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CNJ ratifica provimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que limita uso de instrumento particular para alienação fiduciária somente para entidades que operam do SFI

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Atualizado às 07:51

Na data do dia 08 de agosto ocorreu, pelo COLENDO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, o julgamento do procedimento de controle administrativo nº 0000145-56.2018.2.00.0000. 

A contrário senso do que a legislação de Alienação Fiduciária estabelece, tanto o Ministro Relator como os Conselheiros do CNJ entenderam por bem julgar IMPROCEDENTE o PEDIDO DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO contra Provimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

De acordo com o julgamento, foram consideradas legais as exigências contidas nos Provimentos das Corregedorias dos Estados de Minas Gerais, Paraíba, Pará e Bahia que vedam a celebração de Instrumento Particular de Venda e Compra com Alienação Fiduciária por empresas particulares (Loteadoras/Incorporadoras) e particulares em geral como documento hábil para ser levado a registro na matrícula do imóvel.

Por citadas Normas da Corregedoria de indigitados Estados, somente entes que operam no SFI (Sistema Financeiro Imobiliário) ou Cooperativas de Crédito podem utilizar do instrumento particular para operacionalizar a alienação fiduciária de imóveis, restando aos Loteadores, Incorporadores e pessoas físicas no geral, tão somente a celebração de Escritura Pública de Venda e Compra com Alienação Fiduciária. - SFI podem firmar por Instrumento Particular.

Infelizmente, por citado julgamento, deixou o CNJ de se ater ao princípio da especialidade e o da legalidade, uma vez que os Provimentos das citadas Corregedorias - atos infralegais-   ferem frontalmente  os  arts. 38, art. 22, §1º e 5º, §2º, todos da lei 9.514 que não traz qualquer restrição para que os instrumentos particulares com força de escritura sejam celebrados por quem não opera no SFI ou SFH.

Se o legislador quisesse assim fazê-lo, teria incluído no final do texto do artigo 38 da lei 9.514/97, a expressão "quando for o caso", ou outra similar, para diferenciar as hipóteses que deveriam ser utilizadas pelo SFI ou SFH, o que não o fez.

"Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública"

Ainda, o art. 5º, parágrafo 2º, da mesma lei determina que:

"§ 2o As operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI." g.n

Como se pode verificar, a lei assegura EXPRESSAMENTE a celebração de instrumento particular tanto pelo agente financeiro, como pelas pessoas jurídicas de direito privado e/ ou físicas, não impondo que para as pessoas jurídicas deva ser celebrado instrumento público.

O CNJ julgou de forma contrária aos julgamentos já proferidos pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça - STJ. O STJ já reconheceu que é legítima a formalização da alienação fiduciária como garantia de toda e qualquer obrigação pecuniária, podendo inclusive ser prestada por terceiros. Inteligência dos arts. 22, § 1º, da Lei nº 9.514/1997 e 51 da Lei nº 10.931/2004. (Recurso especial provido. REsp 1542275/MS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/11/2015, DJe 02/12/2015). Senão vejamos:

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE GARANTIA FIDUCIÁRIA  SOBRE BEM IMÓVEL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. DESVIO DE FINALIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. COISA IMÓVEL.OBRIGAÇÕES EM GERAL. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE VINCULAÇÃO AO SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 22, § 1º, DA LEI Nº 9.514/1997 E 51 DA LEI Nº 10.931/2004. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO. AUSÊNCIA."(Grifos nossos)

Da mesma forma, a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, em recurso administrativo contra decisão em que autorizou a medida, decidiu ser possível registrar contrato de alienação fiduciária de bem imóvel firmado por instrumento particular com pessoa jurídica que não integra o Sistema Financeiro Imobiliário (CCG/SP 11/07/2016). Veja-se, a propósito, ementa a seguir transcrita:

"ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL - Possibilidade de o contrato ser firmado por pessoa jurídica que não integre o SFI - Contrato que pode validamente revestir formas pública ou particular Arts. 22 e 38 da Lei 9.514/97, e item 230, Capítulo XX, das NSCGJ -  Precedente -  Recurso Desprovido (CGC/SP 11.07.2016)."

Extrai-se dos julgados colacionados a certeza de que é defeso aos órgãos do Poder Judiciário restringir a utilização do instrumento particular na celebração dos atos e contratos relativos à alienação fiduciária de bens imóveis e negócios conexos às entidades integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) ou às Cooperativas de Crédito.

Reitera-se: a lei que regulamenta a alienação fiduciária é a Lei 9.514/97. Pelo art. 22, §1º permite-se que a modalidade de garantia possa ser contratada não somente pelas entidades financeiras, como por pessoas físicas e ou jurídicas, conforme segue:

"Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

§ 1o  A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena: (Grifos nossos)

Outro ponto a ser ponderado é que não pode norma estadual e ou qualquer ato infralegal,  como fez o Provimento Estadual de Minas Gerais, estabelecer diversamente do que for assegurado por lei federal, em especial quando a União é o ente competente para legislar exclusivamente sobre o assunto. No caso em tela, por força da Constituição Federal, é a União quem deve legislar sobre registros públicos. Tomamos emprestado abaixo julgamento de um caso análogo em que houve negativa dos cartórios em proceder registros com base em legislações ou atos infralegais contrários à norma federal:

"Apelação Cível. Pedido de Providências. Não alteração do Registro Civil. Competência Privativa da União para legislar sobre Registros Públicos. Art. 22, XXV. Código das Normas da Corregedoria Geral da Justiça. Art. 384. Apelo improvido. (TJ/MA, acórdão publicado no Diário da Justiça do Maranhão em 11.01.2012, p. 24) 

Ademais, sobre a possibilidade de ser celebrada a alienação fiduciária, tomamos emprestadas as lições de Melhim Namem Chalhub:

"Os atos e contratos referidos na Lei n° 9.514/97, bem como aqueles resultantes da sua aplicação, poderão ser formalizados por instrumento particular. A lei não faz restrição alguma quanto às modalidades de contrato passíveis de ser formalizados mediante instrumento particular em relação à Lei nº 9.514/97; ao contrário, estende a possibilidade de formalizar por instrumento particular a todos os atos e contratos referidos nesta lei ou resultantes de sua aplicação.' Assim, quando resultantes da referida lei, podem ser celebrados por instrumento particular a compra e venda, a promessa de venda, a hipoteca, a caução de direitos aquisitivos, a cessão fiduciária, a alienação fiduciária, enfim, os atos e contratos relacionados à comercialização de imóveis e à constituição de garantias imobiliárias previstas na Lei nº 9.514/97 ou resultantes dela.(CHALHUB, Melhim Namem. "Negócio Fiduciário", Ed. Renovar, Rio de Janeiro - São Paulo - Recife, 2009, p. 234-235).(Grifos nossos) 

Não obstante todos os pontos acima abordados, NÃO FOI ASSIM QUE JULGOU O CNJ. Entendeu a Colenda Corte pela aplicabilidade do art. 108 do Código Civil em detrimento de uma norma especial, Lei de Alienação Fiduciária, que não traz qualquer restrição a utilização da forma particular para aqueles que não operam no SFI.  

De acordo com o voto proferido pelo Relator, todos os contratos de venda e compra com Alienação Fiduciária devem observar a forma da escritura pública, mesmo se a Legislação Especial, que é a de Alienação Fiduciária, excepcione e estenda a celebração de instrumentos particulares com força de escritura aos particulares não vinculados ao Sistema do SFI, SFH e ou Cooperativas de Crédito. 

Citado julgado, além de importar em um retrocesso na legislação, importará em aumento expressivo do custo do financiamento a ser repassado ao comprador final. Somente os tabelionatos de notas é quem passarão a ter competência para lavrar escrituras de venda e compra com alienação fiduciária.

Haverá substancial aumento operação ao consumidor, porque serão cobrados todos os custos e emolumentos inerentes da escritura pública. Dependendo do tipo de empreendimento e o público para o qual está voltado o empreendimento, essa majoração de custo poderá inviabilizar a operação imobiliária.

Esta decisão é grave, pois contraria Lei Federal, - específica sobre a matéria de alienação fiduciária,- e terá consequências nefastas.

Lembrando, ainda, inexiste crédito para loteadores no Brasil, o que os obriga a executarem as obras de infraestrutura com recursos próprios. Esta decisão dificultará ainda mais o acesso ao crédito que antes era feito com operações de securitização das carteiras dos recebíveis imobiliários, celebrados com garantia real da alienação fiduciária através de instrumento particular. Se definitiva, tal decisão encarecerá o processo, como poderá inviabilizar o acesso de recursos para este mercado tão importante para o país. Todas as alterações realizadas com a edição da Lei do Bem, editada e promulgada para desenvolver o setor imobiliário, foram sepultadas com o julgamento do CNJ.