Congresso foi omisso ao não tributar grandes fortunas, decide STF
Maioria da Corte acompanhou voto do relator.
Da Redação
quinta-feira, 6 de novembro de 2025
Atualizado às 21:04
O STF formou maioria, nesta quarta-feira, 6, para reconhecer a omissão do Congresso Nacional em regulamentar o omposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição Federal.
A decisão seguiu o voto do relator, ministro aposentado Marco Aurélio, acompanhado inicialmente pelo ministro Cristiano Zanin, que chegou à mesma conclusão, mas apresentou fundamentação parcialmente distinta.
Ficaram vencidos o ministro Flávio Dino, que divergiu apenas quanto à fixação de prazo para o Congresso editar a lei, e o ministro Luiz Fux, que discordou integralmente, por entender que não há omissão inconstitucional na ausência de regulamentação do imposto.
Veja o resultado:
Histórico
O processo começou a ser julgado no plenário virtual, mas voltou à pauta presencial após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes.
O decano da Corte cancelou o destaque no último dia 20/10, mas a ação foi mantida na pauta pelo presidente do Supremo, ministro Edson Fachin.
A sessão do dia 23/10 foi destinada à sustentação oral da advogada do PSOL.
Entenda o caso
A ação foi ajuizada pelo PSOL, para que o Supremo reconheça a omissão inconstitucional do Congresso Nacional em editar a lei complementar que institua o imposto sobre grandes fortunas.
O partido sustenta que, mais de três décadas após a promulgação da Constituição de 1988, o dispositivo permanece sem regulamentação, impedindo a efetividade dos objetivos fundamentais da República, como a redução das desigualdades sociais.
A AGU e a PGR manifestaram-se pela improcedência da ação, afirmando que a instituição do tributo constitui faculdade política da União, não um dever constitucional, e que eventual fixação de prazo legislativo afrontaria o princípio da separação dos poderes.
Sustentação oral
Em sustentação oral no STF, a advogada Bruna de Freitas do Amaral, representante do PSOL, afirmou que o Congresso Nacional está omisso há mais de 30 anos em regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição.
Ela defendeu que a ausência do tributo viola os princípios da justiça fiscal e da solidariedade, perpetuando um sistema regressivo que tributa mais o consumo do que o patrimônio.
Segundo Bruna, o IGF é um instrumento de equilíbrio social e dever constitucional, não uma escolha política. Pediu que o STF reconheça a mora do Congresso e determine a adoção das medidas necessárias à criação do imposto.
Voto do relator
No plenário virtual, o relator, ministro aposentado Marco Aurélio, entendeu configurada a omissão inconstitucional do Congresso Nacional. Para S. Exa., a falta de deliberação sobre projeto de lei que trate do tema "revela inatividade incompatível com a Constituição Federal".
O ministro citou precedente do STF na ADIn 3.682, de relatoria de Gilmar Mendes, segundo o qual a demora irrazoável na apreciação de proposições legislativas pode caracterizar mora inconstitucional.
"Não é admissível transformar a Lei das leis, que é a Constituição Federal, em 'sino sem badalo', na dicção do professor José Carlos Barbosa Moreira, sob pena de ter-se o prejuízo à força normativa do texto e a perda de legitimidade do Judiciário", afirmou Marco Aurélio.
Segundo o relator, o imposto sobre grandes fortunas - único entre os impostos ordinários previstos na Constituição ainda não implementado - é instrumento apto a promover justiça social e reduzir desigualdades, especialmente diante da crise fiscal e social agravada pela pandemia.
"Passados 31 anos da previsão constitucional, que venha o imposto, presente a eficácia, a concretude da Constituição Federal. Com a palavra, o Congresso Nacional", concluiu.
Apesar de reconhecer a mora legislativa, Marco Aurélio recusou-se a fixar prazo para atuação do Congresso, sustentando que tal medida extrapolaria a função jurisdicional.
"É perigoso, em termos de legitimidade institucional, uma vez que, não legislando o Congresso Nacional, a decisão torna-se inócua", advertiu.
Assim, votou pela procedência da ação, sem impor prazo ao Legislativo para regulamentar o tributo.
Veja o voto.
Ao proferir seu voto na sessão desta quinta-feira, ministro Flávio Dino reconheceu a omissão inconstitucional do Congresso Nacional, entretanto divergiu parcialmente sobre a fixação de prazo. O ministro destacou que o sistema tributário brasileiro é regressivo e incompatível com o princípio da capacidade contributiva, previsto na Constituição.
Ressaltou que o art. 153, VII, da CF não confere mera faculdade à União, mas impõe um dever jurídico de instituir o IGF, o que não foi cumprido desde 1988.
Dino observou que a existência de projetos de lei sobre o tema não afasta a mora legislativa, já que nenhum foi levado à votação efetiva. Argumentou ainda que a falta de regulamentação impede uma tributação justa sobre a riqueza, perpetuando desigualdades econômicas e sociais.
Ao concluir, o ministro declarou procedente a ação e fixou o prazo de 24 meses para que o Congresso edite a lei complementar que institua o imposto, ponderando que a medida busca equilibrar a efetividade da Constituição com a viabilidade política e orçamentária do Parlamento.
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator para reconhecer a omissão legislativa do Congresso Nacional na regulamentação do IGF.
Em seu voto, Zanin afirmou que a mora legislativa é evidente, uma vez que, mais de três décadas após a promulgação da Constituição, o imposto ainda não foi instituído. Contudo, divergiu parcialmente do relator quanto à fixação de prazo para o Congresso editar a lei complementar.
O ministro destacou que há debates intensos sobre os impactos econômicos do imposto e mencionou iniciativas internacionais, como discussões no G20 e na ONU, voltadas à criação de um modelo global para o tributo. Segundo ele, uma instituição isolada do IGF apenas no Brasil poderia gerar fuga de capitais, motivo pelo qual defendeu uma abordagem coordenada no cenário internacional.
Diante desse contexto, Zanin acompanhou o relator quanto ao reconhecimento da omissão, também deixou de fixar prazo para o Congresso legislar, entretanto, adotou fundamentação diversa. Os ministros Dias Toffoli e Nunes Marques acompanharam o voto.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou integralmente o relator no julgamento sobre a omissão do Congresso em instituir o imposto sobre grandes fortunas. Para ela, o sistema tributário é composto por competências que não são apenas poderes, mas deveres de atuação dos entes federativos, essenciais à realização dos objetivos da República e à promoção da igualdade.
A ministra afirmou que, passados quase 40 anos da promulgação da Constituição, há uma omissão inconstitucional pela falta de regulamentação do tributo, o que enfraquece o sistema tributário e amplia desigualdades, já que a ausência do imposto sobre grandes fortunas acaba onerando mais os que têm menos.
Embora reconheça a omissão, Cármen Lúcia discordou da proposta de fixar prazo para o Congresso legislar, entendendo que os prazos políticos não se confundem com os jurídicos. Assim, votou com o relator, reconhecendo a omissão, mas sem estabelecer prazo, reafirmando que a competência tributária é também um dever do Estado na busca pela justiça fiscal e pela igualdade social.
O ministro Alexandre de Moraes reconheceu a omissão do Congresso Nacional em instituir o imposto sobre grandes fortunas. Destacou que, dos oito tributos de competência da União, apenas esse não foi regulamentado, embora o constituinte tenha determinado sua criação por lei complementar, reconhecendo sua importância para a justiça fiscal e a redução das desigualdades sociais.
Moraes observou que o tema é discutido desde 2008, com diversos projetos de lei sem avanço, e comparou o Brasil a outros países que já adotaram tributos semelhantes. Ressaltou, contudo, a necessidade de estudos técnicos para evitar a fuga de capitais.
Por fim, afirmou que a ADO tem caráter de advertência institucional e que o Supremo não pode substituir o Congresso na criação de tributos. Assim, reconheceu a omissão legislativa, mas sem fixar prazo para que o parlamento edite a lei, conforme o relator.
Divergência
O ministro Luiz Fux apresentou voto divergente no julgamento sobre a omissão do Congresso Nacional em instituir o imposto sobre grandes fortunas.
Em sua manifestação, ele afirmou não reconhecer a existência de omissão inconstitucional e defendeu a autocontenção judicial, isto é, a limitação do papel do Judiciário em temas que envolvem escolhas políticas e econômicas próprias do Legislativo e do Executivo.
Segundo Fux, o momento atual, marcado pela tramitação de propostas e debates no âmbito da reforma tributária, demonstra que o Parlamento tem se debruçado sobre o tema, razão pela qual não se pode falar em inércia legislativa.
O ministro destacou que é preciso distinguir entre "opção" e "omissão", ressaltando que, no caso, a ausência de instituição do imposto reflete uma opção política legítima, e não uma omissão inconstitucional.
Com base nesse entendimento, o ministro considerou que cabe exclusivamente à União, por meio do processo legislativo, decidir sobre a conveniência e oportunidade de criar o tributo, e que o Poder Judiciário não pode substituir o juízo político dos representantes eleitos. Ele enfatizou ainda que o reconhecimento de omissão inconstitucional neste contexto violaria o princípio da separação dos poderes.
Fux também criticou o uso do Judiciário por partidos políticos como meio de buscar resultados que não conseguiram alcançar na arena parlamentar, afirmando que essa prática fragiliza a legitimidade das decisões políticas e distorce o papel institucional do STF.
Assim, em respeito à autonomia do Parlamento e à natureza política da decisão sobre a criação do imposto, o ministro votou pela improcedência do pedido formulado pelo PSOL, afastando o reconhecimento de omissão do Congresso Nacional.
No Congresso
Em outubro de 2024, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do PLP 108/24, segundo projeto da reforma tributária, que trata da administração e cobrança do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços - o novo tributo que substituirá o ICMS e o ISS.
Durante a sessão, os parlamentares rejeitaram emenda do deputado Ivan Valente que propunha a instituição do IGF - imposto sobre grandes fortunas, incidente sobre patrimônios superiores a R$ 10 milhões.
A proposta visava ampliar a progressividade do sistema e reforçar a arrecadação de altos rendimentos, mas não obteve apoio da maioria.
Com a conclusão dessa etapa, o PLP 108/24 seguiu para o Senado, consolidando, no âmbito legislativo, a opção política de não incluir o imposto sobre grandes fortunas na reforma tributária em curso - exatamente o ponto central da omissão questionada no STF.
- Processo: ADO 55






