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Visual Law é modismo?

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Atualizado às 08:43

Já se foi a fase de descoberta do Visual Law. Chega-se à tão esperada fase de propagação do uso desta técnica que vem rendendo, desde já, diversas discussões acaloradas no meio jurídico.

O surgimento de "algo novo" desperta nos seres humanos dois tipos de comportamentos esperados em posições diametralmente opostas: alguns se encantam e querem conhecer mais; outros, em um rápido olhar, se sentem incomodados com a presença daquela novidade e se fecham em seu tradicional mundo.

Aqui se fala especificamente na adoção da técnica Visual Law, mas a afirmação em questão reflete uma realidade que se conecta a diversas outras práticas que almejam trazer uma inovação sobre padrões preestabelecidos.

Portanto, leitor, antes de avançar na avaliação do Visual Law como um eventual modismo, deve-se ter a compreensão de que a inovação é passageira em sua essência. 

A inovação que se consolida, deixa de sê-la.

Como dizia Carlos Drummond de Andrade, a maior ambição do inovador é que sua inovação se torne tradicional.

A inovação por si só, naturalmente, será alvo de críticas. Até porque, nas palavras de Nolan Bushnelll, "se você contar sua ideia para 10 pessoas e 9 delas disserem que você está maluco, provavelmente você está fazendo algo inovador!".

Dizer que algo novo é moda, equivale a dizer que aquela inovação não irá se perpetuar no tempo. Portanto, para que se afirme a técnica do Visual Law como um modismo, deve-se avaliar empiricamente se realmente a sua utilização não terá a capacidade de ser incorporada em caráter definitivo nas rotinas dos operadores do direito. Vejamos.

Em primeiro lugar, o Visual Law não foi algo descoberto na atualidade. Há muito tempo esta técnica vem sendo empregada sem qualquer tipo de rotulação.

Isto se deve ao fato de o Visual Law ser uma das vertentes do Legal Design, cujo objetivo é, precipuamente, simplificar e clarificar a comunicação, tornando a troca de informações muito mais objetiva e eficiente.

Deste modo, se um advogado prefere fazer uma petição com poucas laudas, utilizando termos de compreensão universal, dando ênfase aos pontos controvertidos e, eventualmente, utilizando alguns recursos visuais para melhorar a compreensão do destinatário sobre algo - ele está sim, utilizando as técnicas de Visual Law.

O emprego da técnica do Visual Law, como muitos erroneamente pensam, traria um necessário abandono da forma tradicional mediante o uso indiscriminado de diferentes estruturas, formas, fontes e cores exuberantes em todas as manifestações jurídicas.

Outro equívoco comum em relação ao Visual Law é pensar que o seu emprego consiste em uma simplificação excessiva acerca do teor das manifestações jurídicas, fazendo "gráficos e setinhas num programa de computador".

Esta compreensão reduzida e equivocada do Visual Law pode ser atribuída a três fatores: 1) pouco aprofundamento sobre a técnica, seus conceitos e fundamentos; 2) conhecimento restrito sobre modelos de manifestações jurídicas com um inadequado uso da técnica do Visual Law: peças "carnavalescas", mal estruturadas, desarmônicas, e/ou com o uso excessivo de recursos visuais; 3) crenças limitantes que geram uma forte barreira cultural em relação à introdução das novas tecnologias.

Isto explica a resistência de alguns magistrados à técnica do Visual Law, ainda mais aqueles que ainda não tenham vivenciado alguma experiência positiva com a sua utilização. Em compensação, mesmo nos moldes tradicionais, há registro por parte de membros do Poder Judiciário acerca de diversos problemas encontrados nas manifestações jurídicas: argumentação excessiva, redação prolixa, número excessivo de páginas, transcrição excessiva de jurisprudência, má formação da peça e uso excessivo de destaque no texto.

Há que se contextualizar devidamente os diversos posicionamentos encontrados a respeito do Visual Law. Isto vai variar de acordo com a experiência de cada usuário, o nível de compreensão e de conhecimento da técnica do Visual Law, e principalmente as suas habilidades e necessidades dentro de um sistema jurídico.

Pode ser que um operador do direito que lide com demandas excessivas e padronizadas tenha maior inclinação para o uso das técnicas do Visual Law do que um operador que lide com um número bem reduzido de causas jurídicas, e que tenha uma atuação maior em ambientes nos quais ainda predomine a cultura da liturgia e da formalidade.

Logo, qualquer generalização acerca do Visual Law é indevida. E para o seu uso, é preciso ter cuidado, pois nem sempre os recursos visuais serão necessários e adequados, devendo em certas situações manter a forma tradicional.

Tal constatação ressalta a importância de se intensificarem as iniciativas voltadas para a capacitação de profissionais na área de Visual Law, antes que se chegue a qualquer conclusão peremptória acerca da sua vida útil.

Muitas peças neste exato momento, não serão ideais, ou seja, não conseguirão captar em sua integralidade uma aplicação precisa de todas as técnicas do Visual Law.

Por isso mesmo, convenciona-se por intermédio do Design Thinking que a técnica seja constantemente avaliada e revista, até que se chegue a um resultado satisfatório, trazendo consigo uma "estratégia de comunicação que insere o usuário no trâmite processual em que ele figurará como parte, promovendo o seu empoderamento". Toda inovação passa por esta fase de teste e de aprimoramento, há que se ter resiliência e paciência, pois certamente ao final, será obtido algum ganho em termos de qualidade e eficiência.

Contudo, fulminar uma técnica pelo seu mau emprego definitivamente não é o melhor caminho. O próprio tempo irá demonstrar como os usuários se comportarão acerca da utilização desta técnica. E, diante de melhores resultados a partir do uso do Visual Law nas manifestações jurídicas, naturalmente, por questões de concorrência e de sobrevivência, haverá um nivelamento da atuação jurídica - no sentido de consolidá-lo, ou repeli-lo do mundo jurídico.

Fato é que o design já está presente e consolidado no mundo jurídico. O desenho das plataformas e dos sistemas operacionais refletem o uso de diversos princípios do Visual Law. A ideia da arquitetura de escolha com foco no usuário está intrinsecamente relacionada à prestação de qualquer serviço público essencial, veja-se neste sentido o rol de diretrizes previsto no art. 3º da lei 14.129/2021 - a Lei de Governo Digital.

Logo, o melhor que se deve fazer neste momento, é "dar uma chance ao Visual Law", pois os estudos em torno do emprego desta técnica demonstram que efetivamente há um expressivo ganho na melhoria da comunicação, na eliminação de ruídos no processo decisório dos magistrados, e em um substancial aumento da acessibilidade às informações veiculadas no processo judicial.

Importante neste ensejo comentar brevemente despacho judicial que circulou nas redes sociais, proferida pelo juízo da 9ª Vara Cível de Goiânia. No caso em questão, o magistrado se valeu do comando do art. 321 do CPC para que a parte autora emendasse a inicial, fazendo constar de forma clara, os fatos e suas pretensões, utilizando preferencialmente a formatação exigida pelas normas da ABNT, uma vez que a exordial teria ficado muito carregada e de difícil leitura e compreensão.

Observando-se a petição inicial em questão, nota-se que ali se pretendeu utilizar a técnica do Visual Law, dando-lhe uma feição completamente diferente do padrão visual tradicional. 

Destaque-se inicialmente que não existe em qualquer norma processual previsão expressa para que se exija o respeito às normas da ABNT, assim como não há qualquer norma processual que desautorize o uso da técnica do Visual Law. Há inclusive, um movimento do Poder Judiciário para a regulamentação do Visual Law, como forma de incentivo para a propagação desta técnica.

No plano formal, os requisitos da petição inicial estão expressamente enunciados no CPC, por intermédio dos arts. 319 a 321, além de outras exigências, a depender do procedimento, como nos casos de incidência dos arts. 303 e 305. As causas de indeferimento da petição inicial estão expressamente previstas no art. 330 do CPC, quais sejam: a inépcia, assim compreendida, nos termos do §1º, como a ausência de pedido ou de causa de pedir; a indeterminação do pedido, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; a não correspondência dos fatos à conclusão, e, por fim, a previsão de pedidos incompatíveis entre si.

 Nos termos do art. 321 do CPC, o juiz, verificando a ausência dos requisitos da petição inicial, determinará ao autor que faça a emenda, no prazo de 15 dias, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

A manifestação judicial em apreço reflete a resposta do magistrado, como usuário e destinatário da informação com o emprego do Visual Law, e serve como um grande alerta para todos que desejam utilizar a técnica em suas peças jurídicas. 

O Legal Design deve sempre ter como foco o usuário. Neste ensejo, ao se empregar o Visual Law, deve-se ter o maior cuidado com os padrões escolhidos fazendo-se uma análise preditiva sobre a potencial resposta do usuário, pois a ideia é facilitar a comunicação, e não o contrário.

A inadequada utilização dos recursos visuais, pode realmente dificultar a legibilidade do documento e a compreensão da narrativa. O excesso de cores e destaques acaba ocasionando uma poluição visual, e isto pode dificultar seriamente a identificação dos pontos controvertidos.

Por esta razão, a técnica do Visual Law é algo que precisa ser constantemente objeto de estudo e experimentação. Existem diversos princípios de hierarquia linguística e visual que precisam ser observados. Até para o emprego das cores, há uma teoria que explica exatamente como harmonizá-las, evitando-se com isto um incômodo sensorial para o destinatário da informação. 

Não é algo tão simples como parece ser. Uma segunda opinião sobre os modelos de peças com o uso de Visual Law é sempre bem-vinda. Havendo possibilidade, a formação de uma equipe multidisciplinar composta por designers, juristas e outros especialistas favorece a obtenção de manifestações jurídicas visualmente agradáveis, e ao mesmo tempo funcionais. 

Por todo o exposto, resta evidente que as críticas em torno do Visual Law são bem-vindas, desde que construtivas. A resposta do usuário é elemento essencial para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Visual Law. Mas isto não pode servir como uma barreira ou um desincentivo para o avanço desta técnica, pelo contrário. Tudo faz parte de um processo dialógico.

Referências

ANDRADE, Carlos Drummond de. In: O Avesso das Coisas - 6ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CLEMENTINO, Marco Bruno Miranda. Legal Design no Poder Judiciário. In: Legal Design: teoria e prática. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (org.). São Paulo: Editora Foco, 2021.

FRAGA, Sarah Élen Rodrigues. Visual Law: Uma inovação capaz de agregar valor ao serviço jurídico. In: Visual Law: como os elementos visuais podem transformar o direito. SOUZA, Bernardo de Azevedo e; OLIVEIRA, Ingrid Barbosa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

LEONEL, Guilherme; LIMA, Juliana. A importância do usuário. In: Legal Design: teoria e prática. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (org.). São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 45.

MAIA, Ana Carolina; NYBØ, Erik Fontenele; CUNHA, Mayara. Legal Design: criando documentos que fazem sentido para os usuários. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

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SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Eles, os elementos visuais, vistos por ela, a magistratura federal. In: Legal Design: teoria e prática. FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (org.). São Paulo: Editora Foco, 2021.

STRECK, Lenio Luiz. E o Dr. Legal Design explica sentença judicial e "facilita"tudo...! Consultor jurídico. Acesso em: 23 jun. 2021.

WOLKART, Erik Navarro; LAUX, Francisco de Mesquita. O ruído: uma nova abordagem das falhas do julgamento humano. JOTA. Acesso em: 12 ago. 2021.