Migalhas de Peso

O Santander e a violação ao Direito à Intimidade

Até na concepção da intervenção mínima do Estado, a defesa ao direito à intimidade é uma obrigação basilar.

12/11/2015

O banco Santander surpreendeu, nos últimos dias de setembro, ao apresentar campanha publicitária envolvendo fotos de empregados em sua esfera íntima. Impressionou a forma como a instituição exibiu seus gerentes Rafael e Joyce, por exemplo. Ele apareceu em um banho de ducha, sem camisa, enquanto ela estava deitada descontraidamente, com uma feição no mínimo provocante. Ao todo, participaram da campanha 200 gerentes do Santander. Abaixo de cada foto, a frase “Abra uma conta com ele (a) “.

 

Não é de hoje que o banco usa da violação moral de seus empregados para captação de clientes, mas utilizar fotos que expõem o corpo com forte conotação sexual para uma campanha publicitária demonstra ausência de limites à afronta a direitos fundamentais.

 

Até na concepção da intervenção mínima do Estado, a defesa ao direito à intimidade é uma obrigação basilar. A preservação da intimidade é um dos pilares dos direitos fundamentais no mundo todo.

 

A nossa Constituição, em seu art. 5ª, X, define o direito à intimidade como uma garantia pétrea a todos os brasileiros. O jurista Celso Ribeiro Bastos o define da seguinte forma:

“A Constituição Federal oferece guarida ao direito à reserva da intimidade assim como ao da vida privada. Consiste ainda na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhe o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.”

Assim, a intromissão do banco no banho do Rafael ou no descanso de Joyce é certamente uma violação irreparável à Constituição. Não se engane que o fato de ser uma campanha publicitária, com o suposto consentimento dos empregados, ameniza a ofensa. O empregador é conhecedor de que o trabalhador é o mais frágil na relação e que é sua obrigação a preservação à intimidade desses bancários. Todavia, a busca incessante pelo lucro é o que move tamanha intromissão.

 

Não basta a cobrança diária de metas cada vez mais elevadas, agora a instituição financeira tenta se apropriar do cerne do indivíduo, sua intimidade.

 

Diante da situação narrada, enxergo a possibilidade do ajuizamento de ação trabalhista requerendo indenização pelo dano moral causado. A indenização pelo dano moral causado é garantida pelos arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro e se caracteriza exatamente pela violação ao íntimo da pessoa. Sendo certo que uma campanha publicitária nas principais capitais do país é um agravante, pelo tamanho da exposição. O ajuizamento das ações não visa apenas o ganho pecuniário aos empregados, mas possui um caráter pedagógico ao empregador, para que entenda a impossibilidade da exploração da imagem desses bancários.

 

Cabe ainda ressaltar a necessidade que o sistema judiciário compreenda o seu papel na luta pela preservação da intimidade do empregado. Por tal razão, clama-se pela aplicação de valores impactantes nas condenações para situações como essas. Ressalto: a única forma de combater a ambição cega pelo lucro é uma penalidade que cause abalo no capital da empresa. A presente história apenas comprova tal assertiva.

 

Por fim, resta à sociedade a reflexão acerca da aceitação dessa forma de exploração à intimidade e a cobrança de meios eficazes para o combate a esse tipo de violação. Machado de Assis já dizia, na obra Memorial de Aires: "Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular."

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*Vítor Godoi é advogado do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

 

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