Marizalhas

Somos brancos?

O colunista aborda a condição mestiça do brasileiro.

18/3/2013

Li em algum lugar uma afirmação de Chico Buarque sobre o racismo. Afirmação verdadeira, em forma de blague. Ele criticava a resistência nacional em admitir a miscigenação como característica de nossa gente : "no Brasil só a Xuxa é branca. Mesmo assim caso não case com o Tafarel irão desaparecer os brancos".

Com efeito, quem é branco nesse país onde predominaram negros vindos da África e que aqui foram fazendo e tendo filhos, entre si e com brancos e índios ? No século XIX o percentual de negros se não era superior, quase o era.

Fernando Henrique disse que ele tinha, ou quase todos nós tínhamos, um "pé na cozinha". Houve até quem quisesse o seu "impeachment".

Atualmente, a população brasileira é constituída por maioria significativa de brancos, em face da imigração, do final do outro e início do século passado. No entanto, os brasileiros que não possuem descendência próxima com imigrantes, possuem mesmo que remotamente origem em algum tipo de miscigenação.

E, qual é a razão de não assumirmos a nossa condição mestiça. Por que esta dificuldade de reconhecermos a nossa origem. É interessante que quanto à cor da pele gostamos do bronzeado, gostamos de nos expor ao sol para "tomar cor". É notória a nossa preferência pela cor morena do mulato (a). Talvez se trate de um claro indício, embora inconsciente, do reconhecimento da nossa origem miscigenada.

Estranha queda pela cor e repulsa pela origem.

Nós temos uma elite que desejou desde seus primórdios ser europeia, especificamente francesa. Posteriormente, o sonho foi se americanizando. Esta utopia segue o seu curso nos dias de hoje, com a adoção, por exemplo, de um vasto vocabulário da língua inglesa em substituição a expressões correlatas do nosso português.

É interessante notar que nas nossas mais fulgurantes manifestações culturais, a música e o futebol, o negro sempre desempenhou um papel de grande destaque, propulsor e de vanguarda. Em ambos, a sua presença, no entanto, foi inicialmente rejeitada. O batuque, o choro, o maxixe e o samba eram desprezados pelas classes dominantes. Nos salões apenas valsas vienenses e polca.

Uma ocasião, sob os auspícios da primeira dama, Sra. Nair de Tefé, esposa do Marechal Hermes da Fonseca, a compositora e pianista Chiquinha Gonzaga apresentou-se em um sarau no Palácio do Governo, executando apenas músicas populares, em especial um tango maxixe chamado "Corta-Jaca".

Foi um escândalo na República. Rui Barbosa, que havia perdido as eleições presidenciais exatamente para o Marechal Hermes, assumiu a tribuna do Senado para com veemência deplorar o achincalhe representado pela apresentação de uma música menor, vulgar, essencialmente popular, incompatível com a dignidade nacional. Referindo-se ao maxixe o Conselheiro afirmou tratar-se da "mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens,a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba". Como a recepção em Palácio contou com a presença do corpo diplomático, a "vergonha" teria sido maior, gerando rubor nas fases e até revolta, no dizer do inolvidável jurista.

Este fato denota com clareza a verdadeira ojeriza da elite pelas nossas genuínas manifestações culturais. Na verdade, ojeriza que venceu o tempo e ainda perdura até os nossos dias, embora com menor intensidade.

Posteriormente, a música popular se expandiu, derrubou barreiras, ocupou espaços, incorporou-se ao acervo cultural do povo e teve no negro o seu grande artífice. As figuras magistrais de Pixinguinha, Ismael Silva, Sinhô, Cartola, Nelson Cavaquinho, Donga, João da Baiana, juntamente com compositores brancos deitaram raízes nas décadas de vinte, trinta e quarenta, de uma música que soube retratar a história, o cotidiano e as características de um povo, como talvez não se tenha feito em nenhum outro país. O futebol, nos seus primórdios, foi apropriado pelos brancos, pelos "bem nascidos" , até que se descobriu o insuperável talento dos negros. A primeira seleção brasileira a nos dar orgulho foi a de 1938, na França, com Leônidas da Silva, o "Diamante Negro", encantando o mundo com a sua mágica atuação.

A expressão negro foi colocada também na alcunha de outro grande craque do passado, Fausto a "Maravilha Negra". O primeiro jogador negro a se destacar foi Friedenreich. Ele, no entanto, não assumiu a sua negritude, pois, dizem, procurava branquear-se, alisando o cabelo, passando pó no rosto, imitando costumes dos brancos. Aliás, este fato do "branqueamento" não é incomum ainda nos dias de hoje.

Falando em maquiagem para disfarçar a cor, a alcunha de "pó de arroz" que acompanha o Fluminense não provem, como se imagina, do fato de sua torcida ser de elite, mas sim de um seu jogador, de nome Carlos Alberto, empoar o rosto exatamente para clarear a sua tez.

Como se vê, as nossas origens nunca foram devidamente assumidas pelo conjunto da sociedade. A verdade é que nós não incorporamos a miscigenação como um elemento intrínseco à nossa formação. Negros e mulatos, graças ao talento que lhes é inato, respondem por algumas manifestações culturais que nos distinguem perante o mundo. Caso eles fossem substituídos pelos brancos, muito provavelmente, tal reconhecimento não ocorreria. Por tal razão, e só por ela, as elites nesses setores se curvam, sem no entanto, abrir outros espaços.

Os relacionamentos sociais fluiriam melhor e a sociedade seria mais harmônica e pacífica caso houvesse o claro e explícito reconhecimento de que nós brasileiros representamos uma mistura de outras raças, crenças e aptidões, única no mundo e que se aceita e assimilada nos proporcionaria uma identidade própria e uma alta estima da qual somos carentes.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.