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A morte medicamente assistida em Portugal

O tema morte começa a fazer parte direta da vida das pessoas e a tendência é procurar uma modalidade mais ética que se coadune com a conveniência humana, que tem a morte como o esgotamento de todo o esforço terapêutico e o esvaziamento das reservas de resistência do paciente.

28/5/2023

O tema morte começa a fazer parte direta da vida das pessoas e a tendência é procurar uma modalidade mais ética que se coadune com a conveniência humana, que tem a morte como o esgotamento de todo o esforço terapêutico e o esvaziamento das reservas de resistência do paciente. Já que o morrer é inafastável, a tendência é buscar uma alternativa que se enquadre nos limites da razoabilidade ética. Mas o homem, na incansável evolução, arrebenta os diques das regras consuetudinárias e ingressa no domínio da etapa final de sua vida. Quer, também em razão da autonomia adquirida por inúmeros direitos assimilados, decidir a respeito das modalidades da morte.

Apesar da oposição do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, os deputados do Parlamento português aprovaram por 129 votos a favor e 81 contra a legislação referente à morte medicamente assistida e, consequentemente, descriminalizou a eutanásia, prevista como crime no Código Penal, obrigando, desta feita, a sanção presidencial.

É de se esclarecer que a morte medicamente assistida, de acordo com a novatio legis portuguesa é a que ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício de seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais da saúde.

Exige, ainda, que a vontade do paciente seja atual e reiterada, séria e esclarecida, quando se encontrar em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave incurável considerada intolerável pela própria pessoa e que o ato seja praticado por profissionais da saúde.

A imprensa deu ênfase e alardeou a aprovação da eutanásia em Portugal, quando, na realidade, o enfoque legislativo cingiu-se à morte medicamente assistida e a eutanásia, por sua vez, é uma das formas de sua realização, somente nos casos de incapacidade física do doente.

O Código Penal brasileiro, tendo em mira preceito constitucional, reforça a conduta ilícita da eutanásia, conhecida como homicídio piedoso ou caritativo.  Assim, cai por terra qualquer iniciativa no sentido de configurar a eutanásia como um homicídio legal, concedendo a legitimidade ao profissional de saúde para decidir a respeito do jus mortis do paciente. O próprio Código de Ética Médica é taxativo e proibitivo quando penaliza a conduta do profissional em "abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal".1

A decisão para se habilitar no novo formato que se avizinha em Portugal é do paciente mentalmente capaz, maior de 18 anos e alcança unicamente os cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território lusitano.

O procedimento clínico de morte medicamente assistida compreende várias etapas. O paciente deduz sua pretensão a um médico de sua confiança, chamado de orientador, que irá acompanhá-lo e esclarecê-lo a respeito da decisão a ser tomada, envolvendo até mesmo os familiares, conferindo ainda a ele a assistência de um especialista em psicologia clínica, assim como recomendá-lo para receber os cuidados paliativos.

Após o parecer favorável do médico orientador, o paciente irá se avistar com um médico especialista na sua patologia, que confirmará ou não a natureza grave e incurável da doença ou a condição definitiva e de gravidade extrema da lesão. Se não for confirmada, a pretensão cai por terra e o procedimento é cancelado. Se confirmada, o médico orientador irá indagar novamente ao paciente se mantém inalterada sua decisão, ato que será registrado por escrito e assinado pelo doente ou por pessoa por ele designada.

Vencidas todas as fases, o médico orientador irá informar ao paciente a respeito dos métodos disponíveis para praticar a morte medicamente assistida, contando com a colaboração dele nos casos de autoadministração de fármacos letais ou administração pelo médico ou profissional da saúde quando estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais.

É de se concluir que a legislação portuguesa rompeu uma barreira quase que instransponível e introduziu a modalidade de morte medicamente assistida nos casos de doença considerada grave e irreversível e passou a autorizar a morte com a intenção de abreviar o sofrimento físico insuportável.  

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1 Artigo 41 do Código de Ética Médica, Resolução CFM 2217/2018.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.