativo quanto às hipóteses em que possível tal fixação (art. 85, § 1º). Mero incidente no curso do processo, o que é o caso dos autos, não autoriza a fixação de honorários. Ademais, a atuação dos patronos será avaliada como um todo no final do processo, para fixação da verba honorária sucumbencial (...). Em outras palavras, os argumentos utilizados para se negar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica são os seguintes: (a) ausência de previsão legal no CPC, que teria um rol taxativo de hipótese de pagamentos de honorários no art. 85, § 1º; (b) descabimento de fixação de honorários em mero incidente no curso do processo, uma vez que a atuação dos advogados "será avaliada como um todo no final do processo". Com o devido respeito, não se pode concordar com a decisão do TJ/SP acima exposta no que diz respeito à suposta impossibilidade de condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais por parte daquele que sai vencido no incidente de desconsideração da personalidade jurídica pelas razões abaixo articuladas. 2. Razões pelas quais o vencido deve pagar honorários advocatícios sucumbenciais ao vencedor no incidente de desconsideração da personalidade jurídica Não se desconhece o fato de que o art. 85, § 1º, do CPC, estabelece hipóteses em que é cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios e não menciona o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Com efeito, o referido dispositivo legal, após fixar que "a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor" (CPC, art. 85, caput), menciona que "são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente" (CPC, art. 85, § 1º). No entanto, isso não é o suficiente para afirmar que esse rol do § 1º do art. 85 do CPC seria taxativo, pois a própria lei processual estabelece em outras passagens a possibilidade de se condenar alguém ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais. Veja-se, por exemplo, a hipótese do parágrafo único do art. 129 do CPC, que trata da denunciação da lide: "se o denunciante for vencedor, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado". A propósito, na situação descrita pelo parágrafo único do art. 129 do CPC, fica claro que o sistema processual permite, em hipóteses nas quais ocorra o encerramento do processo por meio de decisões que decidam parcialmente o mérito, a condenação ao vencido de pagamento de honorários advocatícios ao advogado do vencedor. Nesse sentido, Thiago Asfor Rocha Lima e Marcus Claudius Saboia Rattacaso observam que "ao que parece, o legislador nunca pretendeu tornar a fixação dos honorários parciais a regra do sistema, pois, se assim o fosse, poderia ter feito, quando menos, nas alterações processuais de 2005, ou dez anos depois, quando da promulgação do Novo CPC. Isso, todavia, não impede o magistrado, em situações específicas e justificadas, de estabelecer os honorários de sucumbências parciais e nas decisões parciais de mérito. Isso é possível de ocorrer não apenas nos casos de extinção do processo em relação a uma das partes, por ilegitimidade, exempli gratia - visto que nesse caso a parte excluída não participará da decisão final - mas também quando houver desistência, renúncia ou reconhecimento parcial do pedido (art. 90, caput e § 1º) e ainda nos casos de parcela do pedido se mostrar incontroverso ou em imediatas condições de julgamento (art. 356, inciso II), seja por desnecessidade de produção de provas novas, seja por se operarem os efeitos de revelia"1. Assim, nas hipóteses em que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica é julgado improcedente, após a regular tramitação do incidente sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, fica claro que o sócio, que era considerado parte no processo por ter sido citado (CPC, art. 135), inclusive com comunicação do ocorrido ao distribuidor (CPC, art. 134, § 1º), será excluído do processo, que será extinto em relação a ele, pelo menos2. Trata-se, evidentemente, de uma decisão interlocutória de mérito aquela de decide o incidente de desconsideração da personalidade jurídica acolhendo ou rejeitando o pedido, conforme já se manifestou Eduardo Talamini: "A decisão pode não chegar a julgar o mérito da demanda de desconsideração, nas hipóteses do art. 485 do CPC/2015 (por exemplo, constata-se que já houve sentença entre as mesmas partes rejeitando a possibilidade da desconsideração pretendida, havendo coisa julgada que proíbe nova decisão da questão, art. 485, V). Mas tendo julgado o mérito do pedido de desconsideração, seja para acolhê-lo, seja para rejeitá-lo, a decisão do incidente fará coisa julgada material, assim que transitar em julgado (i.e., uma vez não interposto recurso ou exaurido todos os cabíveis). Trata-se de uma decisão interlocutória de mérito, apta a fazer coisa julgada material (arts. 356, § 3.º, e 502, do CPC/2015)"3. Em razão do não acolhimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou administrador da pessoa jurídica que contratou advogados para se defender no prazo de 15 (quinze) dias e requereu a produção de provas (CPC, art. 135), inclusive periciais e testemunhais, será excluído da demanda originária, sem poder participar do processo principal até decisão final, após terminada a suspensão a que se refere o § 3º do art. 134. O que se busca demonstrar é que não é justo que alguém (sócio ou administrador de pessoa jurídica, nos termos do art. 50 do CC), a quem foi imputado um fato grave de desvio de finalidade ou confusão patrimonial com intuito fraudulento, que teve que contratar advogados para se defender de um pedido de tutela jurisdicional formulado por um credor leviano que queria lhe estender os efeitos de uma obrigação de uma pessoa jurídica para lhe tomar o patrimônio particular, não tenha o direito de - pelo menos - receber honorários de sucumbência e ser reembolsado pelas despesas processuais que antecipou (CPC, art. 82, § 2º). Não há nada, absolutamente nada, de absurdo no que se defende aqui. O integrante da pessoa jurídica que foi atingido por uma decisão de desconsideração da personalidade jurídica teve que se defender de um pedido de tutela jurisdicional contra si e se esse pedido foi considerado infundado, leviano ou, enfim, improcedente, aquele que deu causa à movimentação de toda a máquina judiciária estatal para atingir o patrimônio do sócio ou do administrador da pessoa jurídica, deve arcar com as consequências, dentre elas pagar honorários de sucumbência ao advogado do vencedor (CPC, art. 85) e reembolsar as despesas antecipadas (CPC, art. 82, § 2º). Aliás, o próprio § 1º do art. 322 do CPC, ao tratar do pedido de tutela jurisdicional, que é exatamente o que faz aquele que pede a instauração do incidente a que se referem os artigos 134 e seguintes do CPC ao imputar a alguém o fato de ter realizado uma das hipóteses autorizadoras da desconsideração da personalidade jurídica, alcançando-se o seu patrimônio particular, estabelece que compreendem-se no pedido principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios. Em outras palavras, se o credor pede a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar os bens dos integrantes da pessoa jurídica que até então não eram partes do processo, ele deve estar preparado para todas as consequências de ter um pedido de tutela jurisdicional negado pelo Estado-juiz, sobretudo no sentido de indenizar pelos prejuízos que eventualmente causou aos inocentes que tiveram que vir a juízo se defender, inclusive pagando-lhes honorários advocatícios e reembolsando as despesas incorridas. Conforme já tivemos oportunidade de sustentar em outra ocasião, "(...) caso se descubra depois que não era hipótese de se desconsiderar a personalidade jurídica, nascerá para o prejudicado um direito de pleitear indenização, e somente quem pediu e se beneficiou com essa medida excepcional é que estará legitimado a indenizar (...)"4. A indenização pelos prejuízos causados com um pedido de desconsideração julgado improcedente - certamente devida - pode até ter lugar em um outro processo, mas a fixação de honorários advocatícios em favor do vencedor no incidente ao qual se refere o art. 134 e seguintes do CPC deve ser fixado no momento em que o juiz proferir a decisão interlocutória do art. 136, caput, do CPC ("Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória"). Nesse sentido é a tese de Christian Garcia Vieira, apresentada para obtenção do título de Doutor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: "Afinal, uma vez citado o réu, ele irá constituir advogado, ingressar no feito e, exemplificativamente, apresentar defesa para demonstrar a inexistência de atos de confusão patrimonial que justificariam a inaplicabilidade do instituto no caso concreto. Há uma decorrência lógica de que o autor, que propôs a demanda, caso derrotado, remunere as custas e os honorários advocatícios ao réu (e vice-versa)"5. Também não é outro o entendimento de Eduardo Talamini, que observa o seguinte: "A decisão final do incidente condenará o vencido nas verbas de sucumbência (custas e honorários de advogado). Se a desconsideração for provida, o sócio ou sociedade responde por tais verbas. Se for rejeitada, a parte que a requereu é a responsável"6. Portanto, como a atuação do advogado que defendeu o sócio ou o administrador da pessoa jurídica no incidente de desconsideração da personalidade desta última não acompanhará o processo até o final porque o seu cliente foi excluído do seu polo passivo, a fixação das verbas de sucumbência não pode ser depois, ao final da demanda originária. Ela deve ser feita ao final do incidente, quando ele for acolhido ou rejeitado. 3. Conclusão Conforme foi demonstrado, o art. 85, § 1º, do CPC, não apresenta um rol taxativo das hipóteses de cabimento de condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado do vencedor. Trata-se de um rol meramente exemplificativo, considerando-se que em outras passagens do CPC também se estabelece a condenação dos honorários advocatícios sucumbenciais, tais como o parágrafo único do art. 127. No caso do incidente de desconsideração, o sócio e o administrador podem ser citados para apresentar defesa no prazo de 15 (quinze) dias, pleiteando a produção de provas que entender necessárias. Trata-se, portanto, de trabalho significativo realizado pelo advogado daquele que é citado para se defender em um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, semelhante ao trabalho de qualquer outro colega que atue em processo autônomo para defender os interesses de seu cliente. Portanto, o advogado deve fazer jus aos honorários referidos no art. 85 do CPC, sob pena de seu trabalho ficar sem a devida remuneração. A atuação desse advogado que atua no incidente de desconsideração da personalidade jurídica para defender o sócio ou administrador não poderá ser avaliada ao final do processo para se verificar se ele agiu de acordo com os parâmetros do ar. 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC, devido ao fato de que ele não atuará mais no processo em que foi decidido sobre a desconsideração da personalidade jurídica em caráter definitivo, julgando-se improcedente o pedido. Uma vez proferida decisão que indefere a desconsideração, cessa-se a suspensão que havia sido determinada em atenção ao art. 136 do CPC e o processo volta a correr exclusivamente entre as suas partes originárias. Ou seja, não há o que mais avaliar no tocante à conduta do advogado do sócio ou do administrador que saiu vencedor do incidente de desconsideração da personalidade jurídica porque ele simplesmente não atuará mais no processo que não diz respeito aos seus clientes, todos excluídos da demanda. Portanto, não há qualquer pretexto para se adiar os pagamentos do advogado do vencedor do incidente ao qual se referem os artigos 134 a 137 do CPC, nos termos do art. 85 do mesmo diploma legal. Por idênticas razões, as despesas processuais também devem ser arcadas pelos vencidos, nos termos do § 2º do art. 82 do CPC. Portanto, é cabível a condenação de pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais ao advogado do vencedor no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ao contrário do que foi decidido recentemente pela 37ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, nos autos do agravo de instrumento 2230826-35.2016.8.26.0000, da Comarca de Santos, em 7/2/2017. __________ 1 LIMA, Tiago Asfor Rocha; RATTACASO, Marcus Claudius Saboia. Honorários advocatícios parciais: muito além da interpretação literal do art. 85 do Novo CPC. In: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Honorários advocatícios. 2ª edição. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 347. Os destaques são da transcrição. 2 Já tivemos a oportunidade de demonstrar que aquele que é atingido por uma decisão de desconsideração da personalidade jurídica deve ser considerado parte no processo e não terceiro. (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 118-148. 3 Incidente de desconsideração de personalidade jurídica. 4 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 188. 5 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza, procedimentos e temas polêmicos. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 183. 6 Incidente de desconsideração de personalidade jurídica.
Elias Marques de Medeiros Neto Em recentes julgados, algumas câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem adotando uma interpretação extensiva ao disposto no inciso X do artigo 833 do Novo Código de Processo Civil, decretando-se o entendimento de que a impenhorabilidade das quantias depositadas em poupança, até o limite de quarenta salários mínimos, incide também quanto aos valores que eventualmente estejam depositados em outras modalidades de aplicações financeiras, tais como os fundos de investimento; respeitado sempre o limite máximo de quarenta salários mínimos, bem como observado o parágrafo 2º. do artigo 833 do Novo Código de Processo Civil. Prevê o referido artigo 833 que: "São impenhoráveis: (...); X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; (...); § 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o." No julgamento do agravo de instrumento 2239955-64.2016.8.26.0000, ocorrido em 23/2/2017, tendo sido relator o desembargador Roberto Mac Cracken, a 22ª Câmara de Direito Privado entendeu que: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - PENHORA - BLOQUEIO DE CONTA POUPANÇA - IMPOSSIBILIDADE - APLICAÇÃO DO ART. 833, X, DO CPC - Em razão de disposição legal as aplicações em conta poupança inferiores a quarenta (40) salários mínimos são impenhoráveis - Segundo a orientação jurisprudencial do C. Superior Tribunal de Justiça, a norma do artigo 833, X, do CPC/16 deve ser interpretada de forma extensiva para se reconhecer que a impenhorabilidade no limite de até quarenta salários mínimos compreende "não apenas os valores depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda" - Recurso provido". Também em julgamento recente, ocorrido em 14/3/2017, a mesma interpretação extensiva foi adotada pela 15ª Câmara de Direito Privado, no julgamento do agravo de instrumento 2224055-41.2016.8.26.0000, tendo sido relator o Desembargador Coelho Mendes: "EXECUÇÃO. DECISÃO QUE AFASTOU A ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE MONTANTE DEPOSITADO EM CONTA BANCÁRIA. APLICABILIDADE DA REGRA PREVISTA NO ART. 833, X DO CPC, QUE CONFORME RECENTE ENTENDIMENTO DO STJ, TAMBÉM, COMPREENDE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA CORRENTE E FUNDOS DE INVESTIMENTOS. PRECEDENTE DO STJ NO ERESP 1330567 / RS. MONTANTE BLOQUEADO QUE NÃO SUPERA O LIMITE PREVISTO NO INCISO X DO ART. 833 DO CPC. RECURSO PROVIDO." Entendimento similar foi o adotado pela 20ª Câmara de Direito Privado no julgamento do agravo de instrumento 2153696-66.2016.8.26.0000, ocorrido em 6/2/2017, tendo sido relator o Desembargador Rabello Pinho: "EXECUÇÃO - Admissível o reconhecimento da impenhorabilidade prevista no art. 833, X, CPC/2015 (correspondente ao art. 649, X, do CPC/1973), para valores de até 40 salários mínimos, depositados em aplicações financeiras com caráter de investimento, incluindo contas-poupança vinculadas a conta corrente, fundos de investimento e conta corrente, nos termos da interpretação extensiva adotada pelo Eg. STJ - Nos termos da orientação supra, como a quantia alcançada pelo bloqueio, em conta poupança da parte devedora, é inferior a 40 salários mínimos, ela é impenhorável, por força do art. 833, X, CPC/2015 (correspondente ao art. 649, X, do CPC/1973), impondo-se, em consequência, a reforma da r. decisão agravada, para determinar o levantamento do bloqueio on-line efetivado, com restituição do referido valor constrito à agravante - Revogação do efeito suspensivo concedido ao recurso. Recurso provido". Os aludidos julgados acompanham orientação fixada pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial EREsp 1330567/RS, tendo sido relator o Ministro Luis Felipe Salomão: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ALCANCE. APLICAÇÃO FINANCEIRA. LIMITE DE IMPENHORABILIDADE DO VALOR CORRESPONDENTE A 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. 1. (...). 2. É possível ao devedor poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta-corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda. 3. Admite-se, para alcançar o patamar de quarenta salários mínimos, que o valor incida em mais de uma aplicação financeira, desde que respeitado tal limite. 4. Embargos de divergência conhecidos e providos". A orientação jurisprudencial acima descrita parte da premissa de que o legislador buscou, na realidade, tornar impenhorável a quantia de 40 (quarenta) salários mínimos, não havendo necessariamente a obrigação de tal valor estar investido na modalidade poupança. Logo, tal quantia pode estar aplicada em fundos de investimento, certificados de depósitos bancários, ou mesmo estar simplesmente depositada na conta corrente. O que o legislador buscou, na verdade, foi proteger a quantia de 40 (quarenta) salários mínimos, não se podendo exigir que tal valor esteja necessariamente atrelado a uma conta poupança. Vale lembrar que o artigo 833 do Novo Código de Processo Civil apresenta o rol dos bens impenhoráveis. Tem-se aqui o que Cândido Rangel Dinamarco1 denomina como limites políticos da execução, excluindo-se do seu campo de atuação, seja por interesse público, seja por respeito à pessoa e dignidade do devedor, determinados bens tidos como impenhoráveis. __________ 1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 8ª. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 311.