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Sistema carcerário

Quais impactos do RDD na saúde mental dos presos? Psiquiatra explica

Segundo a especialista, quanto mais restrito o isolamento dos presos, maiores são as chances de desenvolver psicoses e de encontrar dificuldades para se reintegrar à sociedade após o período de reclusão.

Da Redação

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Atualizado às 09:55

No dia 14 de fevereiro, dois detentos conseguiram escapar da Penitenciária Federal de Segurança Máxima em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Conforme informações fornecidas pelo juiz-corregedor do presídio, Walter Nunes, durante uma entrevista à imprensa, a dupla permaneceu confinada em suas celas por cinco meses consecutivos. Essa reclusão prolongada foi imposta a Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça devido ao RDD - Regime Disciplinar Diferenciado, aplicado em presídios Federais para punir detentos por crimes dolosos ou outras infrações graves.

O RDD é uma medida polêmica e objeto de debates sobre sua eficácia e compatibilidade com os Direitos Humanos. Críticos argumentam que as condições extremamente restritivas podem levar a violações dos direitos dos detentos e até mesmo contribuir para o agravamento de problemas de saúde mental. No entanto, defensores afirmam que é uma medida necessária para garantir a segurança dentro das prisões e para a sociedade como um todo.

Em vista da importância do tema, Migalhas consultou Jacqueline Segre, médica psiquiatra e vice-coordenadora da pós-graduação de Psiquiatria Forense do IPq-HCFMUSP - Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Segundo a especialista, quanto mais restrito o isolamento dos presos, maiores são as chances de desenvolver psicoses e de encontrar dificuldades para se reintegrar à sociedade após o período de reclusão.

Assista ao vídeo:

Regime Disciplinar Diferenciado

O pacote anticrime, sancionado em 2019, tornou as regras do RDD, previstas na lei de execução penal, mais rigorosas. O regime, com duração máxima de até dois anos, é aplicável a detentos nacionais ou estrangeiros, e as visitas ocorrem quinzenalmente em instalações que impedem o contato físico e a passagem de objetos.

O banho de sol é permitido em grupos de até quatro presos, desde que não haja contato com membros do mesmo grupo criminoso. Todas as entrevistas são monitoradas, exceto aquelas com advogados, e a participação em audiências judiciais ocorre preferencialmente por meio de videoconferência.

Veja a íntegra do dispositivo:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas;

IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso;

V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário;

VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;

VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso.

§ 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros:

I - que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;

II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave.

§ 2º (Revogado).

§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal.

§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o preso:

I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade;

II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.

§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais.

§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput deste artigo será gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário.

§ 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber a visita de que trata o inciso III do caput deste artigo poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos." (NR)

Impacto do RDD na saúde mental

Como as condições restritivas do RDD afetam o estado psicológico dos detentos, especialmente em relação à saúde mental? Segundo a psiquiatra Jacqueline Segre, quanto mais restrito o isolamento dos presos, maiores são as chances de desenvolver psicoses, que envolvem uma ruptura com a percepção da realidade, e de encontrar dificuldades para se reintegrar à sociedade após o período de reclusão.

"Evidências apontam que o confinamento solitário pode resultar não apenas em quadros psicóticos, mas também no surgimento de depressão e em uma deterioração global do bem-estar psicológico do indivíduo", acrescenta ela.

De acordo com a especialista, o isolamento aumenta o risco de adoecimento e prolonga a persistência dessas condições mesmo após o término da restrição.

"É claro que quanto mais longo for o período de isolamento, maiores são as chances de desenvolver quadros psicóticos, que podem ter repercussões significativas no sistema prisional e, a longo prazo, na reintegração desses indivíduos à sociedade."

Efetividade do RDD

A psiquiatra adota uma postura cautelosa ao avaliar se o Regime Disciplinar Diferenciado é eficaz para garantir a segurança no sistema prisional e na sociedade em geral. Segundo Jacqueline, "a conta não é simples".

"É fundamental exercer cautela ao discutir o contexto carcerário brasileiro, pois estamos lidando, na maioria das vezes, com uma população vulnerável, pouco assistida e marginalizada. Além disso, muitas vezes nos deparamos com uma percepção punitiva por parte da sociedade, motivada pelo medo de novos crimes."

Ela enfatiza a importância de um diálogo mais amplo entre diversas áreas para desenvolver políticas públicas e investimentos que melhorem a condição da população carcerária.

"Seria benéfico realizar mais estudos para compreender melhor a população afetada, as consequências do isolamento mais ou menos severo e como proteger a sociedade sem prejudicar excessivamente esses indivíduos."

A médica conclui afirmando que estudos indicam que períodos prolongados de isolamento tendem a aumentar o estresse psicológico e, consequentemente, o risco de doenças mentais graves, como psicose e transtornos de humor. No entanto, segundo ela, encontrar um equilíbrio entre a proteção da sociedade e a preservação do bem-estar dos detentos não é uma tarefa fácil.

"Então, novamente, o que os estudos vão mostrando que períodos maiores de isolamento tendem a gerar maiores estresse psíquicos e, portanto, maior adoecimento, principalmente no nível da psicose e dos transtornos de humor. Agora, a conta de como fazer isso, ou seja, não permitir que ele fique tão isolado e a gente possa, ao mesmo tempo, proteger a sociedade e o sistema carcerário desses indivíduos, é que não é a conta simples de se fazer."

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