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STJ afasta aplicação da ADI 7265 nos casos de tratamento off label em demanda do medicamento Zolgensma

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Atualizado em 27 de outubro de 2025 11:05

Em setembro deste ano, o STF julgou a ADI 7265, concluindo pela constitucionalidade da lei 14.454/22 que impõe exceções para o fornecimento de tratamento pelo plano de saúde quando não constar do rol da ANS, a partir da demonstração pelo beneficiário do cumprimento de pelo menos um de três requisitos alternativos.

Apesar de decidir pela constitucionalidade da lei, a Corte impôs outras cinco condições, agora cumulativas, a serem comprovadas pelo consumidor, para que a operadora de saúde seja obrigada a fornecer o tratamento.

A partir do julgamento, toda a jurisprudência já consolidada rechaçando as negativas abusivas dos planos de saúde deverá ser interpretada à luz do novo entendimento do STF, que possui repercussão geral.

Em recente apreciação do REsp 2.178.716/SP, a 4ª turma do STJ teve a oportunidade de discutir o fornecimento do medicamento Zolgensma, em caráter off label, com custo médio de R$ 6 milhões de reais, que apesar de constar do rol da ANS para bebês com até 6 meses de vida, possui indicação na bula brasileira para crianças com no máximo 2 anos de idade.

No caso discutido pela Corte, a criança, portadora da doença rara AME - Atrofia Muscular Espinhal, já conta com 5 anos, idade superior à indicada pela bula brasileira para utilização do medicamento Zolgensma, o que atraiu a incidência da tese do tratamento off label.

Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, o REsp não merecia provimento, ao argumento de que no Brasil não haveria evidências científicas suficientes acerca da eficácia do medicamento para crianças com idade superior a dois anos. Na oportunidade, o ministro relator desconsiderou o fato de o medicamento contar com estudos internacionais que garantem a eficácia do medicamento para crianças com mais de dois anos de idade, desde que com peso máximo de 21 kg. Desconsiderou também o fato de que se trata de doença rara, muitas das vezes diagnosticada tardiamente, quando a criança já possui mais de seis meses de idade, limite máximo previsto no Rol da ANS para o uso da medicação.

Observa-se que neste caso, está-se diante do nítido conceito de off label, em que a autoridade médica prescreve um medicamento de forma diferente do que originariamente foi autorizado pela ANVISA, ou seja, para criança com idade superior ao que consta na bula nacional.

O voto do ministro relator destoou da jurisprudência que vem sendo adotada pelo STJ há oito anos (2ª Seção, Resp 1.729.566/SP), no sentido de que as operadoras de saúde devem ser compelidas a custear tratamentos aprovados pela ANVISA, constantes no rol da ANS, mas que sejam considerados off label. Constou no voto do ministro relator:

[...] A questão em discussão é saber se a operadora de plano de saúde deve custear o tratamento com a medicação Zolgensma indicada pelo médico assistente. Para dirimir a questão é importante fazer algumas considerações sobre a legislação específica e a jurisprudência do STJ. O rol de procedimentos e de eventos em saúde nos termos do art. 10, § 4º da lei 9.656/1998, combinado com o art. 4º, inciso III, da lei 9.961 é de competência da ANS e constitui referência básica para o disposto na lei que dispõe sobre os planos de seguro privado em assistência de saúde. Em outras palavras, o rol da ANS estabelece os procedimentos mínimos e obrigatórios a serem fornecidos pela operadora do plano de saúde, de modo a garantir a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de todas as enfermidades que compõe a classificação e estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde - CID da Organização Mundial de Saúde. (...)

O referido rol constitui relevante garantia do direito do consumidor à saúde a preços acessíveis.

(...)

Ao decidir o Tribunal de origem deixou claro que além da prescrição do medicamento ter sido fora do estabelecido na bula - off label - não seria possível afirmar sua eficácia, tendo em vista que falta evidência científica e a inexistência de elementos que garantisse a aplicação da droga sem prejuízo para a saúde do paciente.

Ainda que se considere a possibilidade de fornecimento do medicamento pelo uso fora da bula - off label - ou da adoção da tese de que o rol da ANS é de caráter exemplificativo, desde que sejam preenchidos os critérios previstos no art. 10, §3º da lei 9656/98, incluído pela lei 14.454/22, ainda assim, o recurso não prosperaria".

Ressaltou, ainda, que não há precedente de utilização deste medicamento por criança maior que 2 anos e com bons resultados. O e. ministro, contudo, deixou de observar o caso emblemático do menino Cauã Sugawara (e outros), citado pelos patronos dos autos, que utilizou o medicamento aos 7 anos de idade após decisão do STF, em 2021, na STP 790/SP. Hoje, Cauã conta com 11 anos e atualmente não sofre com a perda dos neurônios motores do diagnóstico primário, conforme televisionado pelo Bom Dia Vanguarda da Rede Globo, em agosto do corrente ano1.

Antes da colheita dos votos, o ministro Antônio Carlos Ferreira suscitou questão de ordem, justamente pelo recente julgamento da ADI 7265. Para o ministro, os autos deveriam retornar à primeira instância para avaliação probatória em relação aos novos requisitos impostos pelo STF.

Após pedido de vista do ministro Raul Araújo, os autos retornaram a julgamento no último dia 16, iniciado com voto divergente do vistor, que além de afastar a questão de ordem levantada, reconheceu que o caso trata de tratamento off label, ou seja, de medicamento constante do rol da ANS, o que afasta a incidência da ADI 7265 (direcionada a tratamentos não incorporados pela agência). Segundo o voto,

Primeiramente analisando a questão de ordem, entendo que o caso não trata exatamente do Tema decidido pelo pretório excelso na ação direta de inconstitucionalidade 7265/DF. Recentemente, no dia 18 de setembro o plenário da Suprema Corte julgou por maioria parcialmente procedente o pedido formulado na aludida ação direta de inconstitucionalidade para conferir interpretação conforme a constituição ao § 3º do art. 10º da lei 9656/98, incluído pela lei 14.454/22, de modo a adequar os critérios que geram a obrigação de cobertura pelos planos de saúde de tratamento ou procedimento não listados no rol da ANS. O respectivo inteiro teor do acórdão da ADI 7265 não foi publicado ainda, mas é possível colher as seguintes informações da certidão de julgamento há divulgado: (..) com base nessas anotações, infere-se que a referida decisão do E. STF na aludida ADI 7265/DF tratou acerca de cobertura de tratamentos ou procedimentos não elencados no rol da ANS. No caso dos autos, no entanto, é incontroverso que o medicamento caríssimo Zolgensma está inserido no Rol da ANS, além de possuir registro na ANVISA. Então a discussão travada no presente REsp não está relacionada a cobertura de tratamentos e procedimentos não previstos no rol da agência reguladora na forma do § 3º do art. 10 da lei 9.656/98 que foi interpretado pelo E. STF no processo de controle concentrado de constitucionalidade, mas a possibilidade de cobertura obrigatória do medicamento e sua utilização off label - isso é que está aqui nesse caso -, tendo em vista que a criança não se enquadra exatamente no critério de idade fixado pela agência reguladora.

(...) Peço então, coma devida vênia do ministro Antônio Carlos Ferreira quanto a questão de ordem, para entender que a na hipótese dos autos não recomenda-se a devolução dos autos à origem para fazer o juízo de conformação com o decidido de forma vinculante, de eficácia erga omnes pelo STF.

O ministro Raul Araújo ainda consignou o entendimento já consolidado pela 2ª sessão de Direito Privado do STJ no que tange à negativa abusiva de tratamento off label, mencionando julgado paradigmático de relatoria do ministro Luís Felipe Salomão no REsp 1.729.566, no qual se concluiu que a prescrição do tratamento off label não tem previsão legal, mas deve ser autorizada em casos específicos e casuísticos de indicação médica pontual - exato caso dos autos.

Nessa mesma linha entendeu a ministra Maria Isabel Gallotti, reconhecendo que a situação dos autos trata-se de medicamento registrado na ANVISA, inserido no rol da ANS, mas sem previsão em bula para a idade do paciente e nas diretrizes de utilização da ANS, o que implica o afastamento da ADI 7265.

Nesta conjuntura, vencido o ministro Antônio Carlos Ferreira quanto à questão de ordem, e vencido o relator, ministro João Otávio de Noronha, quanto ao mérito, a 4ª turma, por 4 votos contra 1, elidiu a tese formulada pelo STF no recente julgamento da ADI 7265, garantindo a um menor com doença rara o acesso ao medicamento milionário Zolgensma, em demanda movidaem face da Unimed Rio.

Ressalta-se que a decisão proferida pela 4ª turma do STJ acatou o que defendido pelos patronos da referida ação, no sentido de que o retorno dos autos para origem para verificar o preenchimento dos requisitos estipulados na ADI 7265 não se mostrava relevante para o presente caso, uma vez que o medicamento se encontra no rol da ANS e, mais, ainda que se verificasse o preenchimento dos requisitos da ADI (como se constatou o preenchimento dos requisitos da lei 14.454/22 durante o trâmite processual), o mesmo não deixaria de ter caráter off label, ponto central e controvertido da demanda, que foi utilizado pelo Tribunal de Justiça paulista para negar o fornecimento do medicamento em sede de apelação.

Para Gabriel Massote a decisão "representa uma vitória para os usuários de plano de saúde, especialmente àqueles com doenças raras, que viam nos novos critérios instituídos pelo STF na ADI 7265 obstáculo quase intransponível para o efetivo acesso à saúde.". Para Mariana Brasileiro "é importante ver que o STJ, ao afastar a aplicação dos critérios adotados pela ADI 7265, privilegiou o registro sanitário na ANVISA e a existência de inclusão no rol da ANS para outras idades, respeitando 8 anos da jurisprudência do STJ sobre a abusividade de negativa de cobertura unicamente por ser o medicamentos de uso off label."  

O julgamento está disponível nos links oficiais do STJ com veiculação pelo YouTube. (Clique aqui ou aqui)

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1 Disponível aqui.