Leitura Legal

O Direito Penal na era da tecnologia

O Direito Penal na era da tecnologia.

13/12/2020

Pelo que narram os estudiosos, até o final do século passado o tempo foi se escoando dentro de um padrão de normalidade, com poucas mudanças radicais a respeito da vida e do comportamento do homem. Principalmente no Direito, que é uma ciência que caminha pari passu com o desenvolvimento social. A lei, responsável pela elaboração do equilíbrio das relações, nem sempre antecede o fato. Aguarda-o a ganhar corpo para, em sequência, conhecendo seus meandros, elaborar a norma que seja adequada.

O início do século XXI, no entanto, trouxe uma acelerada transformação que foi rompendo estruturas arcaicas e já carcomidas temporalmente. Veja, a título de exemplo: O Código Penal foi editado em 1940 e nele várias mudanças foram introduzidas, assim como novas práticas delituosas foram inseridas e outras, ultrapassadas e em desacordo com o pensamento atual, excluídas.

O Código de Processo Penal, por sua vez, com vigência a partir de 1941, também providenciou suas adaptações para atender às necessidades de uma entrega de prestação jurisdicional mais célere e menos complicada.

Ambos os estatutos, rapidamente, tiveram que sair da inércia que frequentavam em razão da indisfarçável interação com as tecnologias de última geração. Nesta linha de raciocínio é interessante observar que a lei processual penal – para expedição de um édito condenatório – é exigente com relação à autoria e materialidade do delito, estruturas básicas e fundamentais da função persecutória judicial. Assim, a autoria de um crime deve ser demonstrada de forma inequívoca, preferencialmente, por testemunhas presenciais, quando possível. Tanto é que no Direito Romano vigia a regra testis unus, testis nullus, no sentido de que o depoimento de uma só pessoa não era suficiente para condenar, exigindo-se a confirmação por outra testemunha.  O legislador do século passado satisfazia-se com o reconhecimento feito por uma testemunha (de visu) ou até mesmo pelo reconhecimento pessoal previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, que é uma recomendação e não uma exigência.

Pois bem. As câmeras de segurança instaladas em locais estratégicos nas vias públicas e nos interiores de estabelecimentos frequentados por razoável número de pessoas, com seus olhos eletrônicos, clicam a imagem que interessa e, quando possível, no mesmo instante, já ostentam a qualificação do infrator. É uma delação muito mais perfeita e sem qualquer margem de erro, como às vezes acontece com a humana. Não há que se falar em invasão à privacidade da pessoa investigada porque a captação de imagens em local essencialmente público visa também à proteção e segurança dos frequentadores.

Não deixa de ser uma tecnologia interessante para o combate preventivo e até mesmo repressivo da criminalidade, tanto aquela praticada de forma sorrateira, como o caso de um punguista na subtração de um pertence do pedestre, como na modalidade organizada, envolvendo várias pessoas na empreitada criminosa de um assalto a banco.

São os meios técnicos que vão gradativamente substituindo as provas humanas, expondo as imagens e muitas vezes o som do ilícito, possibilitando uma interpretação perfeita, com base exclusivamente nos fatos reais, sem qualquer interferência narrativa do homem. O olho humano é substituído pela lente da câmara. Assim como o radar instalado na cidade e rodovia, substituto perfeito da fiscalização humana. Como o detector de metal, no controle de acesso a determinados lugares.

Com a obrigatoriedade do uso de máscara de segurança em razão da pandemia, cogita-se a respeito de uma determinada limitação dos instrumentos óticos de vigilância eletrônica, por terem acesso parcial ao rosto do investigado. Tanto é assim que os infratores sempre tiveram uma preferência de cobrir total ou parcialmente o rosto durante a empreitada criminosa, mesmo antes da pandemia.

A própria tecnologia, no entanto, veio a se superar, eliminando a dificuldade apresentada. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia, em local monitorado por câmeras para garantir a segurança de muitos frequentadores, ajustou a tecnologia de reconhecimento facial, que equipara traços dos rostos com as imagens disponíveis nos bancos de pessoas com ordens de prisões, mesmo com a utilização de máscaras, de tal forma que obtém 94% de similaridade, indicativo relevante para a função de segurança.1

De acordo com a evolução cada vez mais acentuada da tecnologia, as audiências atuais realizadas com o auxílio da ferramenta de videoconferência em "sala virtual", também abrigarão dispositivos eletrônicos que irão figurar como testemunhas dos fatos perquiridos.

A Justiça, desta forma, pode continuar com os olhos vendados porque a tecnologia irá proporcionar as melhores provas obtidas, dispensando-se os depoimentos das falíveis testemunhas.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.