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O acórdão nº 1.448/22 do TCU e a tarifa de serviço de segregação e entrega de contêineres (SSE)

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:31

Em um país com mais de 7.600km de costa e com comércio exterior pujante, é comum que, historicamente, os portos possuam grande relevância para o escoamento de cargas, sobretudo no fluxo de importações e exportações. Entretanto, na impossibilidade de que todas as cargas fiquem armazenadas e passassem pelo desembaraço aduaneiro à beira-mar, necessária foi a criação de mecanismos para a interiorização de tal atividade.

Os ditos portos secos foram introduzidos ao Ordenamento Jurídico brasileiro ao final da década de 70 - mais especificamente no ano de 1976 -, por meio do decreto-lei 1.455/76. Eles surgiram em meio a um contexto de ineficiência logística dos pequenos terminais molhados localizados na zona primária, que não possuíam a devida capacidade de carga, descarga e armazenamento necessários para dar vazão ao fluxo logístico.

Desse modo, a solução foi criar recintos alfandegados em áreas secundárias, de modo que o despacho aduaneiro pudesse ser realizado por lá1, desafogando então as zonas primárias. Com isso, haja vista a cobertura dos custos relativos às operações diferenciadas relativas à movimentação e segregação de tais cargas, que não permaneceriam no terminal molhado, surgiu a necessidade da estabelecer uma contraprestação por esse serviço.

Apesar da "taxa" de Serviço de Inspeção e Segregação de Contêineres (SSE), existir desde meados da década de 80, ela só veio a ser regulamentada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) no ano de 2012, com a edição da Resolução nº 2.389/2012. Entretanto, as primeiras decisões judiciais e administrativas à respeito do tema datam do início dos anos 2000.

Enfim, embora, surpreendentemente, a cobrança da SSE tenha se tornado assunto polêmico, insta-se que ela nada mais é que um preço privado oriundo da necessidade de compensar serviços adicionais que operadores portuários realizam, previamente pactuados com os usuários, em ordem de segregar e liberar as cargas que não permanecerão em seus terminais, mas sim, serão desembaraçados em um terminal retroportuário alfandegado (TRA).

Em outras palavras, trata-se de cobrança pelo operador portuário de outra tarifa, adicional à tarifa básica, a título de "segregação e entrega de contêineres", sendo exigida quando a carga é entregue a um recinto alfandegado para a armazenagem.

Nos termos da regulação mais recente, a Resolução nº 72/2022 da ANTAQ, por ora suspensa pelo Acórdão nº 1.448/2022 do TCU, o SSE pode ser definido como:

IX - Serviço de Segregação e Entrega de contêineres (SSE): preço cobrado, na importação, pelo serviço de movimentação das cargas entre a pilha no pátio e o portão do terminal portuário, pelo gerenciamento de riscos de cargas perigosas, pelo cadastramento de empresas ou pessoas, pela permanência de veículos para retirada, pela liberação de documentos ou circulação de prepostos, pela remoção da carga da pilha na ordem ou na disposição em que se encontra e pelo posicionamento da carga no veículo do importador ou do seu representante; (Res. Antaq nº 72/2022, Art. 2º, IX) 

Lógico, do que se depreende do texto normativo, nem todos os serviços inclusos no rol de possibilidades da SSE são correlacionados à separação de contêineres para remessa a portos secos. Apesar disso, o que é comum a todas as hipóteses, é de que elas exigem um manejo adicional da carga, que foge do habitual, nas operações de importação.

Há quem se refira ao SSE como taxa de Terminal Handling Charge 2 (THC2), tentando imprimir: (i) uma imagem de imposição do preço - mesmo que equivocada do ponto de vista do Direito Tributário2; e (ii) a ideia de que o SSE seria um prolongamento ou repetição do THC, cobrança essa que compõe a denominada 'box rate', e, então, criaria um mercado de remuneração por um serviço fictício.

Na realidade, e fazendo menção ao artigo publicado nesta Coluna por Marcelo Sammarco e José Cavalini Junior3, o requisito para fazer parte da box rate é de que os serviços nela contidos sejam prestados indistintamente a todas as cargas. Por isso que o Terminal Handling Charge está nela incluso, visto que se aplica, na importação, a todas as cargas, que devem ser movimentadas do costado da embarcação à pilha.

Nesse sentido, é evidente que o art. 9º da referida resolução nº 84/2022 da ANTAQ, tal qual as normativas precedentes, afasta a inclusão do SSE na 'box rate' e sua confusão com a THC, a não ser que haja previsão contratual em sentido contrário.

Fato é que, apesar de ser tema regulamentado pela ANTAQ desde 2012, a cobrança foi questionada sob o viés de outros Órgãos Reguladores, tais como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o Tribunal de Contas da União (TCU), este que, no ano de 2022 suspendeu os dispositivos relativos à tarifa na resolução nº 72/2022.

Os argumentos contrários a cobrança baseiam-se em uma suposta violação ao direito concorrencial, isso porque o SSE, per se, teria caráter supostamente anticompetitivo, independentemente de seu preço, além de que haveria "poder de barganha ilimitado" no trato com os portos secos e que inexistiria relação jurídica entre porto molhado e porto seco.

No âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), as incertezas sobre a legalidade foram superadas após celebração de Memorando de Entendimentos entre a Antaq e CADE, o qual concluiu pela legalidade, mas podendo vir a ser considerada abusiva e caracterizada como conduta lesiva ao ambiente concorrencial se forem verificadas, entre outros aspectos, a abusividade dos valores aplicados, o caráter discriminatório da cobrança, e a falta de racionalidade econômica.

Inclusive, o Departamento de Estudos do CADE (DEE), impulsionado pelo Conselheiro Presidente, publicou estudo que, hoje, tida como majoritária no Plenário. Em tal Nota Técnica4, o DEE trouxe à tona alguns pontos que demonstram que, na realidade, tal relação dicotômica de bom e mau não existe na relação entre os portos secos e molhados.

A começar pela (i)legitimidade da tarifa, sob à óptica do direito antitruste, é impossível infirmar, sem levar em conta os valores atribuídos a ela, a sua abusividade ou não. Nesse sentido, não faria sentido lançar um olhar sob a perspectiva per se sobre o SSE, mas sim sob a óptica da "teoria da razão" que, para julgar a afronta à concorrência ou não de uma determinada tarifa, também leva em conta seus valores.

Com isso, cai por terra também a ideia de que há um poder de barganha ilimitado atribuído aos portos molhados, haja vista que, se assim fosse, haveria permissividade para fixação de preços absurdos, o que não acontece na prática. Isso se deve, pois, a própria Antaq estabeleceu mecanismos, no art. 9º da Res. 72/2022, para o reajuste do preço do SSE, caso este se demonstre elevado.

Nesse sentido, inclusive, a Antaq e o CADE, por intermediação do então Ministério da Infraestrutura, reiteraram, por meio do Memorando de Entendimento nº 01/20215, a natureza lícita do SSE, cuja ilicitude somente pode se manifestar em meio a abusividades. Eis aí a teoria da razão.

Seguindo adiante, deve-se ser considerado que, nos termos da regulação atual, os portos secos, que se valem do argumento de não possuírem relação jurídica com o operador portuário, são atualmente uma espécie de clientes VIP do terminal molhado6, uma vez que, além de requererem serviços extra para a segregação da carga, pela legislação, imputam ao terminal molhado que disponibilize os contêineres em até 48h, mais rápido que para os próprios clientes do porto. Isso é, fazem que o terminal molhado realize serviços diferenciados e em prazo mais rápido, o que certamente encarece a atividade no cais.

Ainda trazendo à baila o estudo realizado pelo DEE do CADE, tem-se uma reflexão muito interessante relativa ao fato de que a maioria das importações brasileiras são feitas por meio do incoterm Cost Insurance & Freight (CIF)7. Em tal modalidade, a responsabilidade do exportador é finalizada ao momento da descarga, sendo o importador responsável por adimplir os custos de movimentação da carga no porto. Além disso, é de escolha do importador o local onde sua carga será armazenada, isso é, na zona molhada ou retroportuária.

Assim, é difícil sustentar a tese de que a fatura da tarifa de SSE deveria ser remetida ao armador, com seus custos repassados ao exportador. Mais lógico, então, é o que acontece: a cobrança direcionada aos TRAs, que irão repassar ao importador, nos termos da relação jurídica existente no contrato entre importador e exportador.

Até porque, se realmente a situação se tratasse da redução de competitividade dos portos molhados em relação aos portos secos, evidentemente, os preços relativos a serviços de movimentação de cargas, cancelamento de agendamento, dentre outros, seriam mais brandos, sendo que, na realidade, alguns deles excedem a própria tarifa de SSE de terminais molhados. Fato é que tal argumento põe em xeque, também, a alegação de que a segregação de cargas não enseja em custos o terminal molhado.

Enfim, passado tal ponto, em atenção à determinação exarada no Acórdão do TCU, a ANTAQ suspendeu os dispositivos relativos ao SSE até que a questão fosse dirimida. Entretanto, hoje, no Judiciário, há diversas decisões liminares em Mandados de Segurança impetrados por terminais molhados, com teor permissivo à cobrança da tarifa.

Inclusive, a 1ª Turma do STJ na decisão do REsp 1537395 e REsp 1774301, apesar de não haver ingressado no mérito da questão, manteve e fez transitar em julgado Acórdão paradigmático do TRF1 permissivo à cobrança da referida tarifa. No âmbito administrativo, aguarda-se o julgamento administrativo de recurso apresentado pela ANTAQ frente ao TCU, em relação ao acórdão nº 1.448/2022.

Portanto, considerando que há previsão regulatória para a cobrança do SSE, bem como, sob nenhuma hipótese podem tais serviços ser inclusos na 'box rate', pelo simples motivo de não serem prestados, indistintamente, a todas as cargas, não há que se falar em ilegalidade da cobrança por parte dos terminais retroportuários. Possíveis abusos e afrontas concorrenciais, além de possuírem mecanismos regulatórios para sua resolução, devem ser verificadas caso a caso, sob pena de penalizar os portos molhados por sua própria natureza no cais.

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1 Disponível aqui.

Disponível aqui.

Disponível aqui.

Disponível aqui.

Disponível aqui.

Disponível aqui.

BUSSINGER, Frederico. Terminais de Contêineres: padronização das rubricas de serviços básicos. Katálysis, Consultoria e Empreendimento (2019).