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Desoneração tributária das EBINs: um ajuste de política econômica

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Atualizado em 16 de fevereiro de 2022 19:03

A lei 14.301/22 instituiu o BR do Mar - Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem com vistas a, dentre outros objetivos, incentivar a concorrência e a competitividade na cabotagem. Segundo as diretrizes fixadas pela lei 14.301/22, o BR do Mar busca incentivar o investimento privado, bem como promover a livre concorrência entre os agentes do mercado.

Um dos mecanismos trazidos pelo BR do Mar para estimular o investimento privado, ampliar a concorrência e otimizar a competividade é a possibilidade de criação de EBINs - empresas brasileiras de investimento na navegação - cujo objeto é o fretamento de embarcações para empresas de navegação. Com isso, o BR do Mar possibilita a formação de empresas voltadas, única e exclusivamente, à realização de investimentos na construção e/ou na aquisição de embarcações que serão utilizadas nas atividades de cabotagem.

Há que se mencionar que tal medida, sob o prisma estritamente regulatório, coloca o Brasil em linha com diversos países que fomentam a criação de empresas envolvidas na gestão de investimentos em transporte marítimo, dado se tratar de indústria estratégica para o desenvolvimento nacional, considerados os impactos positivos na formação e na capacitação de mão-de-obra, no incremento de novas tecnologias e na redução do custo de logística do país.

Ocorre que os outros países têm assegurado tratamentos tributários mais benéficos -- como por exemplo alíquotas do imposto de renda diferenciadas -- para as empresas envolvidas nessas atividades, o que é de conhecimento inclusive da própria Secretaria da Receita Federal do Brasil. Tal conclusão pode ser inferida da instrução normativa RFB 1.037/10 que reconhece, com relação à legislação de Singapura, a aplicação de um regime de alíquota diferenciada para gestoras de investimentos em transporte marítimo (concessionary rate of tax for shipping investment manager).

Assinale-se que a tributação dos lucros dessas empresas representa temática de espectro global tanto que a própria convenção modelo da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico possui artigo específico, que atribui competência exclusiva ao país em que estiver situada a direção efetiva da empresa para tributar os lucros provenientes da exploração das embarcações (navegação internacional).

O Brasil, em que pese ainda não ter sido confirmado como membro da OCDE, toma por base a convenção modelo da OCDE quando da elaboração das suas convenções para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre a renda. Diante disso, todas as 35 convenções firmadas pelo Brasil trazem um artigo limitando a tributação aplicável aos lucros das empresas envolvidas em algum tipo de operação envolvendo embarcações.

Em linha com a disciplina estabelecida nas convenções celebradas pelo Brasil, a lei 9.481/97 garante às empresas gestoras de investimentos em transporte marítimo residentes ou domiciliadas no exterior a redução para zero da alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre as receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes.

Isso significa dizer que, além de não serem submetidas à tributação de lucros em bases regulares no país em que estiver situada a sua direção efetiva, as empresas residentes ou domiciliadas no exterior que desenvolvem a referida atividade tampouco ficam sujeitas à tributação de lucros no Brasil, seja por força das disposições das convenções para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre a renda firmadas com outros países, seja por conta da legislação interna brasileira.

Além disso, os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos pelas fontes localizadas no Brasil às gestoras de investimentos em transporte marítimo residentes ou domiciliadas no exterior, a título de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas, não se submetem à incidência da contribuição para o PIS-Importação e da COFINS-Importação. Isto porque, tais valores não se confundem com contraprestações por serviços prestados, o que impede a caracterização da ocorrência do fato gerador de tais contribuições sociais nessas operações.

É bem verdade que não se ignora o esforço que os entes federativos têm, em suas respectivas esferas de competência, empreendido para conceder incentivos fiscais com o objetivo de eliminar a cobrança de tributos federais e estaduais nos investimentos realizados na construção e/ou na aquisição de embarcações a serem utilizadas nas atividades de cabotagem. Todavia, tais incentivos fiscais não têm se mostrado suficientes para impulsionar o investimento privado em empresas brasileiras, especialmente em função da assimetria verificada na carga tributária aplicável às empresas residentes ou domiciliadas no exterior.

Com efeito, os lucros das empresas de gestão de investimentos em transporte marítimo residentes ou domiciliadas no exterior não são tributados no exterior ou são tributados a alíquotas reduzidas, tampouco são tributados no Brasil e as suas receitas relativas a fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas não são tributadas pela contribuição para o PIS-Importação e pela COFINS-Importação.

Por outro lado, os lucros auferidos pelas EBINs ficarão sujeitos à tributação pelo imposto de renda da pessoa jurídica e pela contribuição social sobre o lucro líquido, à alíquota conjunta de 34%. Já as receitas reconhecidas pelas EBINs serão submetidas à tributação pela contribuição ao PIS e pela COFINS, à alíquota conjunta de 9.25%, em função da adoção da sistemática não-cumulativa. Diante da imposição de tamanha carga tributária, resta evidente que as EBINs se encontrarão em clara situação de desvantagem competitiva quando comparadas às empresas residentes ou domiciliadas no exterior.

Por esse motivo, caso o BR do Mar pretenda efetivamente alcançar os seus objetivos e implementar as suas diretrizes, notadamente o incentivo à concorrência, à competitividade e ao investimento privado nas atividades de cabotagem, se fará necessária a realização de ajustes na lei 14.301/22 de modo a assegurar para as EBINs a submissão a uma carga tributária que se adeque aos padrões praticados internacionalmente, na medida que se trata de indústria globalizada e extremamente competitiva.