Migalhas de Peso

Recém-nascido: abandono da mãe ou do Estado?

Toda pessoa tem o direito de conhecer sua origem, seu patrimônio genético, seus dados biológicos.

18/10/2015

Noticiou a imprensa, com repercussão em todo país, que uma mãe, com 37 anos de idade, no bairro Higienópolis, em São Paulo, escondeu sua gravidez da patroa, com receio de perder o emprego, e teve o bebê no quarto que ocupava no apartamento. Dois dias após, acomodou a criança em uma sacola e a deixou na calçada, ao pé de uma árvore, onde foi encontrada e encaminhada para o atendimento médico, realizado com sucesso. A mãe, que já tem uma filha de três anos, vai responder pelo crime de exposição ou abandono de recém-nascido.

 É até comum ouvir notícia relatando tal lastimável abandono e a reação das pessoas é quase sempre no sentido de censurar a mãe pelo descaso com a vida do recém-nascido. Mas é muito difícil estabelecer e até mesmo compreender os motivos que a levaram a tomar tão odiosa conduta.

Mas, mesmo assim, fechando um raciocínio jurídico em torno da questão, percebe-se que, <_st13a_verbetes w:st="on">quando grávida, <_st13a_verbetes w:st="on">não optou <_st23a_dm w:st="on">pelo <_st23a_dm w:st="on">aborto. <_st13a_verbetes w:st="on">Nem <_st13a_verbetes w:st="on">mesmo <_st23a_dm w:st="on">pelo <_st13a_verbetes w:st="on">infanticídio, <_st13a_verbetes w:st="on">quando se encontrava <_st13a_verbetes w:st="on">sob a <_st23a_dm w:st="on">influência do <_st13a_verbetes w:st="on">estado <_st13a_verbetes w:st="on">puerperal.  <_st13a_verbetes w:st="on">Não se pode <_st23a_hdm w:st="on">concluir, <_st13a_verbetes w:st="on">portanto, <_st13a_verbetes w:st="on">que não desejasse o nascimento do <_st13a_verbetes w:st="on">filho, uma <_st13a_verbetes w:st="on">vez <_st13a_verbetes w:st="on">que venceu todas as <_st13a_verbetes w:st="on">etapas, <_st13a_verbetes w:st="on">desde a <_st13a_verbetes w:st="on">concepção <_st13a_verbetes w:st="on">até o nascimento <_st13a_verbetes w:st="on">com <_st13a_verbetes w:st="on">vida. Passou, <_st13a_verbetes w:st="on">com <_st13a_verbetes w:st="on">certeza, <_st13a_verbetes w:st="on">por inúmeras <_st13a_verbetes w:st="on">dificuldades, tanto sociais, econômicas e até mesmo o abandono do pai da criança, mas, <_st13a_verbetes w:st="on">mesmo <_st13a_verbetes w:st="on">assim, proporcionou o nascimento da filha. E se fosse possível penetrar em seu interior para desvendar a sua vontade, acredito que a única resposta seria que alguém encontrasse o bebê e desse a ele a necessária acolhida.

Fatos como este são reprisados em todo país e há muito tempo reclamam um espaço para debater a implantação de políticas públicas que sejam minimizadoras de situação tão delicada. A questão não é processar a mãe em busca de um édito condenatório e sentir que a Justiça foi feita. O problema penal ocupa a menor fatia do imbróglio social, e deve-se levar em consideração sim o despreparo para a maternidade, a preocupação em ocultar a desonra própria e até mesmo eventual consequência financeira, como a demissão do emprego. A pena a ser aplicada é de seis meses a dois anos de detenção e a persecução penal será feita perante os Juizados Especiais Criminais, de acordo com o artigo 61 da lei 9.099/1995.

Ora, o que exige o Código Penal é que, além de ter a mulher agido com a intenção de ocultar a desonra própria, provoque a ocorrência do perigo concreto para o neonato, não bastando a mera presunção do risco. E vai ao encontro da defesa da mãe o fato de ter-se colocado bem próxima do local para observar se a criança seria resgatada por pessoa que transmitisse confiança, demonstrando, desta forma, a prática de medida acautelatória para evitar qualquer perigo a ela.

Visando proporcionar uma solução mais humana para os casos de abandono de recém-nascido, tramitou pela Câmara Federal <_st13a_verbetes w:st="on">um <_st13a_verbetes w:st="on">projeto de <_st13a_verbetes w:st="on">lei a <_st13a_verbetes w:st="on">respeito dos <_st13a_verbetes w:st="on">direitos <_st13a_verbetes w:st="on">reprodutivos das <_st13a_verbetes w:st="on">mulheres, criando a <_st13a_verbetes w:st="on">figura do <_st23a_dm w:st="on">parto <_st13a_verbetes w:st="on">anônimo. Garante à <_st13a_verbetes w:st="on">mulher grávida, <_st13a_verbetes w:st="on">que <_st13a_verbetes w:st="on">não <_st13a_verbetes w:st="on">deseja a <_st13a_verbetes w:st="on">criança, o atendimento <_st13a_verbetes w:st="on">pré-natal e o <_st23a_dm w:st="on">parto, <_st13a_verbetes w:st="on">ambos <_st13a_verbetes w:st="on">gratuitamente. Assim como o <_st13a_verbetes w:st="on">filho será deixado no <_st23a_dm w:st="on">hospital <_st13a_verbetes w:st="on">ou <_st13a_verbetes w:st="on">posto de <_st13a_verbetes w:st="on">saúde <_st13a_verbetes w:st="on">por determinado prazo, período em <_st13a_verbetes w:st="on">que poderá <_st23a_hm w:st="on">ser reivindicado <_st13a_verbetes w:st="on">por <_st13a_verbetes w:st="on">ela <_st13a_verbetes w:st="on">ou <_st13a_verbetes w:st="on">por <_st13a_verbetes w:st="on">qualquer <_st13a_verbetes w:st="on">parente biológico. Findo o <_st23a_dm w:st="on">período, a <_st13a_verbetes w:st="on">criança será encaminhada à <_st23a_dm w:st="on">adoção. A <_st13a_verbetes w:st="on">parturiente <_st13a_verbetes w:st="on">que optou <_st13a_verbetes w:st="on">pela <_st13a_verbetes w:st="on">entrega do <_st13a_verbetes w:st="on">filho será submetida a acompanhamento <_st13a_verbetes w:st="on">psicológico, <_st13a_verbetes w:st="on">isenta de <_st13a_verbetes w:st="on">qualquer <_st13a_verbetes w:st="on">responsabilidade <_st13a_verbetes w:st="on">civil <_st13a_verbetes w:st="on">ou criminal <_st13a_verbetes w:st="on">em <_st13a_verbetes w:st="on">relação ao <_st13a_verbetes w:st="on">filho e <_st13a_verbetes w:st="on">sua identidade. As informações a respeito de sua saúde e a do genitor serão mantidas e divulgadas <_st23a_dm w:st="on">somente <_st13a_verbetes w:st="on">por <_st13a_verbetes w:st="on">ordem <_st13a_verbetes w:st="on">judicial fundamentada.

A incongruência do projeto residiu justamente no sigilo de identidade da mãe que impossibilita ao filho o conhecimento de sua origem genética. Dentre todos os direitos elencados na Constituição Federal, um deles assume relevância no assunto ora debatido: o da dignidade da pessoa humana. Toda pessoa tem o direito de conhecer sua origem, seu patrimônio genético, seus dados biológicos. Tanto é que o artigo 48 do Estatuto da Infância e Juventude determina: "O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos". Ao inserir tal direito, derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, o legislador não ofertou condição para o filho fazer uma escolha futura com relação à filiação, mas sim para que conheça o sua identificação genética.

De lege ferenda, por se tratar de adoção, poderia ser proposto novo projeto no sentido de preservar a nomeação dos responsáveis pela identidade genética, para depois providenciar a substituição registral, lançando os nomes dos pretendentes no registro de nascimento da criança, vez que será cancelado o anterior e nenhuma observação ficará constando.

Desta forma, dá-se segurança maior à gestante que já carrega a intenção de entregar o filho à adoção, com a efetiva proteção estatal. Receberá atendimento pré-natal, com todos os acompanhamentos necessários para a realização do parto, assim como o acompanhamento psicológico e não arcará com qualquer responsabilidade civil ou criminal com relação ao filho, que será registrado em seu nome.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, Reitor da Unorp/São José do Rio Preto.






 

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