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Obras emergenciais e autonomia contratual do síndico

O síndico se apresenta como autorizado pela lei de regência, aplicável aos condomínios edilícios, para contratar, isoladamente, e sem prévia autorização da assembleia, empresas ou pessoas físicas, nesse tocante, para o fito de realizar obras necessárias e imprescindíveis em caráter de urgência.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Atualizado às 08:47

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Dentre as diversas competências que se imantam ao rol de responsabilidades do síndico, avulta-se o poder de celebração de contratos. Muitos destes ajustes negociais, realizados em meio ao processo de gestão condominial, são submetidos previamente ao crivo do colegiado de condôminos, durante as assembleias gerais, onde vem a receber a aprovação ou reprovação quanto a sua realização.

Quando aprovados, em reunião assemblear, recebem o manto da legitimidade, e se tornam, de per si, inquestionáveis, a menos que contenham vícios ou defeitos que possam macular a sua formalização e execução, que nem sempre se tornam perceptíveis.

Contudo, resta a indagação: estaria o síndico autorizado a decidir singularmente, a respeito de determinados temas da gestão condominial, sem submeter tal consulta à assembleia, mais especialmente no que se refere a contratar diretamente prestadores de serviços para reformas, obras ou reparos nos condomínios?

A resposta é positiva, mas requer análise criteriosa. Isso porque, a própria lei civil autoriza, à guisa de exemplo, a contratação de obras necessárias e emergenciais, dada a necessidade, quando não, real imprescindibilidade, de sua real e concreta efetivação, dentro do prazo mais célere possível, tanto porque, a demora em certas contratações pode acarretar danos imensuráveis e prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação à estrutura condominial.

Nesse tocante, assim dispõe o CC/02, em seu art. 1341:

"A realização de obras no condomínio depende:
I - se voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos;
II - se úteis, de voto da maioria dos condôminos.
§ 1º As obras ou reparações necessárias podem ser realizadas, independentemente de autorização, pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer condômino.
§ 2º Se as obras ou reparos necessários forem urgentes e importarem em despesas excessivas, determinada sua realização, o síndico ou o condômino que tomou a iniciativa delas dará ciência à assembleia, que deverá ser convocada imediatamente.
§ 3º Não sendo urgentes, as obras ou reparos necessários, que importarem em despesas excessivas, somente poderão ser efetuadas após autorização da assembleia, especialmente convocada pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer dos condôminos.
§ 4º O condômino que realizar obras ou reparos necessários será reembolsado das despesas que efetuar, não tendo direito à restituição das que fizer com obras ou reparos de outra natureza, embora de interesse comum."

Tem-se assim que o síndico se apresenta como autorizado pela lei de regência, aplicável aos condomínios edilícios, para contratar, isoladamente, e sem prévia autorização da assembleia, empresas ou pessoas físicas, nesse tocante, para o fito de realizar obras necessárias e imprescindíveis em caráter de urgência, tendo-se claro a atenção para os requisitos estabelecidos na norma.

Dentre tais exigências legais, deve o gestor condominial atentar para o fato de que, tratando-se de obras ou reformas urgentes de baixo custo, o síndico estará autorizado a prosseguir com tais tarefas, sem qualquer óbice; já na hipótese de reformas ou obras urgentes de elevada despesa, o síndico poderá igualmente prosseguir com elas, contudo, deverá observar a necessidade de convocar assembleia, tanto para o fim de elucidar as razões atinentes a tal empreitada, como para a finalidade de prestar contas pontuais de sua gestão, incidentes nesta matéria.

Não raro, convenções de condomínio costumam dispor sobre a alçada do síndico, com isso autorizando que este possa decidir sozinho a respeito de determinadas obras, como aquelas que possam ter sido aprovadas previamente em assembleia, mas que possam demandar, no seu processo de execução, a necessidade de despesas adicionais de até 10% do valor da obra.

A jurisprudência pátria corrobora o enunciado e o comando legislativo em diversos de seus julgados, como este proferido no TJ/DF:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO COMINATÓRIA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. PONTOS DE ANCORAGEM. MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DO EDIFÍCIO. APROVAÇÃO. ASSEMBLÉIA. BENFEITORIA NECESSÁRIA. ÔNUS DA PROVA. FATO IMPEDITIVO. DIREITO DE VIZINHANÇA. LIMITAÇÃO DIREITO DE PROPRIEDADE. A realização da obra no condomínio edilício que visa a manutenção e conservação do edifício e, portanto benfeitoria necessária, independe de quórum especial. Compete à parte requerida comprovar fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor. Mostra-se incabível afastar as conclusões alcançadas por empresa especializada no ramo de construção civil, sem prova inequívoca que refute a necessidade da ancoragem. As regras relativas ao direito de vizinhança impõem limitações ao direito de propriedade em benefício da convivência social e do bem estar individual, com o intuito de garantir a segurança, sossego e saúde dos demais indivíduos."1

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1 TJ/DF - 07039466920208070000 DF 0703946-69.2020.8.07.0000. Jurisprudência. Data de publicação: 13/5/20.

Vander Andrade

VIP Vander Andrade

Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

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